Manual de Instruções

Vi este fabuloso Manual de Instruções para a vida:

Apesar do vídeo dizer que é um manual para a vida, e ter como principal “destinatário” a forma religiosa de pensar, o certo é que pode ser muito bem aplicado às diferenças entre uma forma científica de pensar e uma forma pseudo de pensar.

A ciência baseia-se na procura do erro, de ir muito mais além do que aquilo que já se sabe. Essa sempre foi a evolução da ciência, do conhecimento, e do mundo.
A ciência também se baseia na diferença, na imaginação, na mudança constante, na diversidade de ideias e opiniões, no desafio de descobrir algo novo ou que vá contra o status quo, de questionamento constante, de pensamento crítico, etc.
Ou seja, como se pode comprovar pelo mundo em que vivemos, a ciência permite abrir a mente a diferentes possibilidades, a diferentes alternativas, a diferentes interpretações da mesma situação/observação.
Isto é o que se vê, por exemplo, nos milhares de doutoramentos em áreas científicas que existem hoje por todo o mundo. Cada pessoa pensa por si próprio, por si mesmo, de modo a fazer avançar o conhecimento. Não pensa sozinho (baseia-se também nas opiniões dos outros), mas pensa de forma independente.
Sobretudo, o cientista deve, por sistema, fazer uma auto-reflexão. As suas opiniões são sempre falsificáveis.
Outra coisa que se vê nos departamentos científicos, é a discussão constante. A discussão é bem-vinda. A discussão de diferentes pontos de vista é o que faz o mundo evoluir, e a ciência evoluir. Este é o processo da ciência – um processo de constante partilha de ideias, de modo a se avançar no conhecimento. A única coisa que a ciência requer é que as discussões sejam feitas de argumentos lógicos, racionais, e baseados no pensamento crítico.
Ou seja, tendo em conta o vídeo em cima: a ciência aceita as diferentes formas de arranjar os armários, e a ciência até promove que se arranje diferentes formas de arranjar os armários (promove a diversidade e diferentes formas de pensar). Quando a ciência diz que existe outra forma (B) de colocar os quadrados, não quer dizer que que a forma A estivesse errada; simplesmente a ciência dá mais alternativas, promove diferentes formas de pensar. Da mesma forma, a ciência promove a ideia que se deve mudar o arranjo dos quadrados no armário, e quem traz novas ideias é bem-vindo, porque a mudança é a única constante na vida e na ciência. No entanto, sendo nós seres humanos, ou seja, sendo nós seres supostamente racionais, então a ciência requer que essas alternativas sejam racionais: ou seja, se alguém disser que consegue meter um quadrado de 3 metros de lado dentro de um triângulo de 1 metro de lado, é óbvio que essa não é uma alternativa credível.

Agora comparem com a Religião, por exemplo. Promove uma só forma de pensar, e os que pensem diferentes são infiéis – são colocados àparte. Promove a ideia que toda a verdade está, não em nós próprios, mas sim no que diz um livro. Ou seja, todas as respostas estão lá, e não é preciso saber mais nada.

Da mesma forma que a religião, a Pseudo-ciência promove a ideia que o que se sabia na Idade das Trevas é que é a verdade. Não há qualquer evolução do conhecimento, mas continuam a pensar (ex: astrologia) que aquilo que alguém pensava há 2000 anos atrás (ex: sobre signos) teria que ser verdade. Não põem em causa esse conhecimento antigo, não fazem auto-reflexões.

Porque a grande maioria das pessoas não percebe estas diferenças?
Penso que se deve às concepções erradas que têm da ciência, como tenho visto tantas vezes nos comentários aqui no blog.

Por exemplo:
– imaginam que por serem ignorantes sobre um tema, ou seja, não saberem tanto sobre um tema, então isso é sinónimo que sabem tanto como o especialista no assunto que dispõe do conhecimento sobre o tema.
– nos comentários de pseudos vê-se o seu dogmatismo, agarrados a uma ideia errada, em vez de tentaram aprenderem com quem sabe. É muito diferente eu querer aprender com quem sabe mais (especialista) e por exemplo chegar a um médico e perguntar-lhe se é possível o sangue ser verde, como li em algum lado; ou então chegar ao hospital e começar a afirmar que o sangue das pessoas é verde – o que é errado, o que dá a entender que não percebo do assunto, e dá a entender que não quero aprender com quem sabe.
– quando um cientista dá uma alternativa de resposta para se pensar nesse problema, os pseudos imaginam que ele está a afirmar que as coisas “têm que ser assim”. Imaginam a ciência de forma ditatorial, quando isso está longe da realidade.
– a ciência faz-se de probabilidades, enquanto os pseudos imaginam que a ciência se faz de certezas. No entanto, quem tem as “certezas” todas são os pseudos e os religiosos, que não querem sequer pensar que as suas certezas podem estar erradas.
– a ciência faz-se de argumentos, alternativas, racionais. Já os pseudos imaginam que qualquer alternativa serve, por mais irracional que seja. E se o cientista lhe aponta a irracionalidade daquilo que está a dizer, então o pseudo assume que o cientista está a dizer que sabe tudo e que alternativas não são bem-vindas… quando isso não poderia estar mais longe da realidade.
– a ciência baseia-se na observação da realidade, e não naquilo que alguém diz ser verdade só porque sim sem quaisquer evidências sustentáveis. Para os pseudos, a ciência deveria aceitar tudo por mais irrealista que seja e contrária às experiências feitas, só porque foi o sr. X que disse. Como a ciência não aceita esse tipo de opiniões irracionais, os pseudos assumem que a ciência é dogmática.
– para os pseudos, a ciência deveria aceitar tudo, incluindo ideias completamente irracionais. Como a ciência não o faz, os pseudos assumem que a ciência é restritiva. Para os pseudos, a ciência não tem uma mente aberta, já que a abertura de mente, para eles, deveria ser ao ponto do cérebro cair (ou seja, entrar-se pela irracionalidade das crenças).
– os cientistas fazem ciência, defendem a ciência, e utilizam a ciência no seu dia-a-dia. Os pseudos utilizam a ciência no seu dia-a-dia, mas estão sempre a atacá-la com ideias anti-ciência. É uma hipocrisia que nem se dão conta.
– nenhum cientista defende que nas Igrejas se ensine ciência e não religião. No entanto, os Criacionistas querem que se ensine religião (e não ciência) nas aulas de ciência. Da mesma forma, alguns pseudos que vêm cá ao blog, querem que um local de ciência (como este blog) defenda a pseudo-ciência. É uma forma de pensar desses pseudos, que não admitem a diferença, que não admitem que existem outros a pensar de diferente forma, que não admitem que possa existir uma forma de pensar racional baseada nas experiências, e daí que tentam a todo o custo retirar essa liberdade de pensamento nesse local (como se eu entrasse em Igrejas a protestar por lá se ensinar religião).

