Relatividade Geral

Este artigo é como que uma continuação do artigo da semana passada, Relatividade Restrita, pelo que poderá ser conveniente lerem esse outro artigo primeiro.

Um dos postulados das leis de Newton diz que se temos um corpo sujeito a uma força, se esta força deixar de atuar, então o corpo adoptará um movimento rectilíneo uniforme, ou seja, segue um trajeto recto com velocidade constante (supondo que não exista nenhuma força a atuar sobre o corpo). Ou seja, se tivermos um planeta em órbita em torno de uma estrela, se supusermos que a estrela “desaparece”, segundo as leis de Newton o planeta deixará imediatamente a sua órbita elíptica e tomará um trajeto recto. Ora, Einstein tinha postulado que nada se propaga a velocidade superior à da luz, logo o planeta não poderia “saber” instantaneamente que a estrela tinha deixado de existir e, portanto, “tinha que alterar a sua órbita”, por outras palavras: desde que a estrela deixara de existir até o planeta alterar a sua trajetória teria que decorrer um certo tempo, no qual o planeta permaneceria na sua órbita como se a estrela ainda lá estivesse.

Isto significa que de algum modo existe uma “rede de informação” que une todos os corpos e que esta informação não viaja a velocidade infinita, neste caso, essa rede é a própria gravitação, a qual também está de acordo com a relatividade restrita.

Um outro problema inerente à Teoria da Gravitação Universal de Newton e que levou Einstein a acreditar que esta teria que estar errada (note-se que a Teoria de Newton tinha sido esmagadoramente confirmada, sem que houvesse realmente motivos para a questionar), era o facto de que esta explicava como funcionava a gravidade, mas não o que era exactamente a gravidade. Pode-se comparar ao facto de sabermos usar uma televisão, sem no entanto compreendermos a tecnologia envolvida.

O primeiro grande passo dado por Einstein, no estudo destas ideias, foi pensar que a força gravítica produzia uma aceleração em tudo igual à de um movimento acelerado (ou seja, a força que nos “prende” ao chão, é em tudo igual àquela que sentimos, por exemplo, quando carregamos no acelerador do carro e somos impelidos para trás). A isto se deu o nome de Princípio de Equivalência, que foi exprimido pelo próprio Einstein em 1915 do seguinte modo:

“Nós iremos portanto assumir a completa equivalência física entre um campo gravitacional e a correspondente aceleração de um sistema de referência. Esta hipótese estende o princípio da relatividade especial para sistemas de referência uniformemente acelerados.”

Uma implicação deste princípio é que, por exemplo, se consiga fazer a seguinte experiência: vamos supor que eu queria ir dar um passeio pelo espaço, mas, no entanto, queria permanecer com o meu peso inalterável. Sem o contributo de Einstein dizer-me-iam que era impossível, que o meu peso iria inevitavelmente diminuir à medida que me distanciava da Terra e voltaria ao valor “normal” assim que voltasse. Pois isso é falso, teoricamente é possível adequar a aceleração da nave espacial de modo a compensar a diminuição e aumento da aceleração gravítica – na descolagem ter-se-ia que aumentar a aceleração da nave, no regresso proceder-se-ia a uma desaceleração, o que de resto poderiam supor pela experiência do dia-a-dia (como antes referido): quando vão de carro e aceleram, sentem uma força aplicada sobre vós que vos “cola” às costas dos acentos do carro…

Pode parecer que esta descoberta é algo insignificante, mas foi a partir daqui que Einstein pôde progredir para a Relatividade Generalizada, isto porque o conceito de gravitação parecia um pouco misterioso, mas o mesmo já não se passava com o movimento acelerado que era algo bastante mais concreto para se estudar.

Como sabem, um movimento acelerado caracteriza-se pela variação do vector velocidade (para quem não sabe o que é um vector, imaginem que é uma seta virtual que indica quão depressa um dado objecto se move, bem como a sua direção no espaço). Refiro vector, porque não tem que ser necessariamente a intensidade a variar (ou seja, o valor da velocidade), podendo ser apenas a sua direção. Neste contexto, temos o exemplo simples do movimento circular uniforme, em que uma partícula descreve uma trajetória circular a velocidade constante, mas visto que a trajetória é um círculo, o vector velocidade altera-se em direção a cada instante (a aceleração deste movimento é bem conhecida – é a razão entre a velocidade ao quadrado e o raio da trajetória circular descrita). Se supusermos que esta velocidade é suficientemente elevada para que se tenham em conta os efeitos relativísticos, como já sabem, haverá distorções nas distâncias, mas quais? Obviamente que são aquelas ao longo da trajetória da partícula, por outras palavras, se se medisse o perímetro a baixas e altas velocidades, os valores não iriam coincidir! Mas isto é apenas o que nos diz a Relatividade Restrita, no entanto, repare-se que fica uma questão no ar: e os raios? Como o raio é sempre perpendicular à trajetória, ou melhor, é sempre perpendicular à velocidade instantânea do movimento, não sofre os efeitos relativísticos, como tal o seu valor não é alterado. Surge então a questão: a relação conhecida há já milénios de que o perímetro sobre o diâmetro é igual a uma constante chamada pi, ou como é mais frequentemente conhecida a fórmula: P= 2πr, não é uma relação geral, visto que no caso estudado em cima o perímetro sofreu uma alteração, enquanto o raio permaneceu inalterável?!

