Nobel da Física 2012 consagra Física quântica.

Na verdade, a disciplina que ganhou o Prémio deste ano foi a óptica quântica, e a metodologia chama-se “das cavidades quânticas cromo-dinâmicas.”

Armadilha de Paul à esquerda, para Iões de Berílio e Cavidade quantum cromodinâmica para Fotões, à direita.

Mas, pergunta muita e boa gente, afinal o que quer dizer isso de quântica, de quantas?
Muito boa pergunta, pois os quantas são as quantidades mínimas de espaço, portanto onde cabem, os fenómenos da energia.

Vamos lá agora ver o que quer dizer energia, energia quer dizer trabalho, acção, portanto os quantas são umas quantidades mínimas abaixo das quais não é possível somar 1 mais 1, porque não cabe lá dentro.

E o que é que define esse mínimo, essa entidade tão pequenina?

Muito bem, isso é o comprimento de Planck, um grande cientista que foi buscar Albert Einstein ao seu emprego de funcionário de escritório e o convidou para os trabalhos da Ciência. Vejam lá no que deu, como Einstein percebeu tão bem como trabalho é Energia!

E o comprimento de Planck é 1,60 cm, um metro e sessenta centímetros.

Esperem lá, isso começa bem mas não chega, isso ainda é muito grande.

Ah, pois, desculpem, divide-se esse metro e sessenta por 10 e dá 16 centímetros. Depois outra vez e dá 1,6 centímetros. Bem, para ser um pouco mais breve e claro, divide-se 1,60 metros por 10 consecutivamente 35 vezes, e já fica mesmo muito pequenino.

Mas que raio tem isso que ver com Energia?

Bem, se tiverem uma folha de papel com 1,60 m (pode ser de celofane) e dobrarem pela metade isso é fácil, requer pouca energia, os braços chegam.

Depois se a dobrarem outra vez pela metade precisam de aplicar mais força, e assim sucessivamente quando a dobram mais vezes.

Podem experimentar com uma simples folha de A4.

Digam depois nos comentários quantas vezes, ou quantas interacções, conseguiram dobrar a folha.

Para ser sincero não fiz estas contas de forma apurada, mas assim informalmente julga-se que quando dobram a folha pela 11ª vez vão precisar da energia duma bomba atómica para a dobrar outra vez.

O que, convenhamos, não seria muito prático.

Então como conseguem os cientistas observar e manipular estas “dobras” tão pequeninas, estes fotões, estes átomos, estes quantas?

De facto é muito difícil, tanto assim que os seus descobridores (e as suas equipas) ganharam o Premio Nobel da Física de 2012.

Sejamos desportivos, muita gente pensava que seria Peter Higgs a vencer já este ano, mas o Nobel não premeia descobertas muito recentes, faz bem que é para dar tempo para se confirmar os dados todos dessas descobertas.

Os dois cientistas conseguiram capturar e manipular partículas quânticas de forma muito precisa.

Conseguiram isolar estes sistemas (um átomo é um sistema) do mundo do muito pequeno, afim de manterem – durante muito pouco tempo – estas partículas e os ambientes pristinamente quânticos para se poder estudar as suas propriedades.

Pois é, caso um simples e tão pequeno fotão fugisse do aparato o sistema colapsava para aquilo que vemos no nosso dia a dia, para o mundo do muito grande, e a Física quântica, coitada, ficaria apenas a ser um edifício teórico muito bonito.
Mas eles, cheios de coragem e de determinação, baseando-se em muitos estudos e muitas descobertas suas e dos seus colegas, lograram trazer a Física dos Quantas para a experimentação verificável.

Tão bem o fizeram que são as descobertas com maior precisão de todas, uma precisão que ultrapassa  a dum relógio atómico de Césio!

E como o fizeram? Se bem que se encontrem semelhanças nas 2 abordagens e nas suas técnicas, em termos práticos e experimentalistas foram observados 2 sistemas muito diferentes.

1)    David J. Wineland e os Iões numa armadilha.

