Jápeto: novas imagens e uma nova revisão do modelo que explica a formação das suas duas faces

O hemisfério sul de Jápeto em cores naturais, num retrato construído com três imagens captadas a 07 de Junho de 2011 pelo sistema de imagem ISS da sonda Cassini, através de filtros de luz visível para as cores azul (451 nm), verde (568 nm) e vermelho (650 nm).
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute/composição a cores de Sérgio Paulino.

Como já tinha referido anteriormente, na semana passada a sonda Cassini aproveitou um encontro distante com a lua Jápeto para realizar três longas sessões de observação do seu hemisfério sul. Esta foi também uma oportunidade para recolher as melhores imagens alguma vez obtidas de grande parte da região a oeste da bacia de impacto Engelier. Aqui fica uma animação com imagens deste encontro.

O encontro da Cassini com Jápeto numa animação construída com 29 imagens obtidas entre 07 e 10 de Junho de 2011.

Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute/animação de Sérgio Paulino.

Entretanto, na passada quinta-feira foi publicado um novo artigo que introduz alguns elementos interessantes no modelo que explica a formação da discrepância de cores entre os dois hemisférios de Jápeto. Proposto pela primeira vez por Steven Soter em 1974, o modelo atribui uma origem exógena ao material negro que tinge Cassini Regio, uma vasta região localizada no hemisfério voltado directamente para o sentido de movimento da lua ao longo da sua órbita. De acordo com Soter, partículas de poeira em órbitas retrógadas, geradas pelo bombardeamento de micrometeoritos na superfície de Febe, colidiriam preferencialmente com esse hemisfério, tornando-o ao longo do tempo significativamente mais escuro.

Dois retratos globais de Jápeto que ilustram a dicotomia de brilho presente na sua superfície. À esquerda encontram-se o hemisfério directamente voltado para o sentido de movimento da lua ao longo da sua órbita. À direita é visível o hemisfério oposto. Cassini Regio é a região mais escura de Jápeto e ocupa cerca de 40% do total da sua superfície.
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute.

A descoberta em 2009 de um novo anel em redor de Saturno junto da órbita retrógada de Febe, parecia somar mais alguma consistência ao modelo de Soter. No entanto, no ano passado, um grupo de astrónomos verificou que a coloração observada em Jápeto apresentava propriedades dificilmente explicáveis pela acumulação de partículas de poeira provenientes de Febe. Em primeiro lugar, caso fosse essa a origem da misteriosa coloração, seria de esperar uma transição mais gradual entre as duas regiões – algo que não se verifica nas imagens de alta resolução captadas pela sonda Cassini. Em segundo lugar, as regiões junto aos pólos são praticamente tão brilhantes quanto o hemisfério oposto a Cassini Regio – um aspecto inexplicável à luz do modelo de Soter. Em terceiro lugar, as características espectrais do material escuro de Jápeto diferem consideravelmente das observadas na superfície de Febe. Por último, os limites de Cassino Regio localizam-se a leste e a oeste cerca de 10º além do previsto.

Estas incongruências estimularam a discussão na comunidade científica, pelo que rapidamente surgiram novos elementos para reforçar o modelo de Soter. A transição abrupta entre as duas região de Jápeto foi a primeira a ser explicada. De acordo com a equipa de imagem da Cassini, a absorção de luz pelo material negro de Cassini Regio poderia ser convertida em calor, que por sua vez sublimaria o gelo brilhante em seu redor, expandindo assim os limites desta região. Esta hipótese prevê também a migração de materiais voláteis para o hemisfério oposto, o que acentuaria a diferença de brilho entre os dois hemisférios.

Modelo da migração de gelo em Jápeto induzida pelo aquecimento do material negro que cobre Cassini Regio, e comparação com a sua distribuição actual.
Crédito: Southwest Research Institute/NASA/JPL/Steve Albers, NOAA.

O novo estudo publicado na semana passada analisa uma boa parte das restantes incongruências. De acordo com Tamayo e colegas, a pequena lua irregular Ymir parece ser um contribuinte de partículas de poeira negra tão importante quanto Febe. Outras pequenas luas irregulares aparentam ser também no seu conjunto fontes importantes do material negro observado em Cassini Regio. Esta variedade explica as características espectrais únicas desta região. Curiosamente, estas características são partilhadas pelo material negro observado no fundo das crateras de Hiperião, o que sugere a migração destas partículas para outras luas interiores, incluindo Titã.

Este estudo propôe ainda uma solução para o problema da distribuição do material escuro na superfície de Jápeto. De acordo com os autores do artigo, as partículas de poeira colidem com a superfície da lua em ângulos diferentes do proposto pelo modelo inicial de Soter, como resultado de excentricidades orbitais produzidas pela pressão da radiação solar.

Podem ler mais sobre este trabalho aqui.

1 comentário

3 pings

  1. Olá Sérgio,

    parabéns pelo excelente “post”.
    Muito interessante a forma como todos estes corpos interagem.

    Ab.

    Luís

  1. […] Jápeto tem aproximadamente 1470 km de diâmetro e é particularmente conhecido pela dicotomia de cores exibida pela superfície. […]

  2. […] As observações centraram-se no lado subsaturniano do hemisfério norte, em particular na fronteira que separa Roncevaux Terra dos terrenos escuros de Cassini Regio, junto às gigantescas bacias de Abisme e Turgis (podem ler mais sobre a dicotomia de cores na superfície de Jápeto aqui). […]

  3. […] orientais de Cassini Regio, uma vasta área coberta por um enigmático material escuro (leiam mais aqui sobre a origem desta misteriosa coloração). Nesta região distinguem-se os contornos de Turgis, […]

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