Einstein responde a esta questão do seguinte modo: essa relação só é válida para referenciais planos (Euclidianos), portanto, se estes estiverem distorcidos/ curvados, o valor dessa razão já não será a mesma constante. A ideia é facilmente visualizada se se tentar imaginar um círculo desenhado sobre a superfície de uma esfera, ou de modo similar, compreender que a soma dos ângulos internos de um triângulo desenhado numa superfície curva não terá que ser os conhecidos 180º, sendo possível, por exemplo, desenhar um triângulo com três ângulos rectos.

Esta explicação de Einstein traz implicações incríveis e revolucionárias: um movimento acelerado distorce o espaço à sua volta! Consequentemente, a própria gravitação produz o seu efeito nos corpos ao induzir deformações no espaço envolvente (ao corpo com massa que está a produzir o efeito gravítico).

Como se pode depreender, não é apenas o espaço que é “alterado”, já que a Relatividade Restrita tornou inseparáveis o espaço e o tempo, pelo que se um é afectado pela Relatividade Geral, o outro também deverá sofrer alterações.

O que será isso de tempo deformado? Não será com certeza simples ter uma ideia visual desta deformação, como se pode fazer para o espaço. De qualquer forma, consideremos o exemplo de há pouco, alterando-o apenas no aspecto de em vez de ter uma partícula que circula em torno de um ponto, seja antes uma pessoa munida de relógio que desenha essa trajetória agarrado a uma corda (raio constante será o comprimento da corda). Se a pessoa comparar intervalos de tempo medidos pelo seu relógio enquanto viaja agarrado à corda, com um outro relógio que tenha estado em repouso, como já se prevê, irá verificar que o seu relógio mediu menos tempo. Se entretanto, ele se lembrar de repetir a experiência, mas tendo cortado um pouco da corda, de modo a ficar mais próximo do centro do movimento, irá descrever a trajetória circular com uma maior aceleração (ainda que possa ser com igual velocidade), de acordo com a equação anterior, pelo que os efeitos relativísticos serão maiores. (O que é equivalente a aproximar o objecto de um campo gravitacional.)

A forma tradicional de visualizar a nova conceptualização da gravidade enunciada por Einstein, é associar o espaço a uma membrana bidimensional, como um lençol esticado, sobre a qual se distribuem os corpos – consoante a sua massa, maior será a distorção induzida na membrana. No entanto, é bom que se tenha em mente que esta forma representativa tem os seus contras, como é o facto de ser apenas bidimensional, quando na verdade habitamos um mundo tridimensional (desprezando o tempo, para não complicar ainda mais), pelo que a perturbação não será apenas em duas dimensões, mas sim em três; por outro lado, note-se que eu escrevi massa e não peso, pois na verdade a massa é que é a característica intrínseca do corpo que dá origem ao peso, o qual surge involuntariamente nesta analogia, pois é através deste que numa representação real o corpo irá deformar o tal lençol. Sendo assim, será bom não cair no erro crasso e redundante de pensar que um corpo deforma o espaço por causa do seu “peso”, quando na verdade esse “peso” é que surge da deformação do espaço (ou seja, a causa e a consequência, estão trocados na analogia)!

Existem também imagens para a deformação do tempo, mas dada a sua complexidade, não me parece pertinente discuti-las aqui.

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Mais uma vez será bom relembrar que os efeitos relativísticos não são facilmente observáveis no nosso dia-a-dia, tanto os da Relatividade Restrita, como os da Relatividade Geral. Einstein, não satisfeito por ter criado uma das mais belas teorias até aí descobertas, quis saber se ela estava em concordância com a natureza, por isso inventou também uma experiência para a comprovar: durante o próximo eclipse solar, quando a Lua estivesse a “tapar” a luz do Sol, ir-se-ia medir o ângulo que um raio de luz (os fotões apesar de não terem massa, viajam, como qualquer outra partícula, pelo espaço) era desviado da sua “rota inicial” ao passar junto do Sol. Como é óbvio, Einstein teve que pensar numa experiência com o Sol representando o papel principal, pois este era o corpo simultaneamente mais próximo e suficientemente maciço para criar um efeito relativístico observável com a instrumentação disponível no tempo dele. O ângulo medido foi de cerca de 0.00049º (para se ter uma ideia, este ângulo é igual ao de uma moeda posta na vertical, vista de uma distância de aproximadamente