Mecânica de Deus

Este livro foi escrito por Guy Consolmagno, que é um frade jesuíta e astrónomo no Vaticano. Basicamente é um livro em que ele tenta explicar como consegue conciliar as suas crenças religiosas com o facto de ser um astrofísico.
O livro já foi referido pelo José Matos, neste post.
Eu também já tinha falado de outro livro dele, aqui.

Só agora tive oportunidade de ler este livro, por isso cá fica a minha crítica ao livro.

No geral, gostei do livro.

Ele diz muitas coisas que dão que pensar e que acabamos por concordar.
Por exemplo, na página 22, ele diz que toda a gente tem crenças, incluindo os cientistas, e também diz que os humanos são, na sua essência, seres não-racionais (que se movem no seu íntimo pela não-racionalidade).
Gostei de no início ele dizer que não quer convencer ninguém, mas simplesmente dizer que podem existir argumentos legítimos para se crer em Deus (p. 15). Penso que tem razão, de que realmente podem existir argumentos legítimos. Mas também concordo com ele de que esse pode ser um argumento circular que nada prova (p. 19).
Gostei de ele ter colocado várias anedotas ao longo do livro, anedotas que lidam com temas da fé, como por exemplo na página 147.
Ele argumenta que o mundo, a humanidade, e a vida não se defendem com rezas ou com crenças em mentiras, mas sim com conhecimento e com acção de acordo com esse conhecimento. Isto é algo com que concordo a 100%. É preciso agir e não ficar à espera que alguém venha constantemente em nosso auxílio. As pessoas que ficam à espera pensam que são deus; egoisticamente pensam que são o centro do Universo de um Pai Natal – é uma fonte de conforto e uma forma de elevarmos o nosso ego (p. 91). É uma falsa fé baseada em superstições (p. 92 e 94). Essa faceta acriançada de grande parte dos crentes (de estarem sempre à espera que o “Pai” lhes satisfaça os pedidos) é uma das razões para as pessoas não terem uma vida melhor.
Ele diz que os melhores paroquianos são aqueles em que o “caminho para a Igreja” não foi o tradicional, mas que pensam profundamente nas coisas, incluindo no porquê de acreditarem naquilo em que acreditam (p. 67). Pela experiência que tenho (14 anos nos Salesianos, por exemplo), parece-me que ele está absolutamente certo.
Ele está contra as “novas religiões”, como ideias New Age e demais ideias pseudo, que usam o rótulo de “novidade” para ludibriar as pessoas. Apesar de ele também reconhecer os vários defeitos das religiões institucionalizadas.
Na página 84, ele põe as crenças em OVNIs ao nível das crenças New Age e das crenças Criacionistas, dizendo que as pessoas que seguem essas coisas andam mal-informadas e deveriam utilizar a racionalidade.
Na mesma página ele diz que quem se deixa mais cair nessas aldrabices são engenheiros e demais especialistas numa determinada área, que não sabem pensar racionalmente para outras áreas. Isto é algo que eu tenho referido várias vezes aqui no astroPT: a falta de Literacia Funcional vê-se também em muitos cientistas, que não têm uma racionalidade transversal.
Ele é contra os comentários intolerantes e baseados na ignorância dos fenómenos, que recebemos por exemplo neste post.
Ele também é contra os fundamentalistas Cristãos, conhecidos por Criacionistas, que fazem da ignorância a sua bandeira. Esses põem a ignorância acima do conhecimento, e por isso o Guy Consolmagno é contra eles. Por exemplo, há uns radicais fundamentalistas que têm dito que a verdade está na Bíblia, e por isso a Terra está no centro do Universo (leiam aqui, aqui, e aqui). Guy Consolmagno pensa que estas pessoas são perigosos extremistas que sofrem de acefalia mental. Como disse o Douglas Adams: “Eu não aceito a teoria da moda de que cada ponto de vista merece tanto respeito como o oposto. A minha perspectiva é que a Lua é feita de rocha. Se alguém me disser “bem, tu nunca lá estiveste, pois não? Se não viste por ti, a minha perspectiva de que é feita de queijo norueguês é igualmente válida” – eu nem me vou dar ao trabalho de discutir.”

