Spitzer e WISE Desvendam Identidade da Supernova de 185 D.C.


(O remanescente de supernova RCW86 observado pelos telescópios Spitzer e WISE. Crédito: NASA/ESA/JPL-Caltech/UCLA/CXC/SAO)

No ano 185 D.C. os astrónomos chineses assinalaram a presença de uma estrela extremamente brilhante junto ao horizonte Sul que permaneceu visível durante 8 meses. O fenómeno é descrito brevemente num livro, o Houhanshu, que versa a história dos anos tardios da dinastia Han. O texto que se segue, extraído de um artigo seminal no estudo desta supernova oferece uma tradução para o registo deixado pelos astrónomos chineses.

Com base nesta descrição, Richard Stephenson e David Clark estimaram o brilho aparente da estrela em cerca de -8 (Vénus atinge -4.6 no máximo de brilho, a Lua cheia -13), deduziram uma posição aproximada na esfera celeste, e especularam que se poderia ter tratado de uma supernova, a primeira de que há registo. O mesmo fenómeno foi certamente presenciado por milhões de pessoas mas para além deste registo existem apenas algumas possíveis referências na literatura romana.


(“The Historical Supernovae”, um trabalho clássico de pesquisa histórica por Stephenson e Clark)

Observações subsequentes dessa posição do céu, na constelação austral do Compasso (Circinus), junto à estrela Alfa do Centauro, permitiram identificar o remanescente de uma supernova que foi designado de RCW86 (RCW = Rodgers/Campbell/Whiteoak; um catálogo de objectos de céu profundo publicado em 1960 pelos astrónomos Alex Rodgers, Colin Campbell e John Whiteoak e elaborado a partir do observatório de Mount Stromlo, na Austrália). O remanescente foi posteriormente identificado como uma fonte de ondas de rádio e é também conhecido pelo nome G315.4−2.3.

A análise subsequente do remanescente permitiu determinar que se encontra a uma distância de cerca de 8 mil anos-luz e a sua forma é aproximadamente esférica quando observada em vários comprimentos de onda. De facto, se o pudessemos observar a olho nú, o remanescente ocuparia uma área no céu maior do que a Lua cheia. A análise dos raios X provenientes de RCW86 com observatórios espaciais como o XMM-Newton e o Chandra revelou um “cocktail” de elementos tipicamente associado com uma supernova de tipo Ia, resultante da explosão termonuclear de uma anã branca. Em particular, o gás do remanescente é particularmente rico em ferro.


(O remanescente de supernova RCW86 observado pelos telescópios Chandra e XMM-Newton. Crédito: Chandra-NASA/CXC/Univ. of Utrecht_J.Vink et al., XMM-Newton-ESA/Univ. of Utrecht_J.Vink et al.)

A associação deste remanescente de supernova com a estrela observada pelos astrónomos chineses em 185 D.C. apresentava no entanto uma dificuldade importante. O remanescente era demasiado grande para poder ser o resultado de uma explosão tão jovem. Nas palavras do astrónomo Brian Williams, da North Carolina State University, em Raleigh, “O remanescente desta supernova tornou-se muito grande, muito rapidamente. É duas a três vezes maior do que seria de esperar para uma explosão ocorrida há 2 mil anos.”.

Agora, um grupo de astrónomos liderado por Williams utilizou observações realizadas no infravermelho com os telescópios Spitzer e WISE para resolver o paradoxo. Num artigo publicado na revista Astrophysical Journal, a equipa mostra que a explosão teve lugar numa região do espaço em que o material interestelar é particularmente rarefeito. Este facto permitiu uma expansão muita mais rápida do que seria normal do remanescente da supernova, explicando o seu tamanho actual. As observações são de grande importância também porque mostram pela primeira vez que os sistemas progenitores de supernovas de tipo Ia são capazes de criar uma cavidade de baixa densidade no meio interestelar antes da explosão ocorrer, algo que só tinha sido observado para supernovas resultantes do colapso gravitacional de estrelas maciças com ventos estelares intensos.

Podem ver a notícia aqui.

2 comentários

    • Manel Rosa Martins on 26/10/2011 at 02:36
    • Responder

    As Ia (1a) marcam as distâncias e marcam o espaço interestelar envolvente, ali a bilhas de gás duram muitas vezes mais tempo, vejo a cavidade como uma bolha num sub-grupo regional dum grupo local. Pode abrir-se aqui uma nova metodologia da cartografia astronómica, pela densidade das diversas bolhas, neste caso na galáxia, mas são as Ia, dará eventualmente para cartografar outras regiões muito mais longínquas. Fiquei com a sensação que esta notícia, em tom quase casual e discreto, é de importância muito vincada para a Astrofísica, que se descobriu um fenómeno e se terá descoberto também uma ferramenta.

    Daí ter gostado tanto deste post :))

  1. Estamos perante uma raridade histórica.
    Passados estes séculos e gerações vemos esta maravilha.

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