Como a refração causa a miragem inferior

1. Introdução e motivação

Miragens são fenômenos mais frequentes de se observar do que normalmente se imagina. Podem ocorrer não apenas nos desertos, mas também sobre a superfície d’água, no asfalto das ruas e estradas, e até junto a superfícies verticais como muros e paredes de alvenaria ou de pedra. São especialmente fascinantes os padrões que elas podem causar na imagem do Sol ou da Lua junto ao horizonte. Qualquer observador atento pode ser capaz de percebê-las em seu campo visual e admirar seus efeitos aparentemente mágicos, mas para tanto é importante que esteja devidamente informado sobre a forma como estes fenômenos ocorrem na Natureza.

As miragens NÃO SE ENQUADRAM entre as chamadas “ilusões de óptica”. Estas se devem puramente a processos internos de nossas mentes (por exemplo, desenhos nos quais retas rigorosamente paralelas parecem curvar-se devido à intersecção com outras linhas, mas o uso de uma régua desfaz prontamente a ilusão). As miragens, por sua vez, estão presentes no próprio campo visual, podendo inclusive ser fotografadas. Conceitualmente, não se distinguem das distorções que os objetos sofrem ao serem observados através de uma lente de vidro: diferenças locais na temperatura do ar causam desvios por refração.

São conhecidos diferentes processos ópticos responsáveis por tipos distintos de miragens. Este trabalho aborda um tipo específico, que é a chamada miragem inferior (inferior em termos de posição, e não de qualidade!). Após apresentarmos uma fotografia tomada nas estepes da Patagônia, analisaremos em quatro passos a imagem observada, a fim de melhor compreender o fenômeno atmosférico envolvido.

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FIGURA 1

A foto original mostrada acima foi tomada pelo autor na Patagônia, Argentina, durante uma viagem pela Rota 40, no ano 2010. As estruturas no horizonte, parecendo ilhas flutuantes, são imagens distorcidas das montanhas e do céu azul acima delas. Tais efeitos se devem ao desvio dos raios luminosos no colchão de ar quente próximo ao solo plano da estepe. A sequência de raciocínio abaixo vai nos ajudar a compreender o processo geométrico que gera as miragens inferiores.

Primeiro, imaginaremos como seria a imagem sem as distorções causadas pela atmosfera. Em seguida, vamos analisar o comportamento de alguns raios luminosos que partem do horizonte. Finalmente, adotando uma linha horizontal imaginária, separaremos o campo visual em uma “parte direta” e uma “parte invertida”.

Por último, é apresentada uma conclusão, assim como a bibliografia consultada.

2. Sequência de raciocínio geométrico

2.1. O campo visual sem as distorções

Um segmento do campo visual está esquematicamente esboçado acima. À direita, foi representada a miragem, e à esquerda, uma simulação de como apareceria o horizonte na mesma paisagem, se os raios luminosos não sofressem distorções. Os esquemas foram construídos pelo autor mediante o uso de recursos digitais. Em ambos os esboços, a escala vertical foi exagerada, a fim de tornar mais fácil o entendimento do comportamento geométrico dos raios luminosos.

2.2. A trajetória curva dos raios luminosos

Considere primeiro o ponto A, perto da base da montanha. Devido a desvios causados pela temperatura, não há nenhum raio de luz vindo de A que atinja o olho do observador. O ponto B foi escolhido numa posição crítica, tal que um único raio de luz emerge dele e atinge o olho do observador, após ter sido ligeiramente curvado ao atravessar a camada de ar. O ponto C está no topo da montanha, e DOIS raios luminosos emergem dele e alcançam o olho do observador, cada um com uma curvatura diferente. E então, o que será visto na miragem?

2.3. A parte DIRETA da imagem vista pelo observador


Os esboços em cima mostram a paisagem real (à esquerda) e o que ocorre com a parte direta da miragem (direita), onde a linha de fuga é a reta horizontal que passa por B’. Lembre que qualquer raio emergindo da montanha, abaixo de B’, não atinge o olho do observador. Como resultado, a montanha parece estar cortada, achatada, e também deslocada para baixo.

2.4. A parte INVERTIDA da imagem vista pelo observador

O raio inferior que parte de C vai imagear em C”, que é responsável pela montanha invertida na miragem.

Uma faixa de luz se insere entre a miragem direta e a estepe, imediatamente abaixo da linha de fuga;

o mesmo ocorre com a luz do céu azul, que pode ser vista abaixo da montanha invertida na miragem.

Agora, podemos voltar à foto da Introdução, e tentar perceber melhor a imagem original.

3. Conclusão e Bibliografia

O campo visual que é oferecido aos nossos olhos admite maneiras distintas de ser captado, interpretado e apreciado. Ao termos conhecimento dos fenômenos ópticos envolvidos na formação do campo visual, tornamo-nos capazes de uma apreciação bem mais completa, que além de contribuir para o exercício de nossas mentes, também alimenta nosso lado lúdico, e, inclusive, nosso senso estético.

Bibliografia

[1] MINNAERT, M. G. J.: Light and Color in the Outdoors. Springer, New York, 1993.

[2] A.T. YOUNG: AN INTRODUCTION TO MIRAGES

http://mintaka.sdsu.edu/GF/mirages/mirintro.html

[3] J. CALVERT: TYPES OF MIRAGES

http://mysite.du.edu/~jcalvert/astro/mirage.htm

[4] L. COWLEY: AIR TEMPERATURES, MIRAGES & GREEN FLASHES

http://www.atoptics.co.uk/atoptics/mirtemp.htm

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