Um Mundo Infestado de Demónios

A Gradiva vai re-editar em Portugal este excelente livro de Carl Sagan (no Brasil, a editora é a Companhia das Letras).
Um Mundo Infestado de Demónios – A ciência como uma luz na escuridão.

Mais uma vez, a Gradiva faz um excelente trabalho, ao re-editar um livro que é OBRIGATÓRIO para toda a gente que quiser compreender o mundo actual.
No livro, Sagan explica o que é a ciência, quais as diferenças para a pseudo-ciência, e porque é importante termos pensamento crítico de modo a não nos deixarmos levar pelas mentiras dos vigaristas. Na sociedade actual, perceber a diferença entre o que funciona e o que não funciona é essencial para levarmos uma boa vida, em vez de arruinarmos a nossa vida nas mãos daqueles que têm o único intuito financeiro. Segundo Sagan: “Se nos deixarmos levar pela superstição ou estupidez, faremos o mundo cair numa escuridão como aquela que se manteve durante a Idade das Trevas”.
Sagan também nos diz que é a nossa responsabilidade compreendermos onde está a verdade e onde está a mentira, daí que mais vale ter conhecimento do que depois queixarmo-nos pela vida que levamos. Nas palavras de um provérbio utilizado por Sagan: “Mais vale acender uma vela do que maldizer a escuridão.”

Como podem ler no site da Gradiva:

“Estaremos no limiar de uma nova era de obscurantismo e superstição? Ao longo destas páginas, Carl Sagan explica-nos a razão por que o pensamento científico é essencial e desmonta alguns dos mais populares mitos e pretensões da pseudociência, ao mesmo tempo que refuta convincentemente o argumento de que a ciência destrói a espiritualidade.
Recorrendo a um manancial de referências históricas e culturais, assim como à sua vivência pessoal, Sagan demonstra com enorme clareza e rigor que a tentação da irracionalidade é não apenas um erro cultural crasso como um salto perigoso para a escuridão, que põe em risco as nossas liberdades mais básicas.”

