Princípio de Laplace

O princípio de Laplace, atribuído ao matemático e físico francês Jean-Pierre Laplace, é acerca da necessidade de julgar uma afirmação ou teoria no contexto de todo o conhecimento. Esta é a versão original:

“O peso da evidencia para uma afirmação extraordinária deve ser proporcional à sua estranheza.”

Um enunciado com significado equivalente, mas mais elegante na minha opinião, foi popularizado por Carl Sagan, e é assim:

“Afirmações extraordinárias requerem evidências extraordinárias” (1)

Mas tal afirmação requer ela própria justificação. O que significa?

Significa que uma afirmação qualquer deve ser avaliada no contexto do conhecimento actual – no resultado da comparação entre as evidencias que a suportam e as evidências que não a suportam ou refutam.

Isto é importante porque nem todas as afirmações têm à partida a mesma plausibilidade e por outro lado porque as evidências não nascem todas iguais.

A justificação para a primeira questão é que uma afirmação tem de ser avaliada no contexto de tudo o que se sabe e não apenas olhando para as evidencias que trás. Se implica mandar o que se sabe para o lixo e isso inclui coisas muito bem estabelecidas ou pressupor que se esteve décadas a estudar um assunto e não se deu por uma coisa obvia, é porque estamos a ser parciais ao defender essa afirmação.

Por exemplo se eu disser que vi um gafanhoto numa erva, isso não é uma afirmação que ponha nada em causa e usa entidades e teorias vem testadas. Os seres humanos vêm, gafanhotos existem e não deverá ser um problema aceitar a minha afirmação de que vi um. No entanto se eu disser que vi um gafanhoto de metro e meio de tamanho, isso já é extraordinário. Pressupõe que durante estes séculos todos escapou aos biólogos tão curioso e espalhafatoso bicho. Torna-se relativamente obvio que é melhor segurar como certo o que sabemos sobre gafanhotos do que acrescentar a minha alegação aos livros de taxonomia do insectos.

Em relação ao segundo ponto, às evidencias, sabemos que não podemos dar o mesmo valor a todas. E agora já não estou a falar da plausibilidade daquilo que suportam, mas sim do seu valor intrínseco. Elas variam em quantidade e qualidade. Naturalmente quanto mais melhor e quanto mais rigoroso e sistemático for o estudo em que assentam melhor.

Numa ponta está a evidencia individual, dada por testemunhas únicas. Na outra ponta está a evidencia que emerge da revisão sistemática de estudos independentes.  Adivinhem agora, qual a forma de evidencia mais extraordinária e a qual é que se chama “evidencia anedótica”.

No caso do gafanhoto, para conseguir que a existência de tal bicho passasse a ser conhecimento cientifico, teria de arranjar maneira de poder ser feita uma confirmação independente. (E até hoje não consegui. Mas não há de faltar muito.)

Tudo isto não quer dizer que se rejeite à partida o que não se sabe. Quer dizer apenas que temos de escolher frequentemente entre afirmações e teorias e que devemos escolher as que estão mais bem fundamentadas e que no estado do conhecimento actual raras coisas há que não tenham já um contexto onde possam ser analisadas.

Quanto mais implausível algo é, mais bem justificado tem der ser. Até que a evidencia que suporta essa afirmação se torne tão boa como aquela que a torna implausível.

Como quando se descobriu que a luz tinha sempre a mesma velocidade. Foi confirmado independentemente por tanta gente e com tanto rigor que apesar de mandar o conhecimento que havia na altura todo abaixo, tinha de ser aceite. Tivemos foi de esperar por Einstein para saber porquê.

(1) Para este enunciado do princípio de Laplace, a sua explicação matemática e para um exemplo interessante:  http://dl.dropbox.com/u/1018886/Bem6.pdf

 

8 comentários

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    • Ana Guerreiro Pereira on 14/04/2011 at 12:38
    • Responder

    Pois eu já tive um periquito que falava e construia frases racionais. 😛 Infelizmente quase ninguém acredita em mim… 😛 (e não é caso único)

    • Ana Guerreiro Pereira on 14/04/2011 at 11:38
    • Responder

    João, eheheh, eu percebo! no fundo estamos a dizer o mesmo; ora, os anos transformaram-me numa céptica incorrigivel…e por vezes tenho receio de não admitir hipótese extraordinárias precisamente devido a esse cepticismo… lol, acho q todos nos debatemos com isto 🙂

  1. Ana (cont)

    Quanto ao Gafanhoto Gigante, facto que obrigaria a inumeros biólogos, exploradores, etc, terem estado sempre a olhar para o lado na altura errada, eu vou te dizer como reagiria se fosse EU a ver o gafanhoto.

    Duvidaria sériamente se estaria a ver um gafanhoto vivo. Aceitaria sem dificuldade que provavelmente se tratava de um boneco.

    Se pudesse provar que era vivo, consideraria a hipotese de ser o unico existente devido a uma mutação acidental (o tamanho dos cães é devido quase a apenas um gene), quero dizer, nunca generalizaria para supor que existia uma população de tais bichos para continuar a não pressupor a hipotese incrivel de ninguem ter documentado um.

    Se pudesse confirmar que havia uma população completa, então nessa altura estaria certamente em posição de responder a inumeras outras questões.

