“Julgava coisas do outro mundo”

Antes de mais, deixem-me dar uma nota introdutória: este artigo, obviamente, não pretende gozar com a notícia em si (que é grave) nem sequer com a entrevistada (que não tem culpa). No entanto, como sabem este blog não é um mero blog de astronomia, mas nós também fornecemos educação científica, alertamos para mentalidades menos claras, corrigimos reportagens erradas sobre ciência, reflectimos sobre a cultura científica na população, etc.

Ora, é precisamente sobre cultura científica que vou falar aqui. Ou mais especificamente, sobre a mentalidade de alguma população que se deixa levar pela irracionalidade, em vez de pensar a partir daquilo que é mais provável ser correcto.

No passado dia 30 de Março de 2013, estava a ver o Jornal da Noite na SIC, e vi a reportagem sobre o aumento da criminalidade no interior de Portugal.
Vou-vos pedir para verem esta reportagem, e tentarem detectar algo “anormal”.

Não viram nada?

ok. Tornem a ver, mas concentrem-se na altura de tempo 1:20.

A senhora que foi entrevistada diz isto: “Julgava coisas do outro mundo. Não pensava de gatunos.”

Eu não sei o que a senhora quer dizer com “coisas do outro mundo”. Mas interpreto pelas palavras que, ao ouvir alguns barulhos estranhos em casa, a senhora terá pensado que se tratava talvez de fantasmas ou extraterrestres.

A mentalidade da senhora é mais comum do que normalmente se pensa. Aliás, se olharmos para os números da literacia científica na população (6% em Portugal), percebemos que esta mentalidade é predominante: em face de algo “estranho” muita gente prefere acreditar que se trata de algo extraordinário, em vez de racionalmente aceitar que a resposta é simples.
Por isso é que eu digo no topo deste artigo que este meu texto não é sobre a senhora, mas sim sobre um tipo de mentalidade frequente em todos nós que infelizmente denota irracionalidade.
Em presença de vigaristas ou até de honestos mágicos, nós preferimos pensar que aquilo que não compreendemos é devido a “conhecimentos ocultos” em vez de assumirmos que estamos a ser enganados através de técnicas simples.

Neste caso específico, em presença de barulhos que ela não conseguiu imediatamente identificar, a senhora imediatamente pensou que seria mais provável serem fantasmas ou extraterrestres. Para a senhora, gatunos não seria provável.
Ou seja, neste mundo, a senhora assume que é mais provável existirem extraterrestres e fantasmas do que ladrões…

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