O nosso ADN é extraterrestre ?

Já há várias décadas que se sabe que os componentes básicos da vida se encontram em meteoritos que caem na Terra vindos do espaço.
Também se sabe que vários desses componentes vieram do espaço, e não se encontram nos meteoritos por contaminação terrestre. Sabe-se que os cometas e asteróides podem transportar esses componentes básicos.
No ano passado, um estudo permitiu até concluir que os meteoritos trazem adenina e guanina, que são componentes do nosso ADN.
Até aqui, nada de “extraordinário”. Sabe-se que o Universo está repleto dos elementos essenciais à vida tal como a conhecemos.

Como é que se passa daqui (de estudos científicos, sobre processos naturais, que levam os constituintes básicos da vida pelo Universo), para o nosso ADN ter sido adaptado por extraterrestres?
Não vos sei dizer, mas certamente que essa passagem só está ao alcance de quem é vigarista ou tão crente em vigaristas que já nem chapéus de alumínio os salvam de fantasias conspiradoras. Para esses, os disparates mais sensacionalistas são sempre mais atraentes que o conhecimento dos factos. Daí estarem sempre a ser enganados por quem não tem escrúpulos – como foi a estratégia de Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler.

Se forem ao Google, só em português existem centenas de milhares de páginas pseudo a difundirem esta parvoíce (em inglês são alguns milhões de páginas pseudo).
Afinal o que se passou?

Segundo a revista UFO:

“Cientistas descobrem genes extraterrestres em DNA humano.

Um grupo de pesquisadores trabalhando no Projeto Genoma Humano fez uma descoberta impressionante. Eles acreditam que 97% do DNA humano que são formados, pelas assim chamadas, “seqüências não-codificadas” são nada menos que códigos genéticos de formas de vida extraterrestres. As seqüências não-codificadas são comuns em todos os organismos vivos da Terra, de células à peixes à humanos. Elas constituem grande parte do DNA humano, diz o professor Sam Chang, líder do grupo.

As seqüências não-codificadas, originalmente conhecidas como “DNA-LIXO“, foram descobertas anos atrás e sua função permanece um mistério. A esmagadora maioria do DNA humano vem de fora do nosso planeta. Esses evidentes “genes-lixo extraterrestres” simplesmente “curtem o passeio” com os outros genes ativos, passando de geração à geração. Depois de abrangentes análises com a assistência de outros cientistas como programadores, matemáticos e outros sábios acadêmicos, o professor Chang se perguntou se o evidente DNA-LIXO humano foi criado por algum tipo de “programador extraterrestre”. (…)

O professor Chang estipula também que “Nossa hipótese é que uma forma de vida extraterrestre superior se ocupou de criar novas formas de vida e de plantá-las em vários planetas. A Terra é apenas um deles. Talvez, após programar-nos, nossos criadores se ocuparam de criar-nos como criamos bactérias em laboratórios. Nós não sabemos seus motivos, se era para ser um experimento científico, ou um jeito de preparar novos planetas para a colonização, ou se é um trabalho de longo prazo de semeação de vida no universo”.
(…)
Chang e seus colegas mostram que as aparentes lacunas no sequenciamento do DNA, precipitadas por uma suposta pressa em criar a vida humana, presenteou a raça humana com o ilógico crescimento desordenado de células que conhecemos por câncer. (…)”

Ao ler este texto, saltam-me algumas coisas à-vista.
Exemplos:
– a utilização da palavra “acreditam”. Crença é oposto a ciência. Logo, se eles acreditam é porque não estão a fazer ciência. Isto não é um estudo científico.
– a utilização constante dos “nossos criadores” que é pura especulação, sem qualquer evidência no estudo (o estudo nem é sobre isso), o que prova que isto não é uma notícia científica, mas é claramente religião disfarçada de ciência.
– ri-me com o cenário criado, dos supostos criadores estarem com “pressa” e isso ter levado à existência de cancro nos humanos. Isto é a falácia da “explicação por cenário”. É uma falácia lógica, que nos permite perceber mais uma vez que não estamos em presença de um estudo científico.
– o assunto “junk DNA” é propício a isto. Ainda levanta muitas dúvidas (apesar de se perceber cada vez melhor, devido aos cientistas) e proporciona que os vigaristas se aproveitem da falta de informação das pessoas. Por exemplo, imaginem que não sabiam como a electricidade aparece nas vossas casas. A electricidade seria assim um mistério para vocês. Faziam a experiência de colocar os dedos numa tomada e apanhavam choque. E assim tiravam a conclusão que, se não sabem donde esse choque veio, então só podem ter sido extraterrestres a mandar-vos a electricidade pela tomada. Enfim…
– não sei quem é o professor Chang, mas é muito estranho não haver qualquer menção à Universidade a que ele deveria pertencer. Trabalha em casa?
– é extremamente estranha a referência a outros elementos do grupo, não pelos seus nomes e trabalhos, mas sim com a expressão “outros sábio académicos”.
– e, finalmente, um sinal que se está na presença de uma vigarice qualquer, é que nem existe a ligação para o artigo científico ou para um sítio cientificamente credível.