Por fim, vou dar alguns exemplos sobre como avaliar as diferentes alternativas, de forma racional:

Vamos supôr que alguém comenta, ou tem a ideia, que a Terra pode estar mesmo no centro do Universo, e até utiliza argumentos racionais para isso. Tanto este blog, como a ciência, irá dizer que essa será uma ideia errada, por tudo o que sabemos (o conhecimento que temos) sobre o Universo. No entanto, tendo em conta que os argumentos são racionais, então é uma ideia possível. Pouco provável, mas possível. E como possível, pode ser discutida de forma racional, científica.
Ou seja, apesar de ser uma ideia contrária ao conhecimento actual, é mesmo assim uma alternativa possível, passível de discussão, e dentro da forma científica/racional de pensar que promove a diversidade de opiniões.
É esta forma de pensar que permite a diversidade de opiniões (com ideias “estranhas”) que nos dá a Mecânica Quântica ou a Internet, por exemplo. Alguém pensou de forma racional em fazer evoluir o conhecimento, e depois tratou de colocar isso em prática de forma racional.

Vamos supôr que alguém comenta, ou tem a ideia, que a Terra é plana. Esta não é uma alternativa possível pouco provável. Esta é, sim, uma alternativa irracional, impossível, contra todas as provas existentes.
Claro que se pode inventar uma “explicação por cenário”, em que se constrói uma história à volta dessa ideia… história essa que até pode ter lógica. No entanto, é uma história que vai contra todas as provas que temos, não só em termos experimentais, mas também até em termos fotográficos.
Claro que a pessoa, crente na sua ideia, pode contrapôr que existe uma conspiração mundial para dar provas que a Terra é redonda, mas só ele (ou um amigo, ou um shamã) sabe realmente a verdade. Mas isso já são justificações à posteriori, irracionais, e que dependem de uma pessoa (ou um grupo) contra todas as experiências feitas.
Neste caso, não é um problema de ter uma alternativa, mas sim o facto de não ser uma alternativa credível.
Neste caso, também não é um problema de os cientistas não terem a mente aberta para considerarem essa ideia, mas é sim o facto de que os cientistas já consideraram essa alternativa, já fizeram as experiências necessárias, e todas elas provaram que a Terra é redonda.
Neste caso, não é uma questão da ciência estar contra essa ideia de alguém, mas é sim o facto dessa ideia de alguém ser contrária à realidade e a todos os resultados experimentais.
Claro que a pessoa pode continuar a acreditar nisso. Está no seu direito. Como qualquer pessoa pode acreditar que se consegue atirar do topo de um prédio de 20 andares, e consegue voar, já que acredita que a Gravidade não existe mas é fruto de uma conspiração mundial. Mas crenças pessoais não são ciência. E alternativas que vão contra todas as experiências feitas são irracionais. Daí que esse tipo de crenças não são bem-vindas a sítios de ciência, nem sequer podem requerer discussão (porque não seria uma discussão racional: seriam de um lado todas as provas, e do outro lado seria uma crença em algo sem sentido muitas vezes baseada em puras mentiras de divulgação).
Estas ideias são anti-ciência. São ideias contra todas as experiências científicas. São ideias que dependem de crenças. E daí que não têm lugar em sítios de ciência. Além de ser uma completa hipocrisia defender ideias contra a ciência enquanto simultaneamente se utiliza o fruto dessa mesma ciência.

Esta diferença fundamental entre o que é pouco provável mas possível e entre o que não é possível, é crucial para se entender a ciência.
A pseudo-ciência e os seus defensores não entendem esta diferença.
Daí continuarmos a ver a defesa da astrologia, de ideias Reikki, de águas milagrosas, de o Homem não ter ido à Lua, de em 2012 o mundo acabar, etc.

2 comentários

1 ping

  1. Dei uma enorme gargalhada com esta frase do House:
    “That was my gift to myself”
    LOLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLL
    😀

  2. youtube.com…

    “como se eu entrasse em Igrejas a protestar por lá se ensinar religião”
    Levavas um excerto de porrada… Tinhas sorte de sair a andar…

    Entretanto:”Metade dos Judeus que eu conheço são ateus…”
    http://www.youtube.com/watch?v=pGAqQTXnO_A

  1. […] existe no Universo. Como disse anteriormente, sigo o Principio da Mediocridade. Essa é a única gaveta com que me identifico. De resto, a complexidade e a diversidade são a ordem do dia… e ainda […]

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