Acima de Deus ?

Já expliquei neste post que num contexto astronómico, não faz sentido o tipo de Deus que muitas pessoas acreditam: um Deus pequenino, mais pequeno que o Universo, com menos poderes que vários extraterrestres imaginados pela ficção científica, de micro-gestão porque não acredita na sua criação, com comportamentos tipicamente humanos, e que leva a atitudes irracionais (contrárias a um Criador que lhes deu um cérebro racional) por parte dos crentes. É uma heresia imaginar um ser criador do Universo desta forma: um ser pequenino que esteja ao nosso serviço.
Grande parte dos deuses que a Humanidade acredita e acreditou pela História, estão nesta categoria: são deuses criados por humanos, fruto da fraca imaginação humana, somente. Do mesmo género das estórias de extraterrestres que falei noutro post: são uma criação humana.

Não estou sozinho nesta minha ideia.
Já há 2500 anos, Xenophanes dizia que não fazia sentido pensar em deuses semelhantes a humanos. Ele até disse que se as vacas pintassem, imaginariam deuses como vacas.
O nosso colaborador Marco Santos aponta na mesma direcção: “O nosso ego é um gigante com pés de barro. E achamos muito reconfortante um sistema de crenças sustentado na delirante ideia de que este mundo foi produzido para nós numa fábrica gerida por um administrador cósmico, supremo e infinitamente benevolente.”
O nosso leitor Cláudio Tereso escreve no mesmo sentido: “Deus é a resposta fácil às perguntas para as quais não temos uma resposta boa e é consequência da nossa dificuldade em aceitar a resposta “não sei”.”

Notem que não se diz que não existe um Criador do Universo. Pode existir ou não. Não se sabe.
O que se põe em causa é que as pessoas pensem que um Criador de um Universo (e logo, estando fora dele), esteja muito preocupado com uma minúscula partícula de poeira no Universo e esteja muito interessado nos humanos. É puro egocentrismo humano. Além disso, um ser dessa grandeza nunca seria como os Humanos, em nada! Logo, quem diz que “Deus é assim ou assado”, está obviamente a mentir, porque a resposta certa é que essa pessoa não sabe nem poderia saber como será um ser que foge a qualquer forma de compreensão humana. As pessoas dizem isso porque acreditam nisso, não porque tenham conhecimento. E sem conhecimento, o que a crença lhes dá é conforto. É-lhes bom para o ego pessoal, mas não para a verdade objectiva.

E porque voltei a este assunto?

Devido a esta entrevista do Stephen Colbert ao padre James Martin.

No final da entrevista, vê-se o Stephen Colbert – que é crente em Deus – a contar uma piada ao padre – que tem conhecimento e sentido de humor.
Colbert: “I have one joke about God. I’d like to try it on you.”
Padre: “Go for it!”
Colbert: “OK. So a guy commits suicide. And he goes to heaven, ok? And he gets to heaven. And God greets him there, and the guy said, «I’m so surprised I’m here. First of all, I thought there was no God. Second of all, I thought if you killed yourself, you know, you were damned forever.» God said, «You know, that’s a complicated issue. Everybody at least thinks about ending it, you know, killing themselves at some point.» And God says, «Even I’ve thought of it.» The guy said, «Can I ask, why didn’t you do it?» And God said, «What if this is all there is?»

Tradução livre: Um homem suicida-se, e vai para o Paraíso. Chega lá e diz a Deus que está bastante surpreendido por 2 razões: pensava que não existia Deus e pensava que o suicídio levava as almas para o Inferno. Deus responde-lhe que o suicídio é um assunto complicado, porque toda a gente já pensou em suicidar-se em algum momento da vida… e Deus diz que até Ele próprio já pensou nisso.
Então o homem pergunta a Deus: E porque não te suicidaste?
E Deus responde: E se só existe isto?

Achei esta piada fantástica.
Porque nos faz pensar em seres muito mais acima dessa concepção que a maior parte das pessoas tem de Deus, que é uma concepção bastante limitada, como eram os diferentes deuses dos Romanos, Gregos, etc. Quiçá até poderemos começar a especular em termos de “outras dimensões”, ou melhor “outros Universos”.
Isto até me faz lembrar a história de ficção científica que publiquei.
Mas a piada vai mais além. Faz-nos pensar nas razões para termos tanto medo do desconhecido, e porque esperamos que haja alguma coisa após a morte. Porque nos achamos tão importantes que temos que nos atribuir imortalidade? A arrogância humana parece não ter limites.

Sobre o que há para lá da morte, seja minha, de vocês, ou de Deus (na piada em cima), eu prefiro o conhecimento do que sei que vai acontecer.
Como disse em comentários aqui pelo blog, sobre os supostos “mediuns” que as televisões veneram porque a iliteracia das pessoas permite-lhes ter audiência:

“Prefiro dar mais valor à vida que à morte. Prefiro acreditar na humanidade em vez de fantasias. Prefiro atribuir valor, mérito, e responsabilidades a quem o tem, e não atribuir responsabilidades a seres invisíveis no céu.
Prefiro saber (ter conhecimento, que é contrário de acreditar) que já fui parte de várias estrelas, que os átomos que me constituem já fizeram parte de estrelas e planetas, e que, quando morrer, este meu ser irá novamente fazer parte de estrelas, planetas, nebulosas, e do Universo no seu todo.
Acreditar que vou-me limitar a vaguear pela Terra, sem sentido, à espera de quem me faça perguntas? Não, obrigado! Essa é uma crença sem sentido e limitadora.
Sei que voltarei aos céus e farei parte da constituição básica, fulcral, do Universo.
Os conhecimentos da astronomia permitem-nos perceber uma espiritualidade abrangente, que nenhuma religião, nem nenhuma crença pseudo, alguma vez lhe chegou aos calcanhares.”

