Frankenweenie e a Ciência

Sparky

O romance original de Mary Shelley, Frankenstein ou o Moderno Prometeu, foi publicado pela primeira vez em 1818, dando origem a várias adaptações posteriores. Por vezes a criatura criada por Frankenstein é representada como um monstro abominável e perigoso, outras vezes, como um ser incompreendido e injustamente perseguido pelos humanos que temem o desconhecido. Mas um tema quase sempre recorrente é o perigo de “brincar aos deuses” sem pensar nas consequências, seja pela “cegueira” da arrogância e ambição, ou pela simples falta de ética. A criatura representa assim o produto dos “pecados” de Frankenstein, que mais tarde ou mais cedo voltam para perseguir o cientista. O filme Frankenstein (1931) de James Whale, apesar de não ser o primeiro filme sobre a história e de possuir diferenças relativamente ao romance original de Shelley, acabou por ter uma grande influência na versão da história mais prevalente no imaginário popular.

Frankenweenie é apenas mais uma das adaptações do romance de Shelley e o terceiro filme de animação “stop-motion” de Tim Burton. O filme conta a história de Victor Frankenstein, um jovem introvertido que perdeu o seu cão e que decide ressuscitar o seu melhor amigo através da ciência. Ao início ele tenta esconder tudo em segredo, mas eventualmente os seus colegas acabam por descobrir e tentam reproduzir a experiência com o intuito de ganhar uma feira de ciência, acabando assim por criar vários monstros que aterrorizam a cidade. Mas para saberem como acaba terão de ver o filme. É uma história que permanece fiel à ideia de que do grande poder advém também uma grande responsabilidade, sem contudo diabolizar a ciência como algo inerentemente mau.

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Uma das minhas personagens favoritas no filme é o professor de ciências do jovem Victor, o Senhor Rzykruski, um emigrante da europa de leste que possui uma maneira única e apaixonada de ensinar ciência aos seus alunos. No entanto, os pais não gostam das coisas que ele ensina e sobretudo das experiências e perguntas que as crianças começam a fazer, acabando por ser despedido da escola.


Aqui ficam dois diálogos do Senhor Rzykruski que achei interessantes:

Senhor Rzykruski na reunião de pais:

“[…] Vocês não entendem a ciência e por isso têm medo dela. Como um cão tem medo de trovões ou balões. Para vocês a ciência é magia e bruxaria porque têm umas mentes tão pequenas. Eu não posso tornar as vossas cabeças maiores, mas posso pegar na cabeça dos vossos filhos e abri-las. É isto que tento fazer, chegar ao cérebro deles!”

Senhor Rzykruski em diálogo com Victor:

“Na minha terra toda a gente é cientista, até o meu canalizador ganhou o prémio Nobel. O teu país não produz cientistas suficientes, precisa sempre de mais. Tu devias ser cientista Victor”. “Ninguém gosta de cientistas” – diz Victor. Ao que Rzykruski responde – “Eles gostam do que a ciência lhes dá, mas não das perguntas, não, eles não gostam das perguntas que a ciência faz”.

Gostei da personagem porque fala de assuntos que abordamos frequentemente aqui no blog. Existem pessoas que têm um medo patológico da ciência, seja por medo daquilo que não conhecem e não compreendem, seja por incapacidade de separar a ciência, enquanto uma ferramenta, das acções de pessoas que abusam dela por benefício próprio. Por exemplo, as pessoas que têm medo dos transgénicos chegam a usar a expressão “Frankenfood” ou “comida Frankenstein” numa clara alusão aos mesmos medos retratados na história. Já outras pessoas sentem indiferença ou até desprezo em relação à ciência, todos os dias utilizam os produtos que a ciência lhes dá mas não conseguem fazer a conexão entre as duas coisas, não entendem que todos esses produtos tiveram origem na simples mas admirável curiosidade humana (como aliás escrevi aqui anteriormente).

Mas sobretudo, como comentou a personagem, muitos não gostam das perguntas incómodas que a ciência faz, especialmente quando põem em causa crenças, preconceitos e sobretudo o nosso egocentrismo inato, que ainda hoje se encontra na base de muitas das tretas que aqui falamos. Desde a astrologia que afirma ler “o nosso” futuro nas estrelas, passando por terapias duvidosas supostamente “centradas no paciente”, até aos extraterrestres sempre de “aspecto humanóide” (tal como a maioria dos nossos deuses). O próprio pai da ciência moderna, Galileu Galilei, descobriu isso ao por em causa a ideia de que éramos o centro do Universo. E mais tarde várias senhoras da alta classe vitoriana desmaiaram ao saber, pela obra de Charles Darwin, que afinal não eram nada de especial e até tinham parentes distantes bastante cabeludos.

As pessoas gostam de ter um computador alimentado por electricidade e ligado à internet para poderem ler o seu horóscopo, mas não gostam que lhes perguntem «como é suposto isso funcionar?». O mesmo método que deu origem a todos esses produtos, que podemos comprovar que funcionam, é o mesmo que diz que a astrologia não pode de maneira nenhuma funcionar. Não é perfeito, não oferece as certezas absolutas que tantos procuram, mas tem o invejável registo de estar enganado muito menos vezes do que qualquer outro método alternativo. E quando tal acontece, existe espaço para a humildade de aceitar a crítica e a correcção. Assim é, ou pelo menos aspira a ser, o método científico – “a coisa mais preciosa que nós temos”. E é por isso que são precisos muitos mais senhores Rzykruski para mudar as mentalidades.

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