A odisseia de Lovejoy na coroa solar

Na madrugada de 16 de Dezembro, contra todas as expectativas, o cometa Lovejoy reemergiu de um dos ambientes mais hostis do Sistema Solar. Durante quase uma hora, o núcleo cometário de Lovejoy esteve imerso nos domínios infernais da coroa solar, suportando temperaturas superiores a 1,5 milhões de graus Celsius! A simples sobrevivência a esta intensa experiência é um claro indício que este extraordinário objecto deveria ser muito maior que o inicialmente estimado. Para sobreviver a tal adversidade, o núcleo de Lovejoy deveria ter pelo menos 500 metros de diâmetro antes do seu encontro com o Sol. A coroa solar reclamou, no entanto, uma fracção significativa da sua massa, pelo que o cometa reemergiu certamente mais pequeno e mais frágil.
Talvez o aspecto mais fascinante da odisseia de Lovejoy tenha sido, no entanto, a forma como a sua cauda reagiu ao ambiente extremo da coroa. Vejam (e revejam) em baixo algumas imagens obtidas pelos observatórios STEREO-A e SDO.


Entrada do cometa Lovejoy na coroa solar. Imagens obtidas pelo instrumento Atmospheric Imaging Assembly (AIA) do Solar Dynamics Observatory (SDO), através do canal de 171 Å (Fe IX).
Crédito: SDO(NASA)/AIA consortium.


A passagem de Lovejoy na coroa solar num diferente ângulo. Imagens obtidas pelo instrumento SECCHI do observatório STEREO-A, através do canal de 171 Å (Fe IX).
Crédito: STEREO/NASA.

As imagens mostram a cauda de Lovejoy contorcendo-se à medida que atravessa o plasma escaldante da coroa solar. Que fenómeno é este?
Ninguém sabe ainda o que se passou. A verdade é que estas são as primeiras imagens da passagem de um cometa nestes domínios do astro-rei. De acordo com Karl Battams do Naval Research Laboratory, o estranho movimento da cauda resulta provavelmente da rápida ionização das suas partículas de poeira à medida que abandonam o núcleo cometário. Depois de carregadas, as partículas de poeira poderão ter interagido de alguma forma com as linhas do campo magnético da coroa, dispersando-se abruptamente ao longo dos arcos coronais.
Os cientistas vão continuar a analisar a pilha de dados obtida por pelo menos seis observatórios espaciais (STEREO-A, STEREO-B, SDO, SOHO, Proba-2 e Hinode) em busca de uma explicação mais clara e definitiva para este curioso fenómeno. Entretanto, o cometa Lovejoy tornou-se visível a olho nu nos céus matinais do hemisfério sul, na direcção da constelação do Escorpião, pelo que… porque não aproveitar as primeiras horas do dia para observar este extraordinário objecto?

18 comentários

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    • Manel Rosa Martins on 22/12/2011 at 04:26
    • Responder

    O que é mesmo fantástico é aprendermos uns com os outros. E isso inclui a si Calvacanti, mesmo não dispondo dos dados teve prudência e estava a referi-los. Os cientistas da NASA, das missões que referi, foram simplesmente sensacionais a transmitirem para o Astro Pt os dados nessa noite, mas eu mais não fiz do que seguir o seu pedido de publicação e de informação de todo o público, no nosso caso os nossos leitores.

    Foi mesmo sensacional, o Sérgio que está muito mais habilitado do que eu em Astrofísica coligiu nos seus posts uma verdadeira História do Cometa Lovejoy. eu confesso que fiquei, vou ser sincero, emocionado com a humildade e com o espírito de missão dos melhores cientistas do mundo.

    Um dos Cientistas envolvidos, o Karl Battam da NASA-SDO foi inexcedível a informar todos quantos lhe iam pondo questões nessa noite. Depois os Cientistas doutras organizações como a Jayne Stigger, Educadora de Ciências, e o Thomas David Hood, colunista da CQ Communications foram quem ajudou a propagar toda a informação.

    Fica também o meu agradecimento público a eles e às equipas que eles lideraram.

    Para o Nuno para o Sérgio e para o Cavalcanti tb um abraço e Obrigado pelo esclarecimento excelente quanto às escalas de temperaturas em sede menos formal.

    1. Disponha, Manel. É sempre bom contribuir um pouco para nosso engrandecimento científico.

      Abraços e desde já, te desejo um bom Natal.

      🙂

    2. Manel,

      Obrigado pelas tuas palavras e, acima de tudo, pelas importantes informações que adicionaste a este post. 😉

    • Renato Romão on 21/12/2011 at 19:34
    • Responder

    Boas,

    Sendo um leigo na matéria, não percebo como conseguiu passar tão perto do Sol e não foi “sugado” pela sua gravidade ou “derretido” devido à sua constituição, gelo e gases. Como foi possivel?
    A 120.000Km de distância a que passou do Sol, correcto?
    Atenção, eu não acredito nas teorias que o Cavalcanti refere e bem (nem as li sequer). Apenas não percebo como foi possivel.
    Se existir alguma explicação exacta sobre o sucedido, agradecia que disponibilizassem essa informação, obrigado.

      • Renato Romão on 21/12/2011 at 19:41
      • Responder

      Não poderia ser também rochoso?

    1. Renato,

      Os astrofísicos também fazem a mesma pergunta que você fez 😉 :

      “O que realmente aconteceu”?

      Por enquanto, não há explicação exata. A princípio, dando um pouco de luz ao tema, o cálculo inicial do diâmetro do Lovejoy parece ser incorreto.