15 comentários

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  1. “O deus de Deus”.

    http://www.youtube.com/watch?v=x8iWvzzDEsE

  2. Que pena que este post me passou despercebido todo este tempo. Só hoje o “descobri” e achei-o mesmo muito bom!

    É mesmo tão fácil ver a coerência das ideias aqui expressas… Parabéns pela forma simples e lúcida com que escreveste isto, Carlos 🙂

    1. Obrigado 😀

    • Renato Romão on 19/06/2012 at 20:54
    • Responder

    Ao ler este post revi-me por diversas vezes. No entanto, realço “…Faz-nos pensar nas razões para termos tanto medo do desconhecido, e porque esperamos que haja alguma coisa após a morte. Porque nos achamos tão importantes que temos que nos atribuir imortalidade? A arrogância humana parece não ter limites.”, pois concordo plenamente.

    Já agora, quando um tema chama à razão as religiões, coloco-me ao lado do Bruno Alves.

    Excelente ponto de vista Carlos. Não é uma questão de razão, mas sim de perspectiva pessoal sobre a vida.

    Abraços.

    1. Obrigado 🙂

      “Não é uma questão de razão, mas sim de perspectiva pessoal sobre a vida.”

      Precisamente.

      Quanto a ter um “homem de barbas em cima da Terra a contabilizar a quantidade de vezes que digo asneiras”, isso parece-me claro que não existe.

      Mas quanto a um ser (ou seres) que tenha(m) criado o Universo, isso nada poderemos dizer, porque estaria muito para lá da limitada compreensão humana.
      Logo, como já disse uma vez ao Cavalcanti, numa “discussão” (entre aspas) que tivemos: “your guess is as good as mine”.

      O que se pode dizer *com certezas* para lá do Tempo de Planck? Nada.
      Por isso tem razão, quando diz que não é uma questão de razão.

      É uma crença pessoal. E nisso, cada qual pode ter a que quiser 😉
      Sou contra é quando uma pessoa tenta impingir-me a sua crença pessoal. 😉

      abraços!

  3. Estou lendo alguns dos seus textos e achei que vc escreve muito bem. Belo desenvolvimento e organização dos pensamentos, parabéns! 🙂

    ps: vc faz parte da lista do CASP, né?

    1. Não sei o que é o CASP…

        • Jaqueline on 19/06/2012 at 20:47

        Ops, então acho que o seu blog já foi indicado lá por algum leitor.

        CASP = Clube de Astronomia de São Paulo.

      1. Jaqueline, leia no final do post, a parte sobre mim 🙂
        Eu não estou em São Paulo 😉

        Eu sou do Porto, Portugal, e trabalho no Texas, EUA 😉

        abraços! 🙂

  4. Adorei o texto Carlos, muito bom.
    É sempre complicado falar de um Deus sem ferir susceptibilidades de quem está a ler.
    E tu de uma forma muito inteligente consegues organizar o texto/ideias de modo a evitar isso.
    Por mais que eu tentasse nunca o conseguiria fazer. sou demasiado radical nestes assuntos. 🙂 por isso os evito sempre. :-))
    Abraço

    1. Obrigado 🙂

      Tenho dias 😉
      Noutros dias sou mais radical… 🙂

      Talvez o facto de ter conhecido já vários Criacionistas, fez-me ver a moderação que existe noutras áreas da religião 😉

      abraços

  5. Durante a segunda guerra uma ilha foi utilizada como ponto de reabastecimento, nela haviam uma tribo, que nunca tiveram contato com a civilização, ao ver um avião, acabaram endeusando ele, hoje a tribo continua a lembrar da passagem do avião, com um cerimonial religioso.
    Alguns casos de mitologia é devido a povos mais cultos chegarem a povos incultos.
    Isto pode ter ocorrido, em todos lugares, planetas, galáxias, algum povo decerto foi o primeiro, e se tornou como que um Deus para outros, e isso pode ter se repetido várias vezes, em escalas diferentes inclusive.

    1. Possível, SE existirem civilizações avançadas no Universo 😉

      é um grande SE 😉

      Ou seja, e se formos a 1ª civilização capaz de viagens espaciais? 😉

    • Flávio Costa on 07/05/2012 at 23:41
    • Responder

    Caro Carlos. Pode ser que o venerado não seja então o Criador, já pensou nisto? Creio que estes textos podem, de alguma forma, contribuir com suas questões. Saudações: http://otestamentodoego.wordpress.com/

    1. Olá Flávio,

      É precisamente essa a minha crítica.
      Não acho que tenha a ver com um possível Criador do Universo, mas todas as ideias sobre Deus são ideias humanas, para venerar o ego humano, fruto de um geocentrismo psicológico limitador que existe nos humanos.
      Um Ser capaz de criar Universos está para além da compreensão humana.

      Faço esta crítica a praticamente tudo… incluindo astrobiologia 😉

      abraços

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  2. […] pessoas que compreendia a espiritualidade quase à perfeição – pois sabia que, ao morrermos, nossos átomos voltariam para o lugar donde vieram: nosso grande, misterioso e fantástico […]

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