Comprimido Vermelho ou Comprimido Azul?

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O comentário do nosso leitor “bigkax”, neste post, fez-me reflectir sobre o papel do astroPT.

Matrix é um filme fantástico e complexo, assente em discussões filosóficas e religiosas. Não faltam páginas na net que examinam essas complexidades, muitas das vezes com interpretações que uma pessoa nem se deu conta ao ver o filme (já que se vê o filme pelo entretenimento, claro).

Uma das imagens emblemáticas do filme é quando o Morpheus pergunta ao Neo se ele quer tomar o comprimido vermelho ou o comprimido azul (podem ver a cena, aqui, com legendas em português).
O Neo tem que tomar uma decisão: escolhe o vermelho ou o azul?
Não pode tomar os dois. Tem mesmo que decidir qual caminho seguir.

Obviamente, a côr dos comprimidos é uma metáfora para um significado mais profundo.

Tal como no Génesis, a história da maçã que a Eva comeu no Paraíso tem um significado mais profundo do que “roubar” maçãs num jardim. No Génesis (Bíblia) o significado, para mim, é este: Deus dita a lei que Adão e Eva não podem “comer” conhecimento, têm que viver ignorantes do que se passa à sua volta, seguindo somente o que Deus ditar para eles. Eva resolveu desobedecer, e foi comer a maçã da árvore do conhecimento (do bem e do mal). Eva, bem ou mal, decidiu fazer as coisas por si, em vez de esperar que outros ditassem o que ela devia fazer e pensar. Eva decidiu se levantar sozinha (no exemplo que dei aqui). Eva decidiu tomar as decisões por si, em vez de concordar com as restrições que lhe impuseram. Deus, pelos vistos, não gostou que o confrontassem, não gostou de ter alguém a querer conhecimento, e por isso expulsou a Eva (e o Adão que também comeu a maçã) do seu Paraíso.

(Àparte:
– notem que não estou contra Deus, mas sim contra os Humanos que inventaram esta história para controlarem outros humanos, para fazerem esses outros humanos viverem na ignorância e terem medo do conhecimento.
– e para não dizerem que estou contra Cristo, não estou, porque na minha opinião, se ele existiu, era Gnóstico – uma procura de conhecimento que já vinha dos Gregos. Ou seja, procurava o conhecimento, e a igualdade. Era contra o status quo, o controlo, a autoridade, e os dogmas de Roma (na altura) e contra o sexismo (existente na Igreja). Ele seria totalmente contra os Humanos posteriores que, em seu nome, procuraram o controlo, o dogmatismo, a autoridade, e a ignorância da população (ex: Idade das Trevas). Ao contrário de muitos crentes religiosos actuais, Jesus, a ter existido, tomaria o comprimido vermelho.
– curiosamente é algo que também aconteceu em ciência. Aristóteles sempre foi contra a autoridade. Aristóteles sempre disse que as pessoas deviam procurar as respostas por si, e fazer experiências. Daí que Aristóteles sempre foi contra escritos antigos, de “autoridades” nessa área, e preferiu ele próprio observar, experimentar, analisar, deduzir, induzir, fazer analogias, abstrair, e escrever livros (sobre uma enorme diversidade de assuntos). Os que vieram depois dele, e que o seguiram como “discípulos”, resolveram eles dizer que “Aristóteles era a lei”, deveria haver uma reverência à autoridade do Aristóteles. Daí que se devia seguir tudo o que Aristóteles dizia, como sendo verdade, porque ele era a autoridade suprema. Ainda hoje o “método aristotélico”, apesar de erradamente, é popularmente pensado dessa forma, de reverência à autoridade e seguir o status quo, sem opinião própria. Ou seja, quem veio depois, subverteu o que foi dito, de modo a controlar a população e estagnar o conhecimento. Foi uma forma da civilização humana praticamente estagnar durante 2000 anos.)

O mesmo poderíamos perceber na fantástica série Lost. Para mim, tal como disse aqui, Jacob sempre foi o seguidor de regras, do que lhe diziam para fazer, que não tem opinião própria (mindless), enquanto o “Homem de Negro” queria explorar o mundo, queria cultivar-se, queria ver o mundo lá fora, queria se desenvolver, queria melhorar, queria mais conhecimento. Enquanto Jacob segue sempre a mesma ideologia, o Homem de Negro questionava o status quo, e tentava fazer por mudar as coisas.