Já agora, sugiro que também leiam esta excelente crítica do professor de filosofia Desidério Murcho. Retiro de lá enormes excertos:
“Estamos perante 25 capítulos sobre a pseudociência, o misticismo, os OVNIS — e, tangencialmente, sobre o pós-modernismo, essa doença da cultura actual. É um estudo das origens, causas e consequências das mais diversas manifestações de irracionalismo no nosso tempo. Em muitos casos, Sagan compara as crenças actuais com crenças medievais. O caso dos que afirmam terem sido raptados por alienígenas, por exemplo, é comparado com as crenças medievais nas bruxas. O leitor fica espantado com a imensa diversidade da crendice humana e confirma (…) a ideia de que a estupidez humana não conhece limites.
Carl Sagan mostra, com inúmeros argumentos razoáveis, que a crendice humana não é uma atitude inteligente; mostra que não há indícios razoáveis da existência de OVNIs, nem de telecinécia, telepatia, demónios, deuses, etc. A mensagem que procura fazer passar é a de que o futuro nos pertence; mas temos de saber lidar eficientemente com o universo se quisermos sobreviver — e isso não se consegue com atitudes irracionais, mas com a ciência e a inteligência crítica.
O relativismo e a descrença na ciência e na racionalidade são traços gerais da cultura actual; tal como no final do século XIX era normal ser-se positivista, hoje é normal ser-se relativista e irracionalista. (…)
Não serão os irracionalistas e os relativistas vítimas do seu tempo, aceitando acriticamente e sem estudos os preconceitos actuais? Penso que sim. E penso que o exame atento das posições irracionalistas e relativistas revela — como é típico nos preconceitos — como estas crenças são frágeis e estão mal fundadas: essa é a tarefa a que Sagan se dedicou com tenacidade neste livro. Estas fragilidades vêm ao de cima quando as coisas se tornam sérias. Feyerabend, cujo mote filosófico subtil era “tanto faz”, quando descobriu que tinha cancro submeteu-se, claro, a todos os tratamentos da ciência moderna. Por que não foi antes a um curandeiro tribal, já que defendia ser a ciência como a bruxaria? Porque os relativistas não acreditam seriamente e consistentemente no relativismo — aliás, não podem fazê-lo porque a lógica não o permite: se acreditam firmemente no relativismo não são relativistas porque acreditam firmemente numa coisa, o que é proibido pelo credo relativista.
Muitas vezes, o relativismo parece uma tentativa infantil de recapturar o mundo perdido em que a Europa e o homem branco (mas não a mulher…) eram o centro do universo. É muito mais prático dizer que toda a gente tem razão porque a verdade é relativa, do que admitir que em muitas matérias nós, europeus, estávamos profundamente enganados. É muito mais prático dizer que somos contra a ciência toda do que procurar soluções reais para os problemas da poluição — soluções que exigem uma enorme preparação científica. É muito mais prático dizer que todas as morais são relativas, do que discutir seriamente problemas morais complexos. É muito mais prático dizer que a verdade é relativa, do que admitir que somos nós que afinal não somos assim tão inteligentes (…).
Há três aspectos que vale a pena destacar neste livro. Em primeiro lugar, a preocupação constante de educar os seus concidadãos para a liberdade e o pensamento crítico; em vez de se fechar no seu gabinete de trabalho, Sagan quer dialogar com as pessoas comuns, quer fazê-las pensar, preocupa-se com o nosso futuro comum e não apenas com os pormenores técnicos da sua própria ciência (…). Em segundo lugar, a tolerância e a paciência que Sagan teve para tentar compreender e avaliar de forma justa as crenças do seu tempo (…). Claro que sem esta atitude, a crendice e o irracionalismo, o erro e o disparate continuarão a envenenar livremente os espíritos dos nossos jovens. Em terceiro lugar, a dúvida: será que valeu realmente a pena o esforço de Sagan? Sou muito céptico em relação à possibilidade de instilar senso comum na generalidade das pessoas. E não acredito que os relativistas, os partidários da New Age, da magia, do ocultismo, da alquimia, da astrologia, dos OVNI, da telepatia, da psicanálise, do pós-modernismo, etc., leiam este livro; e não acredito que, se o lerem, se deixarão convencer. De maneira que ficamos nesta situação um pouco paradoxal: o livro só convence os que já concordam com Sagan; mas essas pessoas não precisavam de ser convencidas. Apresso-me a dizer que este cepticismo quanto ao alcance do livro não é uma forma de desculpabilizar quem nada faz contra a fatuidade e estupidez humanas. É apenas a manifestação de um cepticismo quanto à possibilidade de se conseguir mudar muita coisa. Mas acho que temos todos o dever de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para mudar as coisas. (…) E que maior feito pode existir para um ser humano do que o de libertar uma consciência para o pensamento crítico? Carl Sagan fez isso a muita gente. Nomeadamente a mim.”

3 comentários

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  1. Esse livro é ótimo, recomendo demais. Aqui no Brasil o título foi traduzido como “O mundo assombrado pelos demônios – A Ciência Vista como uma Vela no Escuro”.

    Inclusive, escrevi uma resenha sobre o livro há um tempo atrás: http://www.uarevaa.com/2011/01/o-mundo-assombrado-pelos-demonios.html

    1. Excelente 🙂

      Gostei especialmente destas partes:

      “(…) Carl Sagan é um nome indiscutível. Astrônomo e escritor, o cientista foi um dos grandes pilares da ciência moderna, tendo trazido imensas contribuições para nosso compreensão do universo e valorização da ciência. Foi um dos maiores defensores da popularização da ciência (no sentido de difundi-la para todos, não distorcê-la para parecer outra coisa como costuma fazer a mídia popular) (…).
      Mas o que talvez muita gente não saiba sobre Carl Sagan era seu empenho em fazer as pessoas entenderem o que é realmente ciência. Atualmente, é fácil assumir que todo mundo sabe o que ciência quer dizer, mas infelizmente isto não poderia estar mais longe da verdade. Remédios que tratam de problemas de desequilíbrio energético, misticismo quântico e contatos com seres alienígenas são apenas alguns exemplos de temas que usam o nome da ciência para vender ao público algo que é tudo, menos científico. Embora a superstição não seja uma coisa nova, vinda desde os primórdios da humanidade (…) há nas últimas décadas uma preocupação com o mau uso da credibilidade que a ciência traz para validar tradições e crenças que custam a desaparecer do imaginário popular.
      Um grande exemplo é a física quântica, que devido às suas características exóticas, caiu como uma luva entre os místicos que precisavam desesperadamente de uma forma de validar suas crenças – e na quase totalidade das vezes justificar suas fontes de renda. (…) com o rótulo de “comprovadas cientificamente”, muitos absurdos são proferidos e descritos como parte da física quântica, quando não são nada mais do que besteirada pura que não tem nada a ver sequer com ciência. (…)
      O livro (…) nos traz uma luz sobre as principais pseudociências e como podemos, nós que somos pessoas comuns (…), nos prevenir e identificar tais fraudes, separando o joio do trigo do que é realmente ciência e o que não é.
      Eu sei que muitas pessoas acham que superstições são, até certo ponto, saudáveis, principalmente se trouxerem conforto às pessoas. Eu discordo. (…) A verdade DEVE ser encontrada e disseminada. (…) Por isto eu concordo com Carl Sagan quando ele diz que, por mais que a ciência tenha suas falhas, por enquanto ela é a melhor coisa que temos para explicar a realidade.
      O Mundo Assombrado pelos Demônios tenta alertar de forma geral sobre os perigos da pseudociência (a mais evidente e imediata é, é claro, o seu bolso), mas destaca alguns temas que permeiam o imaginário popular há muitas décadas e, mesmo tendo sido desacreditados pelos cientistas, ainda continuam firmes e fortes, como a (não) ida do Homem à Lua, a face em Marte, alienígenas, o acobertamento do governo com relação aos ETs, bruxaria e outros. (…) É um verdadeira mostra de uma argumentação razoável e plausível, que, para aqueles sem a “Síndrome de Fox Mulder” (a predisposição a acreditar em qualquer coisa, mesmo sem nenhum evidência confiável), vai ser difícil voltar a acreditar firmemente em discos voadores, cristais e forças sobrenaturais. (…)
      Nota: 10 (e olha que não dou nota máxima para qualquer coisa) (…)
      * Pseudociência, caso não tenha ficado claro durante a leitura do post, é tudo aquilo que usa jargões científicos, palavras rebuscadas, termos e explicações que usam conceitos científicos para validar algo que na verdade não tem nada de científico (e que quase nunca tem a ver com as argumentações que usam). (…)”

      Muito bom! 😉

      1. Obrigado pelos elogios! =)

        Este site que escrevo é sobre temas gerais, geralmente entretenimento, mas escrevo sobre temas céticos e ciência também sempre que posso. Temos podcasts que tratamos de alguns temas como viagens no tempo, alienígenas, fantasmas, mitologias, lendas urbanas e outros. =)

  1. […] sua vontade de contribuir para um mundo mais iluminado pelo conhecimento e pelo espírito crítico. Um Mundo Infestado de Demónios, com o subtítulo “A ciência como uma luz na escuridão”, deveria fazer parte dos […]

  2. […] 3 – Pseudo-astronomia: Pulseiras Quânticas (fraude, falência). Indiano de 179 anos. Prahlad Jani (morte, Respiratorianismo). Boriska. Braco. Reiki (patetice). Terapias Alternativas. Leitora de sina. Parvalhão. Intuitos. Depois da Vida. Terra Plana. Terra Ôca. Fósseis de Humanos Gigantes. Abominável Homem das Neves. Triângulo das Bermudas. Lula gigante. Megalodon. Partos na Lua Cheia. Mitos da Lua Cheia. Grávida de Chimpanzé. Barbies Humanas. Money bag. Disparates Virais. Barulhos estranhos. Extraterrestres Antigos. Desmistificar. Erich von Däniken. Dogons. Anel Negro. Dois Sóis. Alinhamento planetário sobre Pirâmides de Gizé. Sismos e eclipses. G1.9. Voar por um dia. Base Marciana. Homem do futuro. Satélite Black Knight. Astrologia. Signos. Ofiúco. Televisão. Problema das Crenças Pseudo. Portas do Céu. Weekly World News: Pirâmides de cristal no fundo do mar. Pirâmides em todo o lado. Múmia Extraterrestre. Esferas de Klerksdorp. Asteroide 2012 GD5. Diagrama da Teoria da Conspiração. Bandoletes Quânticas. Água Quântica. Asas de Elefantes. Mundo Infestado de Demónios. […]

  3. […] Carl Sagan: “It’s better to light a candle than curse the darkness.” É melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão. Mais vale acender uma vela do que maldizer a escuridão. […]

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