A Sequência Espectral

Num artigo recente expliquei porque é que as estrelas têm espectros contínuos com linhas escuras de absorção. Estas linhas correspondem a comprimentos de onda absorvidos por átomos no gás da fotosfera e camadas mais exteriores da estrela. Os comprimentos de onda são específicos dos átomos em causa pelo que uma análise do espectro de uma estrela permite determinar a composição do seu gás. A imagem seguinte mostra a abundância relativa dos vários elementos para o Sol. Notem que a escala vertical é logarítmica o que quer dizer que uma diferença de x unidades corresponde a uma diferença em abundância de 10x vezes.


(Crédito: Wikipedia)

Várias linhas de evidência mostram que o hidrogénio é de longe o elemento mais abundante no Universo (74%), seguido do hélio (24%), pelo que os restantes elementos (designados por “metais” pelos astrónomos) aparecem em quantidades quase vestigiais (2%). Há estrelas mais ricas em “metais” do que outras. Diz-se que têm uma metalicidade elevada e isso tem consequências importantes, por exemplo, são mais eficientes a produzir planetas e conseguem manter o equilíbrio hidrostático com mais facilidade do que as outras estrelas. No entanto, estas variações na quantidade de “metais” continuam a ser contribuições mínimas para a abundância total, e não beliscam minimamente o domínio do hidrogénio e do hélio. Isso introduz um problema com a interpretação dos espectros de absorção. Vejam a imagem que se segue.


(Crédito: www.astro.virginia.edu/class/oconnell/astr130)

A pergunta que se impõe é a seguinte: porque é que os espectros são tão diferentes ? De facto, se o hidrogénio e o hélio são os elementos mais abundantes nas estrelas, seria de esperar que os espectros das mesmas fossem dominados pelas linhas de absorção produzidas pelos átomos destes elementos e os espectros no mínimo muito parecidos. Vejam as linhas do hidrogénio nesta imagem, designadas de Hα, Hβ, Hδ, etc.. Estas linhas são muito fracas num espectro semelhante ao solar (G) e muito fortes em estrelas dos tipos espectrais A e B. Será que isto quer dizer que estas estrelas têm maior abundância de hidrogénio do que o Sol ? Outro exemplo. Vejam as linhas do sódio no amarelo (Na I, não parece na imagem mas são duas linhas muito juntas). Observando estes espectros poderíamos ser levados a concluir que as estrelas de tipo espectral K e M têm uma abundância muito superior de sódio do que as restantes.

A resposta para este aparente paradoxo reside no facto de a intensidade das linhas espectrais produzidas por cada átomo depender de forma muito sensível da temperatura da fotosfera da estrela, ou mais especificamente da quantidade de fotões de cada comprimento de onda que a fotosfera emite. A temperatura deve ser tal que a radiação emitida pela fotosfera maximize o número de átomos no estado base de energia associado à transição electrónica responsável pela linha espectral em questão, mas não tão alta que ionize o átomo retirando-lhe o electrão. Para um dado átomo ou ião existe uma temperatura fotosférica que torna a probabilidade de uma dada transição electrónica máxima (as transições têm também probabilidades de ocorrência intrínsecas ao átomo pelo que, ainda que a radiação proporcionada pela fotosfera da estrela tenha uma distribuição óptima, as transições podem ainda assim ocorrer com pouca frequência e dar origem a linhas pouco intensas). Esta dependência é visível na imagem seguinte.


(Crédito: www.ualberta.ca/~pogosyan/teaching/ASTRO_122/lect12)

Vejam como a intensidade das linhas espectrais do hidrogénio é máxima quando as estrelas têm fotosferas com temperaturas equivalentes às estrelas de tipo A. O mesmo se passa para as linhas do cálcio ionizado (Ca II) na estrelas de tipo K e para as linhas do hélio ionizado (He II) e do silício triplamente ionizado (Si IV) nas estrelas de tipo O. As temperaturas das fotosferas estelares são muito variadas, desde mais de 30000 Kelvin nas estrelas de tipo O, passando pelos 10000 Kelvin nas estrelas de tipo A e pelos 5800 Kelvin nas estrelas de tipo solar, até aos 3500 Kelvin nas estrelas de tipo M. Esta variedade de temperaturas explica a diversidade dos espectros estelares observados.

A observação do espectro de uma estrela, em particular da intensidade relativa das linhas espectrais, permite deduzir a temperatura da sua fotosfera, um parâmetro físico importante pois dela depende, por exemplo, a luminosidade. A classificação das estrelas numa sequência de tipos espectrais (O, B, A, F, G, K e M) assenta precisamente neste princípio, mais do que em diferenças na abundância relativa dos elementos.

2 comentários

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  1. Ficou completo 🙂
    Vou ter que colocar na próxima edição da revista 😉

    • Manel Rosa Martins on 20/08/2011 at 02:57
    • Responder

    O artigo recente já me tina induzido pelo seu interesse, a ir ver algumas coisas, poucas, das daqui descritas. O diagrama logarítmico dos diferentes elementos do Sol vem referido na Wiki como do “sistema solar.” Ora quando o Luís diz “do Sol” está cientificamente correcto dado que o Sol contém 99.86% da massa conhecida do Sistema Solar. Os leitores podem assim verificar que a afirmação está bem sustentada, caso vão consultar este diagrama e o vejam como o do Sistema Solar.
    Porque será este dado anti-intuitivo?
    Porque a olho nu a Terra e a Lua juntas (ou só a terra) parecem ser maiores do que o Sol. Com o conhecimento escolar básico e secundário já esta afirmação fica até um pouco ridícula. Mas sabermos que o Sol é tão preponderante, já que tem 99,86% da massa, logo também da gravidade já não é intuitivo, é do conhecimento científico.
    Também é referido o fluxo de fotões e a sua correlação com a fotosfera, seguindo-e a questão da temperatura ideal.
    É muito interessante verificar como o conhecimento científico revela em graus de dificuldade mais complexos as causas das anomalias, dos dados não esperados observar, e como também ajuda a própria Ciência a não se deixar ludibriar por conclusões apenas intuitivas ou à priori.

  1. […] Gigantes. Anãs Vermelhas. Anãs Brancas. Pulsares. Quasares. Buracos Negros a comer. Espectros e Sequência. […]

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