Isto também tem a ver sobre que filosofia de vida preferimos seguir: determinismo, em que assumimos que já está tudo determinado? OU um mundo em que as nossas escolhas são importantes, que temos uma vida que depende das nossas opções?

Da mesma forma, no filme Matrix, o que é apresentado é uma escolha: de que modo preferimos ver a vida?

Temos à escolha um comprimido azul ou um comprimido vermelho. Qual tomamos?

Comprimido azul:
Escolhemos viver na ignorância.
Ignoramos o que se passa, e por isso estamos satisfeitos com aquilo que vemos/temos/sabemos.
Seguimos aquilo que nos é ditado, aceitamos o que nos é dito, e não temos opinião própria.
Assumimos que está tudo determinado, e não temos escolha.
Estamos confortáveis naquilo que assumimos ser a realidade.
Estamos contentes com aquilo que somos e que sabemos.
Estamos felizes com ir trabalhar/estudar todos os dias, acordar todos os dias à mesma hora, fazer exactamente as mesmas coisas todos os dias, seja lavar os dentes ou jantar a uma certa hora, trabalhar sempre à semana descansando ao fim-de-semana, ter férias sempre em certa altura, etc.
Basicamente, aceitamos o hábito, preferimos a rotina, viver sempre da mesma forma, ficar sempre no mesmo sítio, saber sempre as mesmas coisas, falar sempre com as mesmas pessoas, seguir sempre as mesmas políticas, seguir sempre aquilo que já sabemos, etc.
Deixamo-nos levar pela pressão social, quer na forma como devemos viver a vida, quer na forma de pensar.
Deixamos que a sociedade nos imponha o que pensar e como viver.
Sucumbimos à socialização (feita pela sociedade à nossa volta) e à educação formal (nas escolas, como diria Duckworth, que castram a nossa criatividade e individualidade).
Vivemos sempre dependentes de outros, e do que já é sabido.
Vivemos uma possível ilusão.
É mais fácil viver assim, é mais confortável quando não somos responsáveis pelo nosso destino.
Potencialmente leva a uma vida mais feliz: “Ignorance is a bliss” – a ignorância é uma benção que nos deixa felizes com a vida que temos.

Comprimido vermelho:
É o comprimido do conhecimento.
Queremos sempre ter um maior conhecimento, queremos saber sempre coisas novas, queremos aprender, queremos melhorar.
Examinamos a vida e a realidade.
Teremos certamente surpresas: umas vezes agradáveis e outras vezes desagradáveis.
Teremos uma maior pressão social para seguirmos a vida e a forma de pensar que nos impõem.
Questionamos o que nos dizem, questionamos o status quo, não estamos satisfeitos com aquilo que nos é apresentado, procuramos a verdade, não enveredamos por conspirações mas tentamos ver mais longe, tentamos mudar/melhorar as coisas, etc.
Duvidamos, arriscamos, questionamos, e procuramos as respostas.
Temos uma mente inquisitória (própria dos jovens de espírito, como diria Einstein, que continuam a colocar questões que parecem simples).
Temos uma mente aberta para experimentar coisas novas – “thinking outside the box”; mas não tão aberta que o cérebro caia.
Saímos fora da nossa zona de conforto, de modo a termos outras experiências.
Utilizamos o pensamento crítico, o “critical thinking”.
Pensamos por nós próprios.
Fazemos as nossas próprias escolhas, as nossas opções.
Damos um sentido à existência, em vez de nos limitarmos a sobreviver.
Procuramos e tentamos entender o sentido da vida.
Damos enorme valor à consciência, à forma como vemos o mundo à nossa volta.
Não nos limitamos a observar, mas pensamos, reflectimos, questionamos.
Entramos numa viagem que busca a verdade e o conhecimento. É uma viagem, um método de descoberta.
A responsabilidade da nossa vida, é nossa. Nós é que fazemos as opções para a vida que temos actualmente, e que teremos no futuro.

O comprimido azul é a escolha mais fácil, em que a pessoa está satisfeita com aquilo que tem, que se limita a absorver o que lhe dizem, e que levará a uma vida de felicidade… mas ilusória.
O comprimido vermelho é a escolha mais difícil, porque tem que lutar contra o “status quo”, tem que ir procurar respostas. Só quem tem uma personalidade forte tenta esta escolha.

Eu não pretendo dizer qual o comprimido que devem tomar.
A escolha é pessoal, de cada um.

