Quasares para o Guinness Book of Records ?


(Reconstituição artística de um quasar na “era da re-ionização”, num Universo ainda maioritariamente escuro. Crédito: Nature)

As notícias relativamente frequentes que descrevem a descoberta de quasares cada vez mais longínquos (vejam este exemplo) podem fazer passar a ideia de que, por algum motivo insólito, os astrónomos têm algum interesse em ter o seu nome inscrito no Guinness Book of Records. A realidade é bem diferente. Determinar as distâncias exactas, a frequência e as características destes quasares muito distantes é fundamental para percebermos como e quando aconteceu a chamada “era da re-ionização”. Trata-se do momento na evolução do Universo em que apareceu a primeira geração de estrelas e em que se formaram as primeiras galáxias e quasares. Aliás, quasares não são mais do que núcleos de galáxias com buracos negros super-maciços activos e muito energéticos. A radiação intensa destes objectos emergentes ionizou o hidrogénio existente no meio interestelar, iluminando um Universo que durante centenas de milhões de anos tinha permanecido escuro.


(As primeiras estrelas, galáxias e quasares formaram-se durante a “era da re-ionização”. Crédito: NASA/WMAP Science Team.)

Mas como sabemos se observamos um quasar na era da re-ionização ? O espectro dos quasares é dominado por linhas espectrais de emissão provenientes de gás ionizado a altas temperaturas no núcleo da galáxia. Nos quasares mais distantes, uma característica espectral designada de “floresta Lyman-alfa” torna-se proeminente. Trata-se de um conjunto vasto de linhas espectrais de absorção correspondentes à energia do estado fundamental do átomo de hidrogénio. Esta linha, designada de “Lyman-alfa”, ocorre no ultravioleta, com um comprimento de onda de 121.6 nanometros.


(A formação de uma “floresta Lyman-alfa” através da absorção de fotões ultravioletas por nuvens de hidrogénio situadas na linha de visão com a Terra. Crédito: Edward L. Wright.)

No espectro de um quasar com desvio para o vermelho “z”, a linha “Lyman-alfa” de emissão é desviada para o vermelho por um factor de “1+z”. Além disso, na sua viagem até à Terra, a luz ultravioleta do quasar pode encontrar nuvens de hidrogénio que absorvem luz no mesmo comprimento de onda de 121.6 nanometros. Por se encontrarem mais próximas de nós, estas linhas de absorção apresentam um menor desvio para o vermelho do que a linha “Lyman-alfa” correspondente ao quasar. Em geral, quanto mais distante o quasar, maior a quantidade de nuvens de hidrogénio ao longo da linha de visão com a Terra e portanto maior o número de linhas de absorção por elas provocadas no espectro do quasar formando uma “floresta (de linhas) Lyman-alfa”.


(Comparação do espectro na região “Lyman-alfa” para o quasar relativamente próximo 3C273 e o quasar longínquo Q1422+2309. Notem a enorme quantidade de linhas de absorção à esquerda (menor comprimento de onda) da linha “Lyman-alfa” de emissão. Crédito: William C. Keel.)

Em 1965, James Gunn e Bruce Peterson previram que se observassemos quasares na “era da re-ionização”, a quantidade de hidrogénio neutro existente nas suas imediações seria suficiente para provocar uma absorção profunda nos comprimentos de onda adjacentes à linha “Lyman alfa” (e outras do hidrogénio). O resultado é um espectro quase desprovido de emissão, quase liso, nessa região. Por outras palavras, a “floresta Lyman-alfa” daria lugar, progressivamente, para os quasares mais distantes e à medida de penetramos na era da re-ionização, à ausência quase completa de emissão. A detecção do efeito de Gunn-Peterson, como é conhecido, no espectro de um quasar, indica que o observamos na “era da re-ionização”.


(O efeito de Gunn-Peterson é visível nesta imagem que mostra os espectros de vários quasares distantes. À medida que o valor de “z” aumenta, a região adjacente (à esquerda) da linha “Lyman-alfa”, apresenta cada vez menos fluxo devido à absorção dos fotões ultravioletas por uma quantidade crescente de hidrogénio neutro no espaço. Crédito: Fan et al. 2004.)

Devido à sua luminosidade muito elevada, que os torna visíveis a enormes distâncias, estes quasares são as únicas sondas que temos para estudar as condições do Universo na “era da re-ionização”. A sua observação permitirá determinar, por exemplo, a escala de tempo necessária à formação das primeiras estrelas e galáxias e o impacto da primeira geração de estrelas no enriquecimento em metais do Universo. Não se trata portanto de uma corrida fútil ao Guinness.

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