Novas formas de Abiogénese

A origem da vida é um assunto que desde cedo intrigou cientistas e filósofos, tendo levado às mais mirabolantes hipóteses, entre elas a de que animais complexos seriam gerados espontaneamente, havendo inclusive “receitas” que levariam ao aparecimento de determinados seres. Mais sobre as várias hipóteses que foram sendo colocadas para responder a esta questão podem ser lidas neste post.

Uma das hipóteses afirma que a vida surgiu como resultado de uma evolução química; substâncias químicas presentes na Terra pré-biótica (isto é, antes de o planeta suportar vida) reagiram de tal modo que houve o aparecimento de organismos, incialmente muito simples e que, através de Evolução por Seleção Natural, resultaram na diversidade biológica que se observa atualmente.

Uma das reações que era encarada pelos químicos como uma possível reação que levou ao aparecimento da vida é a reação de formose. Esta reação inicia-se com o formaldeído (um veneno conhecido também por metanal) que, através de uma série de reações químicas, resulta na produção de açúcares como a ribose. Este açúcar é essencial à vida tal como a conhecemos, uma vez que faz parte da constituição das moléculas de RNA.

O RNA tem um papel preponderante na transformação da informação contida no DNA em proteínas

Apesar de esta hipótese ter alguns pontos a seu favor, nomeadamente o facto de ser relativamente comum no espaço, apresenta também alguns problemas, tais como a produção de muitos açúcares que não têm aplicações biológicas e a relativamente pequena produção de riboses.

Modelo da molécula de formaldeído.

Até 2007, contudo, não havia outra alternativa para a reação de formose, até que Albert Eschenmoser propôs o cenário do glioxilato.

Segundo este cenário, o ponto de partida para as reações, em vez de ser o formaldeído, seria o glioxilato. Teoricamente, a reação do glioxilato com o dihidroxifumarato (abreviado para DHF) poderia provocar uma cascata de reações que eventualmente resultariam na produção de açúcares complexos. O glioxilato poderia existir naturalmente na Terra pré-biótica, pois poderia surgir como o resultado de algumas reações entre moléculas de monóxido de carbono.

Apesar de ser teoricamente possível, não havia testes que confirmassem esta hipótese.

Ramanarayanan (“Ram”) Krishnamurthy e Vasu Sagi, dois investigadores do Scripps Research Institute publicaram no Journal of the American Chemical Society os resultados que obtiveram enquanto testavam esta hipótese.

Descobriram que quando o DHF e o glioxilato reagem em condições adequadas e na presença de outros químicos pré-bióticos como o formaldeído há formação de cetoses. As cetoses são um tipo de açúcar que pode ser posteriormente convertido nos açúcares complexos necessários à vida. Para além de descobrirem que há a formação de cetoses, verificaram que, ao contrário da reação de formose, há uma grande produção de cetoses.

Esta hipótese não põe, contudo, a hipótese da reação de formose de parte, uma vez que há questões que ainda ficam em aberto. Uma delas é a inexistência de evidências de uma via pré-biótica para a formação de DHF. A outra questão que fica em aberto é como se poderá dar a conversão da cetose em outros açúcares, uma vez que os mecanismos de conversão conhecidos ocorrem apenas em organismos vivos.

 

2 comentários

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  1. Interessante hipótese, não a conhecia. Dois “fósseis” metabólicos muito significativos para esta ideia são as muito análogas reacções do desvio das pentoses/ciclo de Calvin, que precisamente (no primeiro caso) são fundamentais para a produção de ribose, e os chamados metilotrofos, organismos de metabolismo C1 (que incorporam compostos de Carbono reduzido sem ligações C-C, como formaldeído, ácido fórmico, metanol ou metano), que segundo alguns são autotróficos (ver a página, da minha autoria, http://www.dbio.uevora.pt/Micro/bonus2.html).
    E parabéns pela avaliação do blog!

  2. Quanto a um mecanismo de conversão de cetoses em outros açúcares só ser encontrado em seres vivos, talvez, quem sabe as primeiras versões de ácidos nucleicos não fossem exatamente RNA, mas alguma molécula contendo outro açúcar que não a ribose e que teria sido capaz de criar alguma forma de estrutura pré-viva ou proto-viva onde eventualmente surgiriam mecanismos capazes de originar ribose e esta, uma vez incorporada num ácido nucleico, teria se mostrado muito mais eficaz que a versão primitiva e teria prevalecido sobre ela.
    Mas estou apenas especulando. Não tenho conhecimentos suficientes em biologia molecular para embasar mais essa ideia.

  1. […] convertido nos açúcares complexos necessários à vida… (Novas formas de Abiogénese- Fonte: http://www.astropt.org/2012/02/07/novas-formas-de-abiogenese/) “… O geólogo russo Nicolai Alexandrovitch Kudryavtsev foi o primeiro a propor a moderna […]

  2. […] Novas formas de Abiogénese » […]

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