Aliás, parece-me que para diferentes situações da vida, tomamos diferentes “comprimidos”.
Por exemplo, se formos fazer uma longa viagem de carro (milhares de kms), temos o cuidado de levar primeiro o carro ao mecânico. Ou seja, preferimos tomar o comprimido vermelho, ter conhecimento sobre como está o carro, e se é preciso melhorar alguma coisa (por exemplo, em termos de travões); em vez de irmos na viagem e confiarmos que não se passa nada.
Noutro exemplo, se calhar fazemos o contrário. Por ventura, muitos de nós, compramos os produtos no supermercado, e nem vemos a data de validade, ou o sítio onde foi produzido. Não queremos saber, e esperamos que corra tudo bem.
Há outros casos em que é difícil saber o que fazemos: será que vamos mensalmente ao médico ver, por exemplo, se surgiu alguma potencial doença nova (ex: cancro), ou preferimos a ignorância de vivermos felizes não sabendo de doenças? Será que se amanhã a NASA detectasse um enorme asteróide a vir na direcção da Terra, e que iria embater daqui por 2 dias, e não houvesse nada a fazer (iríamos ser totalmente exterminados), preferíamos saber (comprimido vermelho) ou preferíamos viver o resto da nossa vida despreocupados, felizes, e alheios a essa inevitabilidade (comprimido azul)?

Pessoalmente parece-me que em geral (sem falar de casos específicos na vida, mas da vida no seu todo), a maior parte das pessoas toma o comprimido azul: passa pela vida, em vez de vivê-la.
Tal como nos tentam dizer alguns filmes, com as suas mensagens. Por exemplo, Metropolis, Invasion of the Body Snatchers, e centenas de outros.

Também me parece que a ciência, o método científico, o pensamento científico, o debate racional, a experiência, é claramente uma forma de tomar o comprimido vermelho.

Como isto se liga ao astroPT?

O projecto astroPT visa basicamente divulgar astronomia, em português.
No entanto, muitos posts (como este agora!) não estão directamente ligados a assuntos astronómicos.
A culpa é, claramente, minha.
A minha área é a astrobiologia, uma área multidisciplinar que não vê a astronomia (ou a ciência em geral) isolada, mas sim ligada a muitos outros aspectos da vida. É uma envolvência de diversos assuntos, e não uma especialização num assunto específico.
Daí que, bem ou mal (não vou fazer juízos de valor, deixo isso para os leitores), escrevo sobre Ficção Científica, sobre Educação, sobre Literacia, sobre Mentalidades, sobre Comportamentos Humanos, sobre Política, sobre Religião, sobre Carros, sobre Futebol, sobre Vida Estranha, sobre Pulseiras, sobre Cursos Metafísicos, sobre OVNIs, sobre Críticas à Ciência/Astronomia, sobre auto-Reflexões, sobre Defesa da Ciência, sobre Animais com Fotossíntese, sobre Animais que Vivem para Sempre, sobre Pseudo-Ciência, etc, etc, etc.

Parece-me que um projecto científico, como este, deve ter uma visão alargada da ciência, e do seu papel social. Deve-se imiscuir na sociedade em que está envolvido, e não ignorar os ataques à ciência que se vêem diariamente, nem ignorar a sociedade (os outros aspectos sociais).
Esta é uma visão puramente pessoal (não sei se é ou não, partilhada por todos).

Ou seja, o astroPT tem o objectivo primário de divulgar a astronomia e providenciar um maior conhecimento astronómico, mas também fomentar o pensamento crítico, analisar assuntos de elevado interesse social (que tenham uma relação, mesmo que ténue, com a astronomia), e incutir uma maior racionalidade.
Dito de outra forma, o astroPT não vos dá a escolher qual comprimido tomar. O astroPT oferece-vos o comprimido vermelho.
Mas a escolha é, sempre, vossa.
Podem tomar o comprimido vermelho, de livre vontade, frequentando este espaço; ou podem preferir o comprimido azul, rejeitando este conhecimento, e continuando felizes com uma vida que não ponha em causa aquilo que já sabem.

