A Vizinha do Lado

Entre Abril de 1832 e Maio de 1833, o então Astrónomo Real para a Escócia, Thomas Henderson, em missão na África do Sul, realizou várias observações da estrela Alfa do Centauro. Para além de ser a terceira estrela mais brilhante do céu, Alfa do Centauro era também uma das estrelas com maior movimento aparente no céu. Estes factos levaram Henderson a suspeitar de que se tratava de uma estrela próxima do Sol, para a qual o cálculo da distância através do método do paralaxe seria possível. Por várias razões, entre as quais algum cepticismo quanto à qualidade das observações que tinha em mãos, Henderson adiou a publicação dos resultados até 1839, ficando em segundo lugar na corrida para a determinação da primeira distância estelar. De facto, um ano antes, Friedrich Wilhelm Bessel tinha publicado as suas observações e o cálculo da distância à estrela 61 do Cisne. Os resultados então apresentados por Henderson eram no entanto mais interessantes pois mostravam que de facto a Alfa do Centauro estava muito próxima do Sol, a apenas 3.25 anos-luz (o valor actualmente aceite é de 4.36 anos-luz). Convém referir que a estrela é na realidade um sistema binário cuja descoberta é atribuída ao padre Jean Richaud, um missionário na Índia, em 1689. Durante quase 80 anos as componentes deste sistema binário, Alfa do Centauro A e B, foram as estrelas mais próximas do Sol conhecidas.


(A posição da Alfa do Centauro no céu austral. Crédito: Akira Fujii)


(A posição relativa de Proxima relativamente a Alfa do Centauro A e B. Crédito: ESO)

A situação mudou quando, em 1915, Robert Innes, o director do Union Observatory em Joanesburgo, actual África do Sul, descobriu uma pequena estrela de magnitude 11 que parecia ter o mesmo movimento espacial da Alfa do Centauro. Observações subsequentes permitiram determinar a sua distância com precisão, verificando-se que estava ligeiramente mais próxima do Sol do que as componentes do sistema binário (o valor actualmente aceite para a distância é de 4.24
anos-luz). Por esse motivo, Innes sugeriu o nome de “Proxima” (do latim, “ao lado de”, “mais perto de”) para a estrela.

Proxima é uma estrela imensamente interessante, e não apenas pela sua proximidade. Embora a ligação gravitacional com as componentes da Alfa do Centauro não seja totalmente certa, os estudos mais recentes, inclusivé os dados obtidos com o satélite astrométrico Hipparcos, apontam fortemente nesse sentido. Tal como Alfa do Centauro A e B, Proxima é enriquecida em “metais” na mesma proporção relativamente ao Sol, o que reforça a a ideia de uma origem comum para as três estrelas. A confirmar-se este cenário a Alfa do Centauro será na realidade um sistema triplo. De facto, Proxima é frequentemente designada de Alfa do Centauro C.


(O tamanho relativo das componentes da Alfa do Centauro e do Sol. Crédito: Wikipedia)

Proxima está suficientemente próxima do Sol para ser possível medir directamente o seu diâmetro aparente. Tal foi conseguido com o Very Large Telescope Interferometer, obtendo-se o valor modesto de 1/7 do diâmetro do Sol, ou 1.5 vezes o diâmetro de Júpiter. A análise do seu espectro permitiu determinar que se trata de uma anã vermelha de tipo espectral M5, com uma temperatura fotosférica de apenas 3000 Kelvin. A sua luminosidade total (em todos os comprimentos de onda) corresponde a apenas 0.17% da do Sol ! A massa de uma anã vermelha com estas características é muito pequena, cerca de 1/8 da massa do Sol. A densidade resultante é no entanto muito superior à do Sol, cerca de 40 vezes maior, o que tem implicações importantes na estrutura interna da estrela.