 


São utilizados feixes de Laser para suprimir a deslocação térmica dos iões dentro da armadilha, e com o intuito de se medir e de se controlar o ião aprisionado.
Os eléctrodos mantêm os iões de Berílio dentro da armadilha de Paul

 

Não se refere na literatura quanto tempo se consegue manter os iões neste estado quântico muito bizarro , mas como os iões são átomos electricamente carregados e o Berílio só é atraído por um campo magnético externo e não acumula  o magnetismo é o elemento ideal para este átomo electrificado se manter isolado das próprias ferramentas de manipulação dos cientistas.

Outros colegas, baseados na sua experimentação semelhante, referem que o ião de Be se manterá nesta superimposição digna do gato de Schroedinger (vivo e morto ao mesmo tempo) durante 1/10 de segundo.

Isso é uma eternidade, uma verdadeira idade geológica em Física de partículas.

“Os iões podem ser observados através de transições ópticas que resultam numa forte dispersão da luz quando eles são excitados por um laser. Podem ser vistos a olho nu ou através duma máquina fotográfica digital (CCD).  E o que é mais, o estado interno do ião (isto significa por exemplo saber se há electrões desemparelhados) pode ser estabelecido pela observação dos saltos quânticos (por exemplo se os electrões vão para as posições orbitais muito especificas que a teoria prevê, e vão).”
É fundamental e incontornável também arrefecer-se o sistema para o mais baixo nível de energia do aparato da armadilha de Paul ( é o nome desta armadilha) e isso implica o que parece um paradoxo.

É que o preceito técnico exige que o ião seja excitado, aumentando a sua energia interna e diminuindo a sua energia vibratória. Por simples contas de somar e de diminuir apuram-se com extrema precisão as propriedades físicas do sistema, com um bónus maravilhoso disso poder vir a ter aplicações muito práticas.
Mantém-se a assim a coerência de todo o sistema.
Atentem nesta palavra, coerência, (link em inglês, mais completo), o mundo do dia a dia é por natureza incoerente, e aqui no muito pequeno esta metodologia permitiu finalmente observar um sistema totalmente coerente.

Esta metodologia e a dos

2)  Fotões numa cavidade

Haroche e a sua equipa na Universidade de Yale usaram 2 espelhos muito sofisticados* para capturar um fotão.

nota* vejam na hiperligação o “tipo de espelho primário.”

De seguida, enviaram átomos entre esses espelhos para sondar o comportamento dos fotões.

Reparem neste detalhe, átomos e fotões, o mesmo que dizer matéria e energia, e apuraram com tremenda acuidade as características de ambos, do sistema, e das interacções que nele ocorrem.

De novo, afinando meticulosamente os comprimentos de onda dos fotões, da cavidade onde estes estavam isolados e a dos átomos utilizados na sua sondagem comportamental, conseguiram não perturbar o sistema – no sentido de não colapsar a sua coerência – e obter:

a) Um tempo de vida do sistema assombroso para esta dimensão, cerca de 130 ms (millisegundos).

b) Uma medição da oscilação da cavidade que regista um factor Q de 10 elevado a 13, 10^13.
Aqui um explicação mais detalhada do Factor Q, também conhecido como factor de selectividade. Atentem na segunda definição.

Por comparação um diapasão de afinação musical oscila a menos de 1000 Hz, 10^3. Podem por aqui ir afinar o som:

http://www.onlinetuningfork.com/

Vejamos então bem visto,

Diapasão = 1000 (10^3)
Relógio atómico de césio = 100 000 000 000 (10^11)
Cavidade quanto cromo dinâmica = 10 000 000 000 000 (10^13)

significa que se pode contar o tempo 100 vezes melhor do que com um relógio atómico!

Como se não bastasse, observaram assim um emaranhamento entre a cavidade (digamos o ambiente, ou este pequeno universo) e as partículas estudadas, os fotões.

esta simples palavra, fotões, tem implicações tremendas.

Fotões bem conhecidos com este nível de precisão e entrelaçados com o próprio sistema onde evoluem significa:

Melhores raios x  (menos intrusivos, com radiações muito mais baixas e imagens muito melhores).

E, tremendo feito, fizeram o primeiro passo fundamental para o futuro computador quântico.

Construíram 2 qubits.


O que nos reserva o futuro? Pois vamos usar a excelente análise do The Economist sobre este passo, e cito, com a devida autorização:

Babbage The economist

Um computador digital vulgar manipula a informação sob o formato dos bits, que satisfazem o valor 0 ou 1. Estes valores são representados dentro do computador por voltagens eléctricas diferentes.