    Nota outra coisa, acerca de Laplace. É uma discussão de probabilidades e plausibilidade. Não é sobre certezas absolutas. Tudo tem um grau de certeza. Uma teoria cientifica tem um grau de certeza tão elevado como o que de melhor o ser humano consegue 🙂

    Pode ainda acontecer haver teorias que se completam – a teoria das cordas é uma “manta de retalhos”, e pode acontecer a duas teorias vigentes nem sequer serem compativeis mas não haver melhor ainda (relatividade vs mecanica quantica) e por isso estarem “ao serviço”. E ainda conviverem com a teoria das cordas!

    O que não vais fazer é deitar por terra tudo o que sabes e que tem imenso suporte factual por causa de um unico achado, é preciso por as coisas na balança e ver para que lado pende.

    Se começar a pender para o lado da afirmação extraordinária… Ela deixa de ser extraordinária. No sentido cientifico, não do senso comum. Toda a ciencia é estraordinária para mim mas não é extraordinario nesse sentido.

    É no sentido de ser algo que é implausivel, fora do vulgar e das expectativas das teorias vigentes, da estranhesa, como dizia Laplace.

    Sim, a teoria dos universos “a vulso” é extraordinária, mas tem também evidencias extraordinarias a suporta-la, ainda que não directamente (excepto a nivel quantico, aí está bem provado, vê Wheeler e Feinman).

  2. Olá Ana.

    Como dizes, a mecânica quantica tem de facto evidencias extraordinárias para a suportar. Mas sempre teve, apesar de ter cada vez mais. Não há aí nenhum problema.

    Parece-me que temes que o pricipio de Laplace possa pecar por excesso de zelo no afastamento de hipoteses. Mas não. Apenas diz que a hipotese mais bem fundamentada é a melhor e que por em causa conhecimento estabelecido por causa de conhecimento bastante menos bem estabelecido (ou anedotico) que é um erro potencial.

    Ja que sabemos que falsos positivos abundam até na investigação científica.

    Isto não impede uma abordagem racional da anomalia, pelo contrário. Não diz para fingir que não a vemos. Diz para ter a certeza de que ela é um facto antes de mais nada e depois se é mesmo impossivel de a conciliar com o que já se sabe. Então sim, se a anomalia passa este filtro, então começa a estar em posição de derrubar um paradigma. Mas só o fará realmente quando aparecer uma melhor explicação. Porque defender a pior explicação, por exemplo uma ad-hoc que explica apenas a anomlia é não só ilógico como empiricamente comprovado que dá disparate (ou deuses e fadas e coisas do género).

    Espero que tenha ajudado.

    Ignorar anomalias não é o papel do cientistas ou do cetico metódico. Questiona-las e pôlas no lugar sim.

    • Ana Guerreiro Pereira on 09/04/2011 at 00:55
    • Responder

    Qué c’andas a fumar, Carlos?… 😀

    (claro que se me disserem “área 51” e “só eu e os meus amigos é que sabemos” na mesma frase em que dizem “vi um gafanhoto gigante”… :D)

    bem, eu vi uma bola de fogo a passar-me à frente 😀

  3. Eu vi um gafanhoto gigante extraterrestre 😛

    Está retido na Área 51. Só eu e os meus amigos é que sabemos.
    😛

    • Ana Guerreiro Pereira on 09/04/2011 at 00:49
    • Responder

    Por vezes tb depende de quem faz afirmações extraordinárias… 😀 Se algum dos colaboradores do Astropt me dissesse que tinha visto um gafanhoto gigante… 😀 bem, com a quantidade de bicharocos loucos que se descobriram só no ultimo censo marinho… 😀 Não era nada que fugisse a um contexto actual, se bem que fosse um organismo desconhecido dos biólogos. Se há uns anos me dissessem que existia um peixe com cabeça transparente, eu torcia o nariz… e o certo é que ele existe 😀 Se alguns anos me dissessem que existe um macaco sem nariz, eu ria-me 😀 E o certo é que foi descoberto recentemente 😀
    Dado esse contexto de organismos fantásticos que se tem vindo a estabelecer, e que todos os anos são descobertos… se alguém do astropt dissesse que tinha visto um gafanhoto gigante, eu confiava nele… 😀

    No entanto, se em vez de gafanhoto disserem que viram um ET, perguntava o que tinha andado a fumar.. 😛

    Às vezes, afirmações extrordinárias requerem a reconstrução extraórdinaria dos contextos. 😀 E às vezes, pergunto-me se não me terei tornado céptica demais… 🙁

    • Ana Guerreiro Pereira on 09/04/2011 at 00:34
    • Responder

    É verdade que actualmente tudo tem um contexto onde ser analisado. Mas tb é verdade que de tempos as tempos determinadas evidencias extraordinarias levam a afirmações extraordinarias que fogem aos contextos conhecidos. No inicio do sec XX achava-se que a Ciência, nomeadamente, a Fisica, já tinha dado tudo o que podia. E basta ver os saltos gigantescos que têm sido dados 😀 e os contextos que têm sido reconstruídos 😀 Outro exemplo prende-se com as próprias considerações extraordinarias da actual Física de Particulas e quântica, que na altura em que começou a dar o seu ar de graça foi olhada como não podendo ser propriamente suportada pelos contextos da época. Mesmo Einstein lhe torceu o nariz. E hei-la hoje :D. Uma afirmação extraordinaria com evidencias extraordinarias 😀

    Uma mesma estranheza está a ser provocada pela teoria dos multiversos. E, no entanto, alega-se que há evidencias para a suportar.

    A ciência tem isto de belo ehehe: há sempre um dia em que os nossos contextos são reformulados.

    (isto sou eu a tentar escapar ao meu próprio cepticismo… :P)

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