Terá o Curiosity detectado água na cratera Gale?

Anda a circular na internet desde anteontem a notícia de que o Curiosity encontrou água na cratera Gale. De acordo com o sítio onde foi divulgada em primeira mão esta novidade, o DAN (Dynamic Albedo of Neutrons), um instrumento de origem russa que viaja a bordo do robot, terá detectado quantidades significativas de água no local onde o Curiosity poisou. A surpreendente revelação é atribuída ao Prof. Igor Mitrofanov, o investigador principal do Instituto de Investigação Espacial da Rússia responsável pelo instrumento.

Localização dos dois componentes do instrumento DAN no corpo do Curiosity. O gerador de neutrões  encontra-se instalado no lado direito do robot (lado visível na imagem), enquanto que o respectivo detector se encontra no lado oposto.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.

Enfim…  Disparate. De facto, o DAN foi testado pela primeira vez, com sucesso, no local de amartagem do Curiosity no passado dia 17 de Agosto. Os resultados do teste foram divulgados numa conferência de imprensa da missão 4 dias depois pelo Prof. Mitrofanov. No entanto, ninguém na conferência anunciou que o instrumento havia detectado água no local de amartagem. Na verdade, o DAN é incapaz de o fazer!

Resultados obtidos pelo DAN no local de amartagem do Curiosity a 17 de Agosto de 2012. A vermelho está representado o perfil de emissão de neutrões detectado pelo instrumento no solo após este ter sido atingido por pulsos de neutrões com energias equivalentes a 14 MeV. A linha azul mostra o resultado de um teste ao instrumento realizado na Terra antes do lançamento da missão. A semelhança entre os dois perfis demonstra que o DAN se encontra a funcionar de acordo com o esperado.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Russian Space Research Institute.

O DAN é um espectrómetro de neutrões concebido para medir a abundância e a distribuição vertical (até a um máximo de 2 metros de profundidade) de materiais que contenham na sua estrutura molecular grupos -H e -OH. O seu funcionamento baseia-se no princípio de que quando os neutrões colidem com os atómos de hidrogénio, ressaltam com um nível de energia característico. Para detectar os átomos de hidrogénio no solo marciano, o DAN bombardeia a superfície por baixo do robot com pulsos de neutrões energéticos, mede a energia dos neutrões que ressaltam, e calcula a fracção que exibe o nível de energia correspondente ao hidrogénio.
Em Marte, a grande maioria do hidrogénio subsuperficial encontra-se sob a forma de gelo de água. No entanto, nas latitudes da cratera Gale, o gelo de água não consegue resistir por muito tempo próximo da superfície, pelo que o mais provável é que o DAN não tenha detectado água mas sim minerais hidratados, materiais com moléculas de água e iões de hidroxilo ligados à sua estrutura cristalina.

6 comentários

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  1. Vejam que bárbaro o trabalho de Bard Canning, que não é da NASA mas que trabalhou quatro semanas nas fotos da descida para gerar esse filme em HD.

    “You can now watch Curiosity land on Mars in crisp, clear HD”

    http://dvice.com/archives/2012/09/you-can-now-wat.php

    1. Excelente 🙂

  2. Obrigado Sergio e Manel.

    • Manel Rosa Martins on 13/09/2012 at 14:20
    • Responder

    Os neutrões verificam a evolução termal e dos elementos leves como o Hidrogénio nas camadas logo abaixo da superfície. o Dan é, tal o instrumentos GranD da missão Dawn, uma máquina de fotografias de partículas, também com a capacidade de detectar outros elementos mais pesados e assim conhecer a constituição e o historial dos solos.

    Sérgio, deixo aqui um link interactivo para o funcionamento dum espectrómetro de neutrões, para podermos ver o seu funcionamento. A calibragem das energias correspondentes aos elementos leves foi realizada no Dan em parcerias entre os Institutos Russos e as Universidades britânicas, num excelente exemplo de cooperação entre diferentes países do planeta Terra. :))

    Também este aspecto é bem importante, na exploração espacial há muito mais cooperação e trabalho em equipas do que noutras actividades, com ganhos mútuos e para toda a humanidade em aplicações na medicina e nas energias limpas.

    Os micro-processadores desenvolvidos para estes aparelhos reduzem muito os custos de aparelhos de radiografias hospitalares e sugerem a sua afinação para energias baixas, muito menos intrusivas para os pacientes e muito mais eficazes na qualidade das imagens disponibilizadas para os médicos.

    http://dawn.jpl.nasa.gov/technology/GRaND_inter.asp

    1. Olá Manel,

      Pois é. Enquanto escrevia o post, recordei-me da nossa conversa no ano passado (se não estou em erro) sobre o GRaND. São de facto máquinas fascinantes não só em termos de funcionamento como também dos resultados que produzem. 🙂

  3. Lá está, o valor da informação. Obrigado, Sérgio.

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