      Portanto, devemos esperar por mais estudos e reconsideração dos cálculos feitos por cientistas que estão observando sua trajetória 😉

      Abraços.

        • Manel Rosa Martins on 21/12/2011 at 22:44

        Quanto ao facto de não ter sublimado, a Missão NASA SDO relata o seguinte:

        Comet Lovejoy Cruises around the Sun

        Comet Lovejoy startled scientists by surviving it sun-grazing cruise around the Sun and back into space (Dec. 15-16, 2011). This was the brightest comet that STEREO or SOHO has ever observed. Its survivability might be partly explained because its core was an estimated 2 football fields wide, about 10 times larger than other Kreutz comets, the family of comets to which it belonged. It flew about ½ solar radii or roughly 100,000 km above the surface of the Sun where temperatures are something around 1 million degrees.

        E a outra parte da explicação, segundo a Camilla SDO, uma organização da NASA de divulgação de Ciências, reside na velocidade descomunal do Objecto, ceca de 2 milhões de Km/h.

        Quanto à composição, a Teoria que reúne consenso é que são compostos de gelo e de gases encurralados nesse gelo. No entanto também se teoriza, há que o informar que sejam compostos por pequenas quantidades (relativamente ao gelo) de metais como o Ferro e o Iridium e ainda por outros elementos, dependendo da origem dos cometas.

        Ainda a Camilla SDO informou que os vários telescópios ( a verdadeira armada, como bem disse o Sérgio Paulino) verificaram com muito boa margem de precisão que o cometa Lovejoy “entrou” no periélio com cerc ade 500 pés de comprimento e saiu de lá com 400 pés.

        Terá portanto perdido 20% da sua dimensão

        Quanto à sua Mssa, o mesmo centro de divulgação da NASA informou que o Lovejoy terá perdido cerca de 50% da sua massa por sublimação.

        A sublimação é a passagem directa da fase sólida para a fase gasosa. Fase é a designação correcta da antiga designação “estado. ”

        Estas informações ( do Little-SDO e da Camilla SDO) foram retransmitidas no acompanhamento em directo, e no seu rescaldo pelo Astro PT no FB, mas em boa hora colocou essas excelentes perguntas e assim ficam aqui também coligidas.

        Obrigado e Boas Festas para todos.

        • Cavalcanti on 21/12/2011 at 23:24

        Eu tinha uma certa “desconfiança” de que poderia ter sido sua velocidade um dos fatores para que o Lovejoy não tenha sublimado por completo na passagem pelo periélio – porém, não quis “especular” por não ser astrofísico e por falta de dados 🙁

        Já agora, o Manel Rosa explicou muito bem no seu comentário.

        • Renato Romão on 22/12/2011 at 04:11

        Vamos aguardar por mais dados.
        Obrigado M. Martins e Cavalcanti pelas informações.

        Boas Festas

        • Cavalcanti on 22/12/2011 at 12:53

        De nada, Renato 😉

        Também te desejo Boas Festas.

  1. Sérgio, só uma pequena correcção, se me permites… Onde se lê “centigrados” deveria ler-se “Celsius”. 🙂

      • Manel Rosa Martins on 21/12/2011 at 19:44
      • Responder

      O teu comentário suscitou-me curiosidade, porque tem que se fazer essa correcção Nuno? Não vejo nenhuma justificação para além de ser mais habitual usar-se Celsius em vez de centígrados em Ciências. Mas exactamente por não estar a ver é que te pergunto. Abraço

      1. Aceito a sugestão do Nuno. É mais correcto usar-se Celsius. 🙂

        • Manel Rosa Martins on 21/12/2011 at 23:46

        E Porquê? Qual a causa de ser mais correcto Celsius do que centígrados? O Nuno propõe tu aceitas e eu fico sem perceber porquê, como diria o Calimero, it’s an injustice. :))

        Mas a sério, pode causar alguma confusão ou induzir algum erro?

      2. Manel,

        Tens razão. Aceito e não explico. 🙂
        A verdade é que por definição uma escala centígrada é uma escala termométrica em que a diferença entre o ponto de ebulição e o ponto de fusão da água (quimicamente pura e sob pressão atmosférica equivalente à medida ao nível do mar) é igual a 100. Ora, tendo em conta esta definição, a escala Celsius não é a única escala centígrada. A escala Kelvin também é uma escala centígrada. Curiosamente, cometi um erro que já tinha apontado a outros. 😀

        • Cavalcanti on 22/12/2011 at 02:11

        Tanto o Nuno quanto o Manel estão corretos.

        Em 1742, o astrônomo e físico Anders Celsius apresentou à Real Sociedade Sueca uma nova escala termométrica. Alguns anos depois (não me lembro exatamente 🙁 ), o biólogo Carlos Lineu, também sueco, propôs a inversão dos valores para o ponto de gelo e vapor.

        Somente em 1948 é que se adotou a substituição do nome da unidade – de grau centígrado para grau Celsius 😉

        Ponto para o Nuno Coimbra: foi atento enquanto lia o artigo do Sérgio e propôs uma correção;
        Ponto para o Manel Rosa: não seria obrigatório o Sérgio fazer tal correção, já que se trata de um post e não de um artigo para publicação na comunidade científica (que se fazia necessário adotar as unidades no SI).

  2. À luz da ciência: erro de cálculo do seu real diâmetro, já agora podendo ser recalculado, com mais precisão 😉 ;

    À luz dos pseudos: objeto artifical ou OVNI.

    ^o)

    1. Pois é, Cavalcanti. Já me apercebi de muita estupidez na net relativamente a Lovejoy. 🙁

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