Os trabalhos dos Doutores Haroche e Wineland possibilitam a utilização doutras propriedades das partículas, como os níveis de energia dos iões, para construírem uma entidade semelhante (análoga, embora digital)  ao bit tradicional – o qubit.

Por seu turno, o emaranhamento permite que sejam adicionados mais qubits. Cada qubit extra dentro duma máquina quântica duplica o número de operações que podem ser realizadas em simultâneo.

Dois qubits emaranhados permitem 4 operações, três permitem oito; e assim sucessivamente. (Nota- O máximo que neste momento se atingiu são 16 operações.)

Teoricamente, um computador quântico com capacidade de processamento de 300 qubits poderá desempenhar mais operações em simultâneo do que o número de átomos existentes no Universo.

Nascimento dos átomos no Universo, uma estimativa calcula este número de átomos:
1.43×10^53 kg

 

Ainda estamos longe desse feito, mas estes dois grandes cientistas construíram os 2 primeiros alicerces desta tecnologia.
Para eles, com todo o mérito, o Prémio Nobel da Física de 2012.

Podem verificar a literatura do comité do Nobel:
Popular
Avançada  
Dar os parabéns aos laureados

Nota final: hoje é um dia emocionante para todos os que gostam de Física Quântica. A título pessoal o que mais me impressionou nestes trabalhos foi a questão do diapasão musical, porque ela prova que a Música é matemática, como o disseram Leibniz ou Espinoza, como o formularam Pitágoras, e Bach com a sua notação.

Por aqui se vê bem e sem margem para hesitações como os Professores e o Ensino de Música são essenciais para um bom ensino de Ciências.

Como nós todos quando estamos a cantar estamos a exclamar formulas matemáticas extremamente complexas sem sequer darmos por isso.

Por esse ratio, por essa razão, e para extravasar, confesso, a minha alegria, deixo-vos com uma canção que nos diz que quando conhecemos as notas podemos cantar tudo.

Fica como justíssima homenagem a todos os Professores e Professoras de Música, neste dia muito feliz para a Física dos Quantas.

Do Ré Mi

7 comentários

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    • Renato Romão on 11/10/2012 at 21:32
    • Responder

    Sem deixar de ser leigo, sinto-me cada vez “menos leigo”, por aceder ao conhecimento no astroPT através de post’s como este.
    “A título pessoal o que mais me impressionou nestes trabalhos foi a questão do diapasão musical, porque ela prova que a Música é matemática, como o disseram Leibniz ou Espinoza, como o formularam Pitágoras, e Bach com a sua notação.”, recomendado por um amigo, há uns tempos atrás tinha lido isto: http://cmup.fc.up.pt/cmup/polya/ProjectoDescMatMusica/livroactivmatmus.pdf
    Magnifico! 😉

      • Manel Rosa Martins on 12/10/2012 at 02:28
      • Responder

      Muito Obrigado pelo espantoso documento “Descobrir Matemática com a Música” do Centro de Matemática Universidade do Porto. A notação de Bach até é bonita só por si, Bach foi, bem ao seu estilo, um dos melhores Matemáticos de sempre. Na pág. 26 a 9ª Sinfonia de Beethoven também é incrível :))

        • Bruno Alves on 12/10/2012 at 21:14

        Excelente artigo! Como sempre. Abraço

  1. Obrigado, Manel, por este artigo. Está excelente. 😀

  2. Magnífico artigo Manel.

    😉

  3. Excelente, Manel 🙂

    • rita pinto leite on 11/10/2012 at 01:18
    • Responder

    Parabéns Manel, Muitos Parabéns por este absolutamente fantástico artigo. Depois de 3 meses a ouvir falar de Física Quântica, com este artigo fiz um Clique 🙂 percebi que a quântica é uma medida e com isso, simplifica e muito o meu raciocínio. Além disso, fiz uma fantástica viagem de aquisição de conhecimento para no final poder compreender verdadeiramente a fantástica descoberta a que se deve este Prémio Nobel
    Mais uma vez parabéns e obrigada por dedicares tanto do teu precioso tempo a explicar tão bem a maravilha do que é a Ciência a Leigos como eu 🙂

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