Indícios da presença de fluídos hidrotermais num meteorito proveniente de Marte

Imagem de microscopia electrónica de transmissão mostrando depósitos de argilas e de carbonatos numa fractura no interior do meteorito Lafayette (largura da imagem correspondente a 50 µm).
Crédito: University of Leicester.

Cientistas britânicos descobriram indicíos de que a superfície marciana poderá ter albergado num passado recente fontes hidrotermais potencialmente habitáveis. Usando dados mineralógicos do meteorito Lafayette (um meteorito de origem marciana pertencente ao grupo dos nakhlitos), John Bridges e Susanne Schwenzer criaram um modelo termoquímico que explica a presença e a composição dos precipitados que preenchem as fracturas existentes no seu interior. De acordo com o trabalho dos dois investigadores, os depósitos encontrados nas fracturas de Lafayette formaram-se a partir de fluídos hidrotermais saturados ricos em dióxido de carbono, com abundância de nutrientes e em condições de temperatura favoráveis à proliferação de vida microbiana, tal como a conhecemos.
Os nakhlitos são um grupo de rochas ígneas formadas há 1,3 mil milhões de anos, a partir de fluxos superficiais de magma basáltico, numa das grandes planícies vulcânicas do planeta vermelho. Depois de sofrerem cristalizações intersticiais e outras modificações químicas, os nakhlitos foram ejectados pelo impacto de um objecto na superfície de Marte há cerca de 10,75 milhões de anos. Nos últimos 10 mil anos chegaram à Terra, pelo menos, 8 exemplares, caindo em regiões tão distintas como a Antártida e o Norte de África. O meteorito Lafayette é o que contém a maior quantidade de registos da presença de fluídos hidrotermais no seu interior, pelo que foi escolhido pelos dois investigadores britânicos como fonte de dados para a elaboração do seu modelo.
Observações realizadas através de microscopia electrónica mostram que as fracturas de Lafayette estão preenchidas com unidades mineralógicas formadas em sequências distintas. Nas margens das fracturas encontram-se finas camadas de precipitados de carbonatos de ferro e de cálcio, seguidas de depósitos de esmectite e de serpentinas (minerais argilosos) ricos em ferro. No centro dos veios figuram fases amorfas de esmectite.
De acordo com o novo modelo de Bridges e Schwenzer, Lafayette terá estado, inicialmente, em contacto com um fluído saturado rico em dióxido de carbono, aquecido a temperaturas entre os 150 e os 200ºC. Nessas condições terá ocorrido a precipitação dos carbonatos de ferro e de cálcio no interior dos grânulos de olivina, entretanto erodidos por dissolução acídica. À medida que o pH foi evoluindo para condições neutras e básicas, e a temperatura do fluído foi descendo até aos 50ºC, deu-se a precipitação das esmectites e das serpentinas ricas em ferro, seguindo-se uma rápida precipitação do gel amorfo rico em esmectite. Estas transformações terão ocorrido há menos de 670 milhões de anos, num período relativamente recente da história de Marte, e terão gerado durante algum tempo um ambiente habitável com condições semelhantes a algumas fontes hidrotermais de origem vulcânica existentes na Terra.
Podem ler mais sobre este trabalho aqui e aqui.

4 comentários

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  1. Muito obrigado pela disposição em esclarecer-me sobre estas dúvidas. Agora ficou tudo mais claro.
    Acho que fica meio confuso quando a mídia em geral coloca que um dos principais objetivos das missões não tripuladas ao planeta vermelho é encontrar água.
    Abraço.

  2. Muito bom. A geologia, a biologia, e a química neste caso se unem para tentarem decifrar como deveria ser a composição de Marte. A propósito, é um pouquinho fora de contexto desta postagem, mas poderia, se possível, e por gentileza, me responder a duas dúvidas minhas:
    1) Já se sabe qual a porcentagem de água congelada nas calotas polares de Marte, em relação ao total correspondente aos demais componentes, como o dióxido de carbono, por exemplo?
    2) Até que ponto esta água poderia ser aproveitada para suprir a necessidade de uma tripulação de prováveis e futuros exploradores, durante alguns meses?

    Desde já agradeço qualquer contribuição neste sentido.

    1. Olá Jairo,

      Excelentes perguntas. 😉
      Aqui estão as respostas:
      1. A situação é diferente nos dois pólos. Dados obtidos pela Mars Express indicam que a água corresponde a 15% do volume total da calote polar presente no pólo sul de Marte (ver: http://www.esa.int/Our_Activities/Space_Science/Mars_Express/Water_at_Martian_south_pole), sendo que o restante é dióxido de carbono. No pólo norte, o gelo é constituído quase na totalidade por água. De acordo com os dados do instrumento SHARAD da Mars Reconnaissance Orbiter, a água totaliza mais de 95% do volume da calote do pólo norte (ver: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2008GL036326/abstract).
      2. As medições do SHARAD indicam que a calote polar do pólo norte é constituída por cerca de 1,6 milhões de quilómetros cúbicos de água quase pura (o correspondente a metade do gelo existente na Gronelândia). A mesma quantidade é encontrada na calote do pólo sul. Noutras latitudes existem certamente depósitos de água subsuperficiais, provavelmente com volumes suficientes para as necessidades de uma missão tripulada (dependendo obviamente da profundidade a que se encontram). Os indícios da sua presença estão espalhados nos barrancos que ocasionalmente se formam nas vertentes interiores de diversas crateras e nos depósitos minerais observados pelos robots Spirit e Opportunity.

    • Manel Rosa Martins on 19/11/2012 at 20:38
    • Responder

    Este trabalho de investigação da Prof*Drª Susanne Schwenzer da The Open University e do seu colega faz as delícias de quem gosta de Ciências Planetárias.

    http://www8.open.ac.uk/science/physical-science/planetary-space-sciences

  1. […] Meteoritos. ALH 84001. MIL 090030. Metano ausente. Passado frio e seco. Vales Subterrados. Fluídos hidrotermais. Água a fluir em Marte. Lago na cratera Gusev. Lago na cratera Gale. Aram Chaos. Esperance. […]

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