E Tudo o Vento Levou (ou quase)

A estrela HD189733, localizada na constelação da Raposinha (Vulpecula), a cerca de 63 anos-luz de distância, mesmo junto à famosa Nebulosa do Haltere (Messier 27), ganhou notoriedade em 2005 quando uma equipa de astrónomos franceses detectou os trânsitos de um planeta. O HD189733b, como é designado, é um planeta gigante do tipo “Júpiter Quente”, com uma massa e raio 10% superiores aos de Júpiter, e com uma temperatura de cerca de 1000 ºC no topo da sua atmosfera. O planeta orbita a estrela hospedeira com uma periodicidade de 2.2 dias, correspondendo a uma distância à estrela de apenas 4.8 milhões de quilómetros. Os seus trânsitos provocam uma diminuição de brilho de 3% na estrela, um recorde até à data. Os trânsitos profundos e o brilho aparente elevado da estrela (magnitude 8), que possibilitam observações com elevada razão sinal/ruído, fazem deste planeta um dos alvos mais apetecidos para quem estuda exoplanetas. A estrela, uma anã de tipo espectral K2, é mais jovem do que o Sol e tem uma actividade magnética intensa, emitindo grande quantidade de radiação dura (e.g., raios X) durante as frequentes erupções.


(A posição de HD189733 junto à nebulosa planetária Messier 27. Crédito: Filipe Alves)

Agora, uma equipa de investigadores liderada por Alain Lecavelier des Etangs, do Paris Institute of Astrophysics, publicou um artigo que descreve os resultados de uma campanha de observações da estrela HD189733 com o instrumento STIS (Space Telescope Imaging Spectrograph) do telescópio Hubble e o XRT (X Ray Telescope) do observatório de explosões de raios gama SWIFT. As observações mostram pela primeira vez, e de forma espectacular, os efeitos de uma erupção violenta da estrela hospedeira na atmosfera de um Júpiter Quente.

Em Março de 2010, Lecavelier des Etangs e a sua equipa tinham já publicado um artigo em que demonstravam que a atmosfera do HD189733b estava a escapar lentamente para o espaço. As observações, realizadas com o telescópio espacial Hubble, mostravam a assinatura de átomos de hidrogénio, provenientes da atmosfera do planeta, sobreposta ao espectro da estrela hospedeira e fora da região de influência gravitacional do planeta. Aparentemente o planeta era seguido na sua órbita por uma ténue cauda de gás que escapava da sua atmosfera. Esta descoberta tornou o HD189733b o segundo planeta para o qual este fenómeno tinha sido observado – o outro é HD209458b.


(O planeta HD189733b e a sua cauda de hidrogénio em trânsito – simulação obtida a partir de imagens reais do Sol. Crédito: NASA Solar Dynamics Observatory)

des Etangs e a equipa voltaram a observar um trânsito do planeta com o STIS em Abril de 2010, mas desta feita não conseguiram detectar a assinatura desta núvem ténue de gás. No entanto, um ano e alguns meses depois, em Setembro de 2011, novas observações com o mesmo instrumento mostraram claramente a assinatura de hidrogénio que havia escapado da atmosfera do planeta. Os investigadores determinaram que cerca de 1000 toneladas de gás estavam a escapar à influência gravitacional do planeta em cada segundo. Os átomos de hidrogénio arrancados à atmosfera do HD189733b atingiam velocidades de 480 mil quilómetros por hora !

Os autores suspeitavam já que os episódios de maior perda de gás da atmosfera do planeta estariam certamente ligados a momentos de maior actividade da estrela hospedeira. Por essa razão, em Setembro de 2011, horas antes de iniciarem as observações do trânsito com o telescópio Hubble, começaram a monitorizar a estrela hospedeira com XRT, o telescópio de raios X a bordo do observatório SWIFT. Cerca de 8 horas antes do trânsito a equipa observou a estrela aumentar o seu brilho em raios-X, que normalmente é já superior ao do Sol, cerca de 3.6 vezes. Os raios X eram provenientes de um “flare”, uma erupção na superfície da estrela que liberta radiação dura e um fluxo de partículas energéticas para o espaço.

A proximidade do planeta à estrela implica que, 8 horas depois, durante o trânsito observado com o telescópio Hubble, o planeta tinha sido já submetido a um fluxo de raios X e partículas energéticas particularmente poderoso. Os autores calculam que o fluxo de raios X a que o planeta foi submetido foi cerca de 3 milhões de vezes aquele a que a Terra é submetida durante uma erupção solar de tipo X, o tipo mais energético. Estes raios X e partículas energéticas ao encontrarem os átomos de hidrogénio no topo da atmosfera do HD189733b transferem para eles parte da sua energia e permitem que escapem à influência gravitacional do planeta, formando a cauda observada durante o trânsito de Setembro de 2011.

Estas observações mostram pela primeira vez, e de forma espectacular, a erosão lenta mas inexorável das atmosferas dos Júpiteres Quentes, expostas que estão ao intenso vento estelar e radiação dura proveniente das estrelas hospedeiras. Podem ver a notícia em inglês aqui e aqui e/ou ver o excelente vídeo que se segue:

Estes resultados aparecerão num número próximo da conceituada revista Astronomy & Astrophysics.

3 comentários

  1. Excelente artigo 🙂

    Preciso ir para esse planeta para ficar com uma “corzinha” de Verão 🙂

  2. Olá,

    Exactamente, e a consequente maior exposição ao vento estelar e radiação energética da estrela hospedeira.

    Abraço

  3. Olá, Luís.

    Magnífico artigo. 😉

    Apenas uma curiosidade: o escape de hidrogênio da atmosfera dos dois planetas que foram observados tais fenômenos tem como causa somente aproximação destes com sua estrela hospedeira?

    Abraços.

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