Fórmula 1 – G.P. de Monza, da pista para a Pesquisa e Desenvolvimento – Sistema KERS.

O laboratório visto dentro do carro de Fernando Alonso, bicampeão do mundo, piloto oficial da Scuderia Ferrari.

Tentem verificar os pontos de travagem, onde grande parte da energia aplicada aos travões (aceleração negativa) é dissipada pelo calor. A primeira travagem é de 7ª velocidade para 2ª, e o piloto passa de> 340km/h (atinge o máxima daquela escala) para 110km/h em menos de 2 segundos. E no segundo 44 tem um momento de maestria e de virtuosismo tão subtil como arrepiante.

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O Plano da Pista, de novo tentem localizar os 6 pontos de travagem, é fácil, estão antes das curvas.

O Volante – central de comandos.

Legenda: Volante desenvolvido pelo Team Mercedes F1 para Michael Schumacker, pioneiro na informatização do volante. Nico Rosberg, seu companheiro de equipa, tem-se revelado mais rápido. É o puro-sangue, Michael é o preferido dos engenheiros para o desenvolvimento.

Sendo o dispositivo apontador, para além de centenas de funções, o volante serve também para: engrenar as mudanças (2 comandos, um para multiplicar outro para reduzir a caixa de velocidades, vulgo mudanças), ligar/desligar o KERS, ligar/desligar o DRS (drag reduction system, que baixa/levanta a asa estabilizadora traseira), equilibrar a travagem (em percentagem trem traseiro/frente), equilibrar a barra anti-rolamento (a roda de fora tem de percorrer uma distância maior do que a roda de dentro – chamada de corda – da curva, e essa relação é afinada ao gosto do piloto, entre o trem traseiro e o dianteiro, por via dum eixo, ou barra anti-rolamento) e para visualizar e aplicar literalmente centenas de factores. Também serve para virar as rodas.

 O KERS – Kinetic Energy Recovery System

Funcionamento em Pista. Contexto de PME e de Grande empresa industrial.

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Explica o piloto Sebastian Vettel, campeão do mundo em título e líder destacado do campeonato de 2011: “ cada vez que se carrega nos travões, a energia cinética é capturada e dirigida para um motor eléctrico onde é convertida em energia eléctrica e armazenada em baterias. Com o comando dum botão no volante, podemos enviar cerca de 80HP (cavalos-vapor) adicionais para a transmissão traseira. Esta potência adicional pode ser usada em pequenas doses ou numa dose única, que dura cerca de 6 segundos. O KERS permite um ganho de 0.3 segundos por volta.” Prossegue com o uso do KERS e do DRS na corrida, mas desconfiamos que não conta todos os pormenores das suas tácticas de competitivas (como por exemplo gerir de forma magistral o gasto dos pneus, adoptando um estilo ora ultra-agressivo ora extremamente suave, consoante as circunstâncias). Mas, para todos os efeitos da técnica e do processo do KERS, o essencial está dito. Sebastian Vettel é um verdadeiro campeão, um grande piloto, convém lembrar que o seu comportamento desportivo é rigorosamente impecável. Conduz para a pequena equipa Red Bull-Renault, com sede em Milton Keynes, Reino Unido, perto do local onde foi inventado o Software, Bletchely Park, paredes-meias com a The Open University. Apesar de pequena, esta equipa é considerada uma das fábricas mais sofisticadas do mundo em aerodinâmica.

As vendas de software de aerodinâmica e de gestão electrónica de motores e doutros sistemas, todo este subsector económico de altas tecnologias, é um dos maiores exportadores do Reino Unido, ultrapassando largamente a importação total de veículos deste país.

A grande marca Mercedes, uma marca do grupo industrial Daimler-Benz, aplica os conhecimentos obtidos nas pistas de F1 no sua organização industrial recorrendo a dois centros de pesquisa que são sua propriedade. Um está localizado junto à equipa de Formula 1, com base no Reino Unido, onde são coligidos e processados os dados KERS recolhidos em cada fim-de-semana de corridas ou sessões de treinos específicas (Mercedes-Benz HighPerformanceEngines em Brixworth, RU).

Um segundo centro (Mercedes-Benz R&D em Sindelfingen-Alemanha), processa os dados KERS em objectos de aplicações práticas nas linhas de montagem industriais. O centro conta ainda com um equipa de investigadores, curiosamente interligados com criativos de design e com artistas de pintura, música e de arte vanguardista, que têm liberdade total para fazer pesquisa pura. BMW e Nissan-Renault têm centros semelhantes em Munique e em Londres. Reparem que aplicam o software de programação por objecto e que estabelecem a empresa orientada para o objecto, numa postura de auxiliar os seus clientes (as centenas de centros da casa-mãe e os clientes exteriores) a, eles sim, atingirem os seus objectivos. Centros de “objectos para objectivos”, segundo os responsáveis de pista da equipa de Fórmula 1.

Caso-estudo porventura a seguir com mais atenção pelos que se interessam por gestão da inovação, gestão da organização, e por gestão da pesquisa aplicada.

Esta organização tridimensional (pista, centros de pesquisa, indústria) da Mercedes transfere a tecnologia para a produção em série de veículos híbridos.

 O KERS – descrição do sistema.

 O KERS é constituído pelo MGU, pelo PE e pelo ESS.

MGU – Motor Generator Unit

Ao capturar a energia cinética dos travões, o MGU funciona como um gerador trifásico e fornece energia eléctrica ao…

PE – Power Electronics que converte a electricidade em corrente contínua, e armazena a energia nos…

 ESS – Energy Storage System, conjuntos de baterias.