Curiosamente, a mesma revista UFO num outro artigo desmascara este.
Nesse outro artigo, a revista escreve:

“(…) Afinal, o que é real e qual parte foi sensacionalizada? Originada em meados de 2007, a “revelação” na verdade nada mais é do que a mistura de fatos reais com interpretação de texto manipulada.
(…)
Realmente, cerca de 97% de nosso DNA, chamado de íntrons ou DNA-lixo permanece insolúvel – os 3% codificados são chamados de éxons. A grande maioria dos especialistas trabalhava neste campo sob a lei de uso e desuso, de Lamarck, na qual explicaria esta fantástica sobra como sendo resquícios de um DNA que fora utilizado no passado e atualmente seria irrelevante, atrofiado pela inutilização;
No entanto, considerando-se o mesmo uso e desuso, o DNA-lixo não deveria estar mais ali (muito menos com 97%), pois o próprio organismo o descartaria pela adaptação e evolução. Atualmente, sabe-se que os íntrons são essenciais e muito mais importantes e ativos do que se imaginava;
Neste sentido, novos trabalhos acadêmicos vêm levando adiante pesquisas abordando e testando o contrário, ou seja, o “lixo” poderia ser o conteúdo que ainda não utilizamos e estaria “adormecido”, esperando a oportunidade de ser acionado (através de centenas de milhares de anos e suas gerações, não num estalar de dedos, obviamente). Seria um componente da evolução futura e não pregressa.
(…)
Logo de início, encontramos um personagem, o “professor Sam Chang”, do qual nao há referência alguma – de que universidade? Qual instituto/entidade? Equipe de onde? – além das fontes as quais o citam envolvido nas declarações do texto. Não há informação oriunda de fontes confiáveis ou oficiais sobre Chang. Existem centenas de homônimos e, numa busca básica, o retorno nos leva a (pasmem!) 168 milhões de resultados envolvendo Sam Changs pelo mundo. Fica aparentemente claro que tal nome foi propositalmente inserido ao enredo;
Constatado este erro, gravíssimo – um pseudo cientista, não localizável – automaticamente desmonta toda a história, mesmo que seja baseada em teorias e estudos científicos reais. Perde completamente qualquer validade;
(…)
Já a péssima idéia de citar células cancerígenas no enredo, para chamar a atenção, foi infeliz e inoportuna. Cientistas ETs, com muita pressa e perdendo o prazo da “meta do mês”, teriam dado um “jeitinho brasileiro” e acabaram nos presenteando com cânceres variados! A patogenia, incluindo as celulares e genéticas, seriam então “dádivas” alienígenas? Melhor nem comentar;
(…) tornando-se mais um hoax ou fake virtual, indo direto para lixeira de qualquer internauta um pouco informado sobre o tema. (…)”

Deixem-me realçar que isto é uma revista que teria todo o interesse em prolongar a falsidade da notícia, já que eles têm a crença (oposto ao conhecimento) de que os OVNIs são extraterrestres. Mas não o fizeram. De forma inteligente, colocaram a verdade acima das suas próprias crenças e ideologias, e assim procuraram chegar à verdade. Esta foi uma atitude louvável, e contrária a todos os outros que divulgaram a falsa notícia original enganando os seus leitores só porque colocam as suas ideologias/crenças acima do conhecimento dos assuntos.

este site fez uma pesquisa mais profunda. E o que encontrou, foi isto:

