As mentes fechadas

O meu ultimo “post” foi sobre a “mente aberta” e como eu vejo a utilização desse termo, por isso agora faz sentido “postar” um sobre a mente fechada. Aqui vem ele:

Tal como na “mente aberta” em que o que se deveria ter em consideração quando se usa o termo, não é ser a mente que aceita toda a carga de diferentes ideias – porque acabam por formar uma teia inconsistente e disfuncional de conceitos – na “mente fechada” também não é a mente que não aceita nunca ideias novas que será pertinente.Isso seria a “mente bafienta” e já é um eufemismo. Não conheço casos em que se aplique, felizmente. Mas mentes fechadas, sim. É bastante frequente observa-las fecharem-se mesmo frente às ideias mais bem fundamentadas e assim ficarem até sabe-se lá quando. Por isso penso que é preciso distinguir entre não aceitar ideias novas, (ou poucas) e aceitar apenas as ideias novas de que gostamos.É o caso da mente fechada de Linaeus. Tem à priori uma expectativa que tem de ser observada e sem investigação especifica sobre o tema em causa, faz uma opinião. Não aceita o que não gosta e fundamenta-se no que quer acreditar. Considera que o que lhe parece deve ser e que a sua opinião tem o mesmo valor que um argumento cientifico ou filosófico. Provavelmente vou ser queimado vivo por isto… Mas a verdade é que *opinando* não é uma forma segura de construir conhecimento. É verdade que cada um tem direito a ter a sua opinião, mas mesmo este facto, de que cada um tem direito a ter a sua, devia chamar a atenção para que o conhecimento opinativo, do senso comum, não tem valor enquanto conhecimento rigoroso. A não ser que cada um tenha direito à sua própria realidade.

Toda a gente tem direito às suas próprias opiniões, mas não aos seus próprios factos, leis e teorias. Ou funcionam ou não funcionam. Ou funcionam mal. Mas seja como for, opinar não é a ultima palavra no mundo do conhecimento. É a primeira. É a que se tem quando não se sabe melhor que isso. Pode fazer falta, mas quando há melhor é preciso ter a mente aberta. Durante milénios não houve melhor. Durante 200.000 anos o homem não teve mais que senso comum e a sua opinião para o  guiar. A escrita tem menos de 7000 anos e o conhecimento transmitido oralmente é uma lotaria.

Mas agora tem mais. Tem a filosofia desde a Grécia Antiga e a ciência desde Galileu.

Por isso, penso que o problema está em parte  em achar que ninguém deve saber melhor que isso, que a opinião própria, sobretudo quando se trata da nossa opinião. Uma crença que em si deve ter dado segurança e determinação a milhares de homens durante milhares de anos.

É uma coisa relativamente nova poder dispor de tanto conhecimento que é melhor que o opinativo. Há quem considere que a inteligencia é precisamente a capacidade de adaptação a situações novas do ponto de vista evolutivo. Passar a pesquisar o que dizem os especialistas, o que está provado com rigor, como se pode saber o que se sabe, pode muito bem ser em si um sinal (mas não o unico!) de inteligência nessa perspectiva. Se não, pelo menos de “mente aberta”.

A “mente fechada” caracteriza-se não só por não estar aberta a avaliar imparcialmente as evidências como a não estar sequer aberta à sua pesquisa. Prefere fazer julgamentos rápidos menos informados a lentos e mais informados (dantes não era uma opção) e não obstante isso insiste que o seu, por ser seu, é o melhor.

A mente fechada recusa-se a ir mais longe que a opinião. Por preguiça, ignorância, teimosia ou impotência, escolhe defender uma opinião qualquer, que pareça simpática, e não está aberta a estudos sistemáticos, argumentos difíceis de perceber (sobretudo se envolverem matemática), ou que pura e simplesmente requeiram muita aprendizagem nova.

Frequentemente recorre a raciocínios falaciosos sem dar conta disso e considera um exotismo grotesco que se apontem  falácias, não gosta que se critiquem as suas ideias – considera-as uma coisa pessoal – e até acha que a ciência ou a filosofia são uma questão de opinião. Aceita testemunho individual como evidencia forte, confunde carisma com autoridade, e vê facilmente relações de causalidade em coisas que tenham uma sequência temporal.

No entanto se lhes perguntarem, às mentes fechadas, se a realidade é uma questão de opinião, a maioria dirá que não. Mas isto não os fará enveredar por uma sede de investigação, procura de conhecimento ou coisa do género. Como se o conhecimento fosse a coisa mais bem distribuida deste mundo, e algo que nunca falta, estão sempre satisfeitas com o que têm e com a qualidade dos seus argumentos. Argumentos esses que lhes parecem bons desde que sejam a defender a ideia que já tinham antes. Coisa que devia era ser ao contrário – ter uma ideia porque é suportada por bons argumentos.

Mesmo quando proferem o seu mais potente argumento: “Porque eu acredito” ou “porque eu sei”, não se dão conta da inversão lógica. E este é o sinal patognomónico  da “mente fechada”. É o considerar a sua opinião um argumento em si. Que acreditar é o ponto de partida para formar conhecimento – numa confusão desastrosa entre mapa e território. Está errado. Depois é enveredar numa odisseia de confirmation bias” e temos a mente fechada feita de ideias… Fechadas? Sim, é o termo correcto. Fechadas a serem testadas.

As coisas não são como são só porque nós gostávamos que fosse assim, fosse bom que fosse assim, acreditamos que é assim ou até que devia ser assim.

Dá trabalho, e às vezes não está ao nosso alcance perceber tudo. Mas sinceramente. Vale a pena.

Agora uma nota importante: A “mente fechada” de Linaeus, como digo a brincar, caracterizada por todos estes pontos o tempo todo, é uma abstracção. Não corresponde a ninguém. É um exagero para tentar caricaturizar um estereótipo de comportamento e um estado mental, não tanto de carácter  –  felizmente a mente fechada é algo que não ocorre o tempo todo mesmo nas mentes mais susceptíveis. Pelo menos que eu tenha presenciado.

2 comentários

  1. Parabéns, João Coutinho, um texto inspirado e com visão correta.

  2. Mais um belo texto, João! 😉

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