Pulsar massivo recém descoberto bate recorde de massa e desafia astrofísica

Uma equipe de astrônomos descobriu a mais massiva estrela de nêutrons já medida, através do Telescópio Green Bank do NSF (National Science Foundation). A existência de tal objeto trás impactos em vários campos da astrofísica.

IMAGEM: os pulsos de uma estrela de nêutrons sofrem atraso quando passam perto da anã branca companheira. Este efeito permitiu aos astrônomos medir as massas do sistema binário pulsar/anã branca. Crédito: Bill Saxton, NRAO/AUI/NSF

“Esta é uma estrela de nêutrons com duas vezes a massa do Sol (massa estimada = 1,97?±?0,04 MS), 13% mais massiva que o segundo lugar, o pulsar PSR J1903 + 0327 (massa = 1,74 ± 0,04 MS), cuja descoberta foi anunciada em junho de 2008. Isto é surpreendente. A descoberta de um objeto com tal massa significa que diversos modelos teóricos que tentam explicar a composição interna das estrelas de nêutrons têm que ser descartados”, afirmou Paul Demorest, membro do NRAO (National Radio Astronomy Observatory). “Esta medição também desafia nosso conhecimento do comportamento da matéria sob densidades extremamente altas e trás implicações para os modelos de física nuclear”, acrescentou Paul.

As estrelas de nêutrons são “cadáveres” compostos por “cinzas” ultra-densas originadas dos restos do colapso gravitacional de estrelas massivas que explodiram como supernovas Tipo II, Tipo Ib ou Tipo Ic. Com a sua massa remanescente compactada em uma esfera com o diâmetro equivalente ao tamanho de uma cidade (raio RS = 10 km para M = 1,4MS, podendo chegar até Rmáx = 13 km, segundo Neutron Stars por Pawe? Haensel, A Y Potekhin, D G Yakovlev (2007), página 17), os seus prótons e elétrons se fundiram em nêutrons. Uma estrela de nêutrons tem densidade média (3,7×1014 a 5,9×1014 g/cm3) com ordem de grandeza equivalente à do núcleo atômico (3 × 1014 g/cm3), e um pequeno volume do seu material, a caber em um dedal, pode pesar mais que 500 milhões de toneladas. Esta tremenda densidade faz com que estes objetos extremos sejam considerados como “laboratórios” ideais naturais para estudarmos os estados de matéria mais densos e exóticos conhecidos na física.

Os cientistas usaram um efeito da teoria da Relatividade Geral de Einstein para medir tanto a massa da estrela de nêutrons quanto da sua companheira orbital, uma anã branca. Esta estrela de nêutrons é um pulsar, emitindo feixes tipo-farol de ondas de rádio que viajam pelo espaço enquanto o pulsar gira. Este objeto, o pulsar PSR J1614-2230, gira 317 vezes por segundo, enquanto que a companheira anã branca completa uma órbita em torno do centro de massa do sistema binário em apenas 9 dias. O par binário, que reside a uma distância de 3.000 anos-luz da Terra, está, felizmente, em uma órbita quase perpendicular ao nosso ponto de vista. Esta orientação especifica foi a chave para fazer a medição da massa das componentes deste sistema de estrelas exóticas.

IMAGEM: gráficos mostram o ‘atraso de Shapiro’ quando a anã branca transita na frente do pulsar. Crédito: Nature/P. B. Demorest, T. Pennucci, S. M. Ransom, M. S. E. Roberts & J. W. T. Hessels

Atraso de Shapiro

À medida que a anã branca transita em frente do pulsar, as ondas de rádio do pulsar que chegam à Terra passam ao lado da anã branca. Esta passagem próxima faz que com as ondas se “atrasem” devido à distorção do espaço-tempo produzida pela gravidade intensa da anã branca. Este efeito, denominado de Atraso de Shapiro, permitiu aos cientistas medir com precisão as massas de ambas as estrelas.

“Tivemos muita sorte com este sistema. O pulsar de rápida-rotação dá-nos um sinal para seguir ao longo da órbita. Além disso, a órbita está quase perfeitamente perpendicular. E mais, a anã branca do sistema também é particularmente massiva para um objeto do seu tipo. Esta combinação única torna o Atraso de Shapiro muito mais forte e por isso mais fácil de medir,” afirmou Scott Ransom, também do NRAO.

Os astrônomos usaram um instrumento digital recém-construído denominado GUPPI (Green Bank Ultimate Pulsar Processing Instrument), acoplado ao Telescópio de Green Bank, para seguir a estrela dupla através de uma órbita completa no início deste ano. A utilização do GUPPI melhorou por várias vezes a capacidade dos astrônomos em cronometrar os sinais do pulsar. O vídeo abaixo explica a técnica:

Os investigadores esperavam que a estrela de nêutrons tivesse aproximadamente 1,5Ms. Entretanto, suas observações revelaram que o pulsar tinha o dobro da massa do Sol (2Ms). Essa quantidade de massa, disseram os cientistas, desafia nosso conhecimento sobre a composição de uma estrela de nêutrons. Alguns modelos teóricos postularam que, em adição aos nêutrons, tais estrelas deveriam conter também outras partículas subatômicas exóticas chamadas híperons ou condensados “kaon”.

“Nossos resultados excluem estas idéias”, afirmou Ransom. A equipe publicou os seus resultados na edição de 28 de Outubro da revista Nature.

Estes resultados trazem mais implicações, delineadas em um segundo artigo, a ser publicado futuramente na revista Astrophysical Journal Letters. “Esta medição disse-nos que se quaisquer quarks estiverem presentes no núcleo de uma estrela de nêutrons, não podem estar ‘livres’, mas interagindo fortemente uns com os outros tal como acontece nos núcleos atômicos”, afirmou Feryal Ozel da Universidade do Arizona, principal autor do segundo artigo.

Ainda permanecem várias hipóteses prováveis para a composição interna das estrelas de nêutrons, mas os novos resultados impõem limites, assim como em relação a densidade máxima possível da matéria fria.

O impacto científico (veja o vídeo abaixo) das novas observações do Telescópio Green Bank também se aplica a campos além da caracterização da matéria em densidades extremas. Uma das explicações principais para a causa de um tipo de explosão de raios-gama de “curta-duração” é que as mesmas são possivelmente provocadas pela colisão de estrelas de nêutrons. O fato das estrelas de nêutrons poderem ser tão massivas como a PSR J1614-2230 vem a corroborar este mecanismo potencial causador destas explosões de raios-gama.

Também se estima que as colisões de estrelas de nêutrons produzam ondas gravitacionais que são o alvo de diversos observatórios em operação tanto nos EUA quanto na Europa. As ondas gravitacionais, se detectadas, os cientistas alegam, transportariam valiosas informações adicionais acerca da composição das estrelas de nêutrons.

“Em geral, os pulsares proporcionam uma grande oportunidade para estudar física exótica e este sistema é um fantástico laboratório, que nos fornece informação valiosa com muitas implicações”, explicou Ransom. “Para mim, é espetacular que um simples número, a massa de uma estrela de nêutrons, possa nos contar tanto acerca dos muitos diferentes aspectos da física e da astronomia,” acrescentou Ransom.

Fontes

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1 comentário

  1. Existe a hipótese de haverem Estrelas de Quarks?

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