Faltou um cabo…ou vários, a quem fez esta notícia

Chegou ao meu conhecimento hoje este vídeo incrível, pela negativa, da forma como foram noticiados pelo canal espanhol de televisão Antena 3 (não confundir com a nossa rádio!) os últimos desenvolvimentos na experiência OPERA, já aqui discutidos.

Mesmo sendo eu uma completa leiga na Física, saltaram-me imediatamente aos olhos uma série de erros muito graves no que era dito e mostrado.

Deixo-vos o vídeo para que julguem por vocês mesmos:

Fica aqui a transcrição do que é dito para quem não perceber o Castelhano:

(Teaser) FALTOU UM CABO

Um cabo solto deita abaixo uma experiência que questionava a teoria da relatividade de Einstein. A descoberta dos cientistas que disseram que os neutrinos eram mais rápidos que a luz pode ter sido consequência de um “biscate”.

Batizaram-na como a partícula de deus e afirmaram que podia viajar mais rápido que a luz. O anúncio pôs em causa até a teoria da relatividade de E e abriu as portas a uma nova interpretação do universo.
Os cientistas passaram da euforia a uma sonora decepção. reconheceram que foi tudo um erro de cálculo e a culpa foi de um cabo solto.

Disse-o Albert Einstein há 107 anos: nada pode viajar mais rápido que a luz, porque fazê-lo significaria viajar para o passado. E assim o deixou reflectido na sua Teoria da Relatividade.

(Cientista não identificado nº1) Se descobrirmos que estas partículas naturais chamadas neutrinos podem viajar mais rápido que a luz, será algo que terá impacto em todo o mundo.

A experiência consistiu no lançamento de 15000 raios de neutrinos desde o seu lab na Suíça a outro situado em Roma. os neutrinos adiantavam-se em 60ns às partículas de luz. O anúncio desatou a euforia dos cientistas. Os resultados abriram as portas de novos sonhos e começou a falar-se em dar resposta aos enigmas do universo.

(Cientista não identificado nº2) Em 2012 poderemos responder à pergunta definitiva de Shakespeare: ser ou não ser?

Pois vai ser que não.
Neste comunicado, o centro de investigação nuclear de Genebra reconheceu que foi tudo um erro devido a uma má ligação de um cabo de fibra óptica que inutilizou todas as suas experiências.

Afinal, 27km de túneis, uma construção de 1700 milhões de euros e 1500 milhões de orçamento anual para 2000 cientistas de 34 países não puderam superar isto: o cérebro de um génio, Albert Einstein.

 (NT: as imprecisões da linguagem são propositadas, é mesmo assim que é dito)

 

Para mim, ficaram logo vários erros crassos (para não lhes chamar mentiras) bem claros:

– confundem neutrinos com o bosão de Higgs

– confundem todas as experiências que estão a ser feitas no LHC com a experiência feita com os neutrinos (OPERA)

– confundem o projecto OPERA (colaboração do CERN com San Grasso) com toda a estrutura que está por trás do LHC (orçamento, número de cientistas, dimensão, etc), de uma forma que quase parece ser despectiva e propositada para deturpar as experiências que lá estão a ser conduzidas.

– confirmei com colegas da área que as imagens que são mostradas como dando a entender que são uma celebração da “descoberta” da velocidade supraluminar dos neutrinos serão na verdade relativas à altura das primeiras colisões obtidas no LHC!

– e que tem a ver um cérebro em formol com tudo isto?

 

E nem vou entrar nos “detalhes” dos grandes erros científicos que por lá fazem…deixo isso aos físicos cá da casa que lerem este post.

Pois este é, não só, um exemplo de mau jornalismo de ciência, como de mau jornalismo. (ponto)

Que os jornalistas confundam alguns conceitos científicos, não é desejável, mas é compreensível. Agora que confundam (?) factos de uma forma grosseira, inclusivamente usando imagens que não representam a notícia, é verdadeiramente condenável.

 

16 comentários

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  1. Diana, contra os maus jornalistas, temos um “antídoto” que se destaca pelo seu humor genial:

    Advinhe quem seria?

    (momento de reflexão) 😛

    Ele mesmo: Marco Santos! 😀

    http://bitaites.org/no-mundo-da-lua/a-neutrino-o-que-e-de-neutrino/

    😉

    1. Sim, tens toda a razão!
      O Marco é como uma grande lufada de ar fresco de eloquência e humor na mediocridade jornalística 😉

  2. Ridículo (e porque não dizer, também engraçado) é editarem um vídeo para mostrar as salvas de palmas dos pesquisadores, como se tivesse a ver com a estória.

    1. Eu diria que é fraudulento!
      Porque distorce completamente a realidade…

  3. Ótimo post, Diana. 😉

    Abraços.

    1. Obrigada! 😉

      Beijinho

      1. 😉

  4. A mim chamou-me à atenção esta parte:
    “nada pode viajar mais rápido que a luz, porque fazê-lo significaria viajar para o passado.”

    Proxima Centauri está a 4 anos-luz.
    Se eu viajar para lá a velocidades superiores à da luz, chego lá em 3 anos, por exemplo.
    Será que estou a viajar para o passado?
    Não.
    Estou a viajar para o futuro… 3 anos depois chego ao destino.

    1. Para o futuro de quem? 3 anos segundo um relógio parado na terra, nao no relógio do viajante.

      1. Pois… ignorei efeitos relativisticos 😉
        Porque aliás, estou supostamente a viajar a velocidades superiores à da luz 😉

        Mas mesmo os incluindo, vou sempre “perder tempo” para lá chegar… vou sempre para o meu futuro… nunca passado. 😉

        Sobre os efeitos relativísticos:
        http://www.astropt.org/2009/01/31/teoria-da-relatividade-dilatacao-do-tempo/

        abraços

    2. Como disse, abstive-me das patocadas científicas!

      Os erros são tão grosseiros que basta uma pessoa se cingir aos “factos de conhecimento comum” para ficar parva ao ouvir o que dizem.
      Que foi como fiquei!

      :p

  5. Link para o video no youtube para quem quiser comentar:

    http://www.youtube.com/watch?v=NXQdF841qyM&hl

    1. Segundo quem colocou lá o vídeo, há 100 erros…contamos? :p

  6. Horrível, péssimo.. é mau demais…

    isto nem errado está… está muito para lá de errado…

  7. É curioso que nas apresentações até é bom mostrarmos algumas imagens que não têm a ver com o assunto mas que ilustram o que queremos dizer, mas no jornalismo já não é boa ideia fazer isso…
    Eu interpreto que eles quiseram contar a historia dos “físicos contentes”, que (malvados) tentaram provar algo que era mentira, e o um outro físico-génio que foi o rei deles todos (e cujo cérebro está preservado em formol) já tinha dito que não podia ser! Para mostrar físicos contentes, encontraram as imagens da inauguração do LHC. Para hiperbolizar a ambição dos cientistas nada melhor que falar no instrumento maior do mundo usado por cientistas, e falar numa partícula com um nome divino. E depois para chamar “cambada” e “incompetentes” aos cientistas diz-se que só faltava um cabo, ou um parafuso..
    É como dizer que os cientistas que estavam a pensar cometer o sacrilégio de desafiar as teorias de Einstein tiveram o destino que mereciam..
    Até é uma história “gira”, mas não é propriamente o que se espera de uma notícia “isenta” em jornalismo..

    1. É uma grande trapalhada é o que é! :p
      Mas temo que seja algo mais para além da trapalhada…a desacreditação parece ser algo propositada e maldosa.

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