“(…) Encontramos a notícia repetida em enorme número de sites e blogs, mas quase todos da linha ufoesquisotérica. Nenhum site de Ciência ou de jornalismo sério tomou conhecimento do assunto, e assim não existem as fontes independentes para confirmação. Também não foi possível confirmar a existência do Dr. Sam Chang, pois seu nome só aparece vinculado a essa notícia.
(…)
Dois nomes aparecem vinculados ao suposto trabalho do Dr. Chang : Dr. Lipshutz e Dr. Adnan Mussaelian, este último da República Soviética da Armênia. Não foi possível confirmar a existência de nenhum dos dois. Veja o link (notem que o texto é datado de junho/2005).
(…)
Mas a origem do material que estamos analisando parece ter sido um blog canadense que em janeiro/2007 divulgou um artigo do Sr. John Stokes intitulado “Scientists find extraterrestrial genes in human DNA”. Veja o link.
(…)
Depois desse começo desastrado tentando dar um respaldo científico ao assunto, o(s) autor(es) se denuncia(m) ao terminar o texto citando como apoio o trabalho de conhecidos nomes da linha ufoesquisotérica : Brad Steiger, Francie Steiger, George Adamski, Orfeo Angeluci, George Van Tassel, Howard Menger, Paul Villa, Billy Méier, Alex Collier, Zecharia Sitchin, Erich von Daniken e Michael E. Salla.
Esqueceram de incluir na lista o mexicano Victor Manuel Gómez Rodriguez (pseudônimo “Samuel Aun Weor”) e o peruano José Rosciano (pseudônimo “Yosip Ibrahim”), que teria desfrutado de uma interessante estadia em Ganimedes, com as despesas de transporte e hospedagem por conta dos ETs.
Como o trabalho desses senhores se resume a histórias fantasiosas ou nos melhores casos, a especulações não comprovadas (se comprovadas, deixariam de ser especulações), nenhuma credibilidade é acrescentada, pelo contrário.
(…)
Disso tudo só podemos concluir que alguém, ao tomar conhecimento do “DNA-lixo” teve a idéia de criar essa história de DNA extraterrestre misturado ao nosso. O truque é sempre o mesmo : um “mistério” é inventado e uma explicação sobrenatural ou ufológica é apresentada. Aparentemente sempre existe um grande número de pessoas dispostas a aceitar prontamente essas fantasias.
(…)
Apesar do apelido “DNA-lixo”, os cientistas reconhecem que esse DNA tem sua importância. Um bom exemplo é o trabalho da bioquímica Chi-Hing C. Cheng e sua equipe da Universidade de Illinois, que demonstraram que o gene responsável pela substância anticongelante presente no sangue de peixes da Antártica evoluiu de uma seção de DNA-lixo pertencente ao gene de uma enzima digestiva. A propósito, se você colocar no GOOGLE o nome dessa bioquímica, encontrará seus trabalhos, ao contrário do “Professor Chang”.
(…)
A Ciência avança sempre de maneira sóbria e objetiva; fantasias delirantes como o DNA extraterrestre não pertencem a ela.”

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10 comentários

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  1. Sobre a questão da visita extraterrestre inteligente em nosso planeta despertar tanto a imaginação das pessoas, lembrei-me de um episódio que ocorreu faz pouco tempo: recomendei à um colega, engenheiro, que se inscrevesse no curso de “Astrobiologia e a Busca por Vida Extraterrestre” da Organização COURSERA. Quando disse que o curso não seria bem o que ele estava pensando, como por exemplo, o estudo das 49 fictícias raças extraterrestres visitando-nos, greys e seus hipotéticos encontros com governos, entidades EBE mostrando, de seu aparelhinho cósmico, passado, presente e futuro, não foi nenhuma surpresa vê-lo desapontado diante da ementa do curso.

    Sobremaneira, as pessoas não querem fatos: querem sonhos.

    Excelente artigo, Carlos. 🙂

  2. venho desejar sucesso ao blog, que continue sendo este entusiasta das questões universais, sempre trazendo conteúdo relevante e conhecimento para os leitores, como eu. Me chamo Eduardo, sou brasileiro, do Rio de Janeiro, e parabenizo pelo excelente trabalho. Abraços!

    1. Obrigado! 🙂

    • nelson lopes dos santos on 06/09/2012 at 03:52
    • Responder

    eu digo o seguinte,o homem que sabe muito sobre extraterrestre ja morreu, seu nome (dino kraspedon) que nunca poderia ter inventado, alias, ter escrito um livro sobre tal fato la pelos idos de 1957, pois naquele tempo nem papel higienico existia, e tem mais escreveu um livro muito rico em detalhes, pensem bem!!

    1. http://pt.wikipedia.org/wiki/Dino_Kraspedon
      O Aladino Félix era mais um que simplesmente copiou ideias já muito antigas, de outros vigaristas que dessa forma ficaram famosos na época.

      Já há 300 anos atrás, o Swedenborg dizia estar em contacto com extraterrestres, de todos os planetas no sistema solar (só conheciam até Saturno na altura), e até apanhava boleia nas naves para ir viajar até esses planetas (ele não sabia, na altura, que alguns planetas nem superfície têm).
      Pouco depois havia já muita gente a dizer que estavam em contacto com Marcianos, com histórias ricas em detalhes, sobre a forma dos marcianos (parecidos connosco), a sua ciência, a sua arte, a sua tecnologia, as suas florestas, as suas cidades, etc… Como se sabe, é tudo mentira!

  3. Uma estadia em Ganimedes, com as despesas de transporte e hospedagem por conta dos ETs?
    Eu também quero!!!

  4. E a questão do Junk DNA está já a ficar para trás com as descobertas do projecto ENCODE http://www.nature.com/doifinder/10.1038/489052a

    1. Não conhecia. Obrigado!

  5. O meu conhecimento é pequenino mas gostei de lêr. Abraço

  1. […] Martins (colisão de cometas). Meteoritos. Yamato 000593. Richard Hoover. Chandra Wickramasinghe. ADN extraterrestre. Vida na estratosfera (crítica, investigação). Vida na troposfera. Vida veio de Marte. […]

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