De facto, tal como todas as anãs vermelhas, Proxima tem uma estrutura interna diferente da do Sol. Nas anãs vermelhas a energia gerada pelas reacções de fusão no núcleo é transferida até à superfície exclusivamente através da convecção de gás ionizado (plasma) no interior da estrela. No Sol a energia produzida no núcleo é transferida através da radiação até 70% do raio solar e só nos últimos 30% do seu raio a transferência é feita por convecção. A convecção global nas anãs vermelhas permite uma circulação eficiente de todo o combustível nuclear disponível (hidrogénio) até ao núcleo da estrela onde é transformado quase na totalidade em hélio. Em contraste, no Sol a falta de convecção na zona nuclear provoca a acumulação de uma “cinza” de hélio inerte e apenas 10% de todo o hidrogénio disponível é transformado em hélio enquanto o Sol permanece na sequência principal.


(A estrutura interna de uma anã vermelha comparada com a do Sol e a de uma estrela mais maciça. Crédito: Pearson Education Inc.)

A circulação eficiente do combustível nuclear, conjugada com as temperaturas nucleares mais baixas das anãs vermelhas, que impõem ritmos de reacção mais lentos, fazem a estrela produzir menos potência mas usufruir de uma vida mais longa. De facto, Proxima tem uma vida estimada em mais de um milhão de milhões de anos, aproximadamente 100 vezes a duração da vida do Sol e muito maior do que a actual idade do Universo. No final da sua vida, as anãs vermelhas não se transformam em gigantes vermelhas, como as estrelas do tipo solar. Antes, transformam-se directamente em anãs brancas formadas quase exclusivamente por hélio.

A convecção global de plasma, repleto de partículas carregadas electricamente, gera uma fortíssima actividade magnética por um efeito de dínamo, que resulta por sua vez numa superfície muito activa, com grande número de “manchas solares” e com erupções intensas de dimensões comparáveis à estrela que aumentam temporariamente o seu brilho e produzem raios ultravioleta e X em abundância. De facto, a estrela foi alvo de observações por vários telescópios de raios X, desde o Observatório Einstein, nos anos 80, que observou com detalhe uma erupção da estrela, até aos mais recentes XMM-Newton e Chandra.


(Representação de uma anã vermelha com uma superfície muito activa e com uma erupção em curso. Crédito: Casey Reed/NASA)

Como seria de esperar, Proxima é um alvo apetecível para os caçadores de exoplanetas. Até agora, no entanto, todas as tentativas de detecção directa de planetas, utilizando por exemplo o telescópio espacial Hubble, falharam. O seguimento da velocidade radial da estrela permitiu concluir também que, a menos que as órbitas dos eventuais planetas estejam num plano quase perpendicular à nossa linha de visão, não existem Super-Terras ou planetas mais maciços em sua órbita. No entanto, estas observações são difíceis pois a actividade da estrela introduz um ruído significativo que pode mascarar os sinais devidos a planetas. O veredicto não é portanto definitivo e ainda há uma réstia de esperança de que a nossa vizinha do lado tenha mundos interessantes para explorarmos.

1 comentário

3 pings

    • Renato Romão on 24/10/2011 at 22:09
    • Responder

    Excelente post.
    Apesar das observações serem difíceis, penso que irão surgir noticias nos próximos tempos.
    Como refere, os “caçadores” já estão em posição.

    Abraço

  1. […] Proxima Centauri é a estrela mais próxima de nós, a cerca de 4.2 anos-luz. Trata-se de uma anã vermelha que orbita à distância um par de estrelas semelhantes ao Sol — Alfa Centauri A e B. O par é visível como uma estrela de magnitude 0 no céu austral. Proxima, no entanto, é tão débil que, apesar de estar mesmo aqui ao lado, só pode ser observada com um pequeno telescópio. Apesar deste recato, a estrela tem um temperamento irascível, alternando uma calmaria relativa com tempestades magnéticas imprevisíveis que projectam partículas como protões e núcleos de hélio e radiação ionizante — raios ultravioleta e raios X — para o espaço envolvente. Esta é, de resto, uma característica comum às anãs vermelhas, as mais pequenas, menos maciças e menos luminosas das estrelas. Parece um paradoxo mas há uma explicação perfeitamente lógica para este traço de personalidade tão peculiar. […]

  2. […] a descoberta de um planeta “semelhante à Terra” em torno da estrela mais próxima do Sol, Proxima Centauri, a apenas 4.2 […]

  3. […] entanto, até agora, como é dito neste artigo do Luís Lopes, nada foi […]

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