Obviamente que espero que nos visitem, e que valorizem o astroPT com os vossos comentários, questões, e análises.
Mas a escolha é vossa.
E se escolherem vir cá, como espero que o façam, já sabem que é para tomarem o comprimido vermelho
😉

30 comentários

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  1. Opa Carlos, parabéns pelo site, aprendo muito sobre astronomia nele, realmente matérias que fogem da astronomia são poucas por aqui e entre as sugestões navegando no site me veio essa. Realmente o conhecimento é tudo, nesse assunto sobre entender nossa realidade há muitas teorias. Recentemente eu li uma matéria sobre paradoxo de Ferni e tenho curiosidade sobre o que você pensa sobre isso, por conhecer astronomia, deve ter um pensamento interessante de conhecer sobre esse paradoxo leia a matéria abaixo:

    http://gizmodo.uol.com.br/paradoxo-fermi/

    1. Oi Rogers,

      Respondi a isso hoje aqui:
      http://www.astropt.org/about/comment-page-2/#comment-1353156
      😉

      abraços!

  2. [O maior Número Primo](Positivo).
    Atenção..!!!, Atenção..!!!, há um novo Primo gigante na praça.
    Aconteceu de novo…!!!; mais um recorde da Matemática foi batido…!!!; trata-se novamente da descoberta de um Número Primo Gigante(Positivo); Um número com 100% exato; 92151936265323913109733117533 dígitos, é isto mesmo;Noventa e Dois Cento e Cinquenta e Um Octilhão,Novecentos e Trinta e Seis Septilhão,Duzentos e Sessenta e Cinco Sextilhão, Trezentos e Vinte e Três Quintilhão,Novecentos e Treze Quatrilhão,Cento e Nove Trilhões,Setecentos e Trinta e Três Bilhões,Cento e Dezessete Quinhentos e Trinta e Três Milhões.exatos.
    Sidney Silva.

    • Anderson Nunes Vieira on 06/04/2014 at 20:42
    • Responder

    Gosto muito do filme Matrix e gostei do artigo, bem elaborado.
    Só tenho uma consideração que acho importante a ser feita. No trecho que é dito: “Eva resolveu desobedecer, e foi comer a maçã da árvore do conhecimento (do bem e do mal). Eva, bem ou mal, decidiu fazer as coisas por si, em vez de esperar que outros ditassem o que ela devia fazer e pensar. Eva decidiu se levantar sozinha (no exemplo que dei aqui). Eva decidiu tomar as decisões por si, em vez de concordar com as restrições que lhe impuseram. ”

    Essa passagem pode retratar o pensamento do autor, mas na visão bíblica não é a realidade. (ACREDITAR OU NÃO NA BÍBLIA) não vem ao fato, o fato mais importante dessa passagem (EVA COMENDO O FRUTO) foi omitido, mas pode ser lido no original:

    “Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?
    E disse a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim comeremos,
    Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais.
    Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis.
    Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.
    E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela.
    Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.

    Gênesis 3:1-7”

    Então temos aqui uma personagem importantíssima que estimulou Eva a comer do fruto outrora proibido. Podemos com isso afirmar que ela não tomou a iniciativa por livre e espontânea vontade, ou seja por si só, mas sim foi estimulada pela serpente a comer do fruto, a serpente criando uma mentira dizendo que o Criador havia mentido ao dizer que se comesse do fruto morreriam algo que aconteceu posteriormente (alguns estudiosos dizem que não se trata somente de uma morte física, mas espiritual também, ou seja a separação do homem com seu Criador).

    Talvez Adão, conforme é dito no versículo 6 possa ter comido de livre e espontânea vontade, mas não existe registros suficiente para afirmar tal sentença. Quanto a Eva, bem esta foi instigada e estimulada a comer, ou seja, o que chamamos hoje de massa de manobra, sempre precisa de alguém para “orientar”, mesmo papel realizado por Morpheus no filme Matrix..srsrsrsr..com a bela encenação dele quem não tomaria a pílula vermelha? Com o comercial da serpente quem não comeria do fruto?

    Mas tirando essa omissão, do restante do artigo muito bom.

    Espero ter contribuído.
    Abraços

    1. A “serpente” chama-se Curiosidade.

      abraços

  1. […] Astropt […]

  2. […] – Sem qualquer ambiguidade, informamos os nossos leitores que neste local só damos o comprimido vermelho. […]

  3. […] a mais um troll crente em parvoíces, deixem-me relembrar: aqui no AstroPT damos sempre o comprimido vermelho, colocando como valor supremo: a verdade, o […]

  4. […] – Mentalidades: Diversidade Humana. Reflexões. Sábios. Oportunidades. Arriscar. Ganhar. Comprimido Vermelho. Americana. Humildade vs. Arrogância. Calvin & […]

  5. […] – Sem qualquer ambiguidade, informamos os nossos leitores que neste local só damos o comprimido vermelho. […]

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