O processo é invertido quando o piloto aciona o KERS, e então o gerador transforma-se num motor suplementar do motor V10 de combustão. Os processos de captura e de fornecimento de energia do KERS são cerca de de 80% eficientes. Significa que se aproveita 80% do calor dos travões e que 64% desse calor que se iria perder por dissipação é convertido em energia mecânica (potência motora) A energia mecânica que é depositada no piso da pista é outra questão. Um Formula 1 aproveita cerca de 20% da energia inicial e um carro familiar aproveita cerca de 5%. No total se o KERS adiciona 80HP a um motor com 1000HP temos que adiciona 8% de energia inicial.

O KERS é constituído por cerca de 3500 peças diferentes, o MGU é cerca de 10 vezes mais pequeno do que as unidades para os automóveis de grande produção e as baterias ESS são cerca de 8 vezes mais pequenas do que as disponíveis no mercado.

O circuito de Monza fornece especificamente 6 pontos medianamente razoáveis de colheita de energia e compensa com 4 pontos de aceleração para a velocidade máxima.

O KERS demora cerca de 20 milionésimos de segundo para aplicar a potência suplementar nas rodas traseiras.

O KERS no futuro.

O KERS tem-se revelado um sistema que demonstrou resultados a curto e agora já também a médio prazo. A sua concepção é pela inovação, pela melhoria da eficácia de sistemas já existentes. Mas a sua grande contribuição tem sido um desenvolvimento absolutamente assombroso na área das baterias. Seja nas mais sofisticadas de Lítio ou nas mais baratas de Cromo-Níquel, a pesquisa produziu (Dr. Paul V. Brown et al, Nature Nanotechnology) baterias que demoram menos de 2 minutos a carregarem até 90% da sua capacidade. Estas novas baterias sobretudo inovam nas áreas que estão em contacto para exercerem trabalho, que são muito maiores. 

É perfeitamente possível fabricar um automóvel totalmente eléctrico, com cerca de 250HP de potência, com autonomia de cerca de 800km, com 2 minutos de tempo de reabastecimento e apenas cerca de 20% mais caro, aos custos de hoje, do que um carro normal a combustíveis poluentes.

Simplesmente toda a cablagem eléctrica tem que mudar de paradigma, fazer face a amperagens muito mais elevadas, ser segura (o que é relativamente fácil com corta-circuitos) e a rede de abastecimentos tem que estar disponível e de estar gerida com software inteligente.

Não há qualquer pretensão aqui em adivinharmos o futuro, ou de fazer uma proposta de ficção científica. Há a simples pretensão de construirmos o futuro.

Acima, foi mencionado o equilíbrio da balança comercial do Reino Unido no sector automóvel, providenciado pelas altas tecnologias. Pois aqui em baixo fica mencionado o maior desequilíbrio histórico e presente de Portugal na sua balança comercial: o dos combustíveis (não confundir com energia, paradoxalmente Portugal exporta mais energia do que importa).

Ora se Portugal equilibrar a sua balança comercial, e esta fica equilibrada caso os combustíveis fiquem equilibrados, Portugal obtém o equilíbrio da sua Balança de Transacções (BT = balança de capitais+balança comercial).

Ora um país com a sua BT equilibrada não necessita de recorrer a empréstimos para financiar a sua Economia, cria condições para bastar-se a si próprio e ainda financiar os outros.

O KERS e o seu “spin-off” (aplicação resultante e normalmente uma empresa nova dedicada), as baterias eficientes, não são uma varinha mágica que tudo resolve.

São um contributo que se pode tornar crucial num “mix” de captura, reconversão, transporte, armazenamento e injecção na rede de energia, tanto para consumo directo como para abastecimento da frota nacional de veículos de  todo o tipo (cerca de 10 milhões).

Para mais, para o futuro, verifique-se que o KERS é um sistema que nasceu num ambiente muito específico, ultra competitivo e de constante inovação: a Fórmula 1. O futuro passa por sermos ultra competitivos em questões onde hoje somos ultra dependentes. Temos que inovar, ou seja, melhorar os sistemas já existentes, transformar muitos paradigmas. Temos que trabalhar muito no duro e teremos que arriscar, como o fazem os pilotos de fórmula 1.

Como bónus do leitor ter tido a bondade de chegar até aqui dêmos largas, para finalizar, ao lado emocional da Fórmula 1. Todos os que gostam desta modalidade têm o seu piloto favorito. E depois há um piloto que inovou acima disso. Deixo-vos com a memória do melhor de todos os tempos, com a memória do grande Ayrton Senna da Silva.

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2 comentários

  1. Muito bom artigo. 🙂

    • Dinis Ribeiro on 08/09/2011 at 13:30
    • Responder

    Gostei bastante do post!

    Como Portugal tem desenvolvido “alguma capacidade” em informática, penso que há (mesmo) muito que se pode fazer em termos de gerar diversos novos produtos electónicos ligados ao registo de dados de carros, mais conhecido por OBD.

    O crescente mercado para os sistemas “OBD” é bem real e já não tem nada de ficção científica. http://en.wikipedia.org/wiki/On-board_diagnostics

    On-Board Diagnostics, or OBD, in an automotive context, is a generic term referring to a vehicle’s self-diagnostic and reporting capability.

    É possivel extrair informação dos acelerómetros do sistema de Airbags: http://en.wikipedia.org/wiki/Event_data_recorder

    Pode-se alterar a electónica do carro:
    http://en.wikipedia.org/wiki/Chip_tuning

    Um exemplo de um produto:
    http://www.carchip.com/

    Eu tenho um “carchip” desde 2008 que me tem permitido aprefeiçoar continuamente a minha condução.

    Regista excessos de velocidade, patadas completamente desnecessárias no acelerador, travagens excessivas, rotações a mais por usar mal as mudanças, consumo de gasolina, etc, etc…

    Portugal pode perfeitamente desenvolver produtos semelhantes e até talvez ainda melhores…

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