No entanto, não concordo com ele em várias coisas.
Por exemplo, em impôr crenças noutros seres.
A partir da página 161 até ao final (p. 250), ele só fala do que é o Cristianismo. Ao contrário do que ele diz no início do livro, tive a sensação que ele passou os últimos 40% do livro a tentar converter os leitores à sua religião… e isso não gostei. Preferia que ele tivesse continuado com as questões mais profundas e gerais do resto do livro.
Não tenho a ideia dele de “god of the gaps“, que é o que me parece que ele defende a partir da página 28, em que ele defende que Deus é necessário para as questões profundas que a ciência não consegue responder (sentido da vida, gostos pessoais, porque existe algo em vez de nada); isto é uma falácia teológica com base no argumento da ignorância, além de utilizar outras falácias como nem notar algumas contradições: por exemplo, ele diz que tem que existir uma razão para existir algo em vez do nada, mas chama a essa razão Deus, mas Deus já será algo, e ele acha que esse “algo” sempre existiu a partir do nada.
Na página 232, ele contrapõe o Cristianismo aos OVNIs e aos Mórmons, dizendo que ele não segue essas outras crenças porque precisa de evidências; concordo com ele que OVNIs é uma crença, mas não concordo que a crença dele tenha mais evidências que as outras crenças.
Não concordo quando ele diz na página 79, que “no mundo de John Lennon, na canção Imagine, não existe Inferno, mas também não existe o Paraíso; é um mundo sem guerra, de facto, mas também sem algo por que valha a pena lutar”. Ora, para mim, isto é um disparate. Algumas das frases da canção Imagine são: “Living life in peace”, “A brotherhood of man, Imagine all the people, Sharing all the world”, “the world will live as one” – isto não é algo que valha a pena lutar?
Parece-me sobretudo que ele demonstra que anda confuso ao tentar conciliar o seu lado científico, que precisa de evidências testáveis, com o seu lado religioso em que lhe basta crer em algo. O livro é uma tentativa dele em reconciliar algo que não consegue, e daí a existência de vários argumentos falaciosos, que ele utiliza para se sentir melhor consigo próprio mas que na verdade não permitem reconciliar nada.

Não tenho as mesmas crenças que o Guy Consolmagno. Eu prefiro olhar para a realidade astronómica, que não se faz de acreditar mas sim de conhecimento. Já expliquei a minha visão, neste post (que curiosamente tem várias coisas com que o Guy Consolmagno concordaria).
Apesar de não ter as mesmas crenças dele, apesar de achar que ele anda confuso, e apesar de achar que ele anda com tentativas infrutíferas de conciliar duas visões do mundo, recomendo este interessante livro, porque realmente tem lá várias ideias excelentes e que nos fazem pensar.

6 comentários

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  1. Eu comprei o livro.

    • Maria Eduarda on 07/10/2011 at 23:18
    • Responder

    Meu irmão,tu és o cara!!! Tem como baixar esse livro A Mecânica de Deus ? Tu tens em pdf ? Tem como mandar? Obg!!!

  2. Vocês sabem se o Professor “Martelo” já comentou este livro!
    Se a editora pertencer ao grupo Leya, então é mais que provável!

    • Pedro Gameiro on 31/08/2011 at 23:52
    • Responder

    Já agora, quem comprar online na Europa-América, está com um desconto de 50%, sem portes de envio… 😉

    • Pedro Gameiro on 31/08/2011 at 23:40
    • Responder

    Já andava à procura de um livro assim.. 😉
    Religião VS Ciẽncia…
    Vou comprar… 😉

  3. http://revista.triplov.com/numero_03/Ferreira-da-Silva/index.html

    Boa crítica.

    O criacionismo vai fazer com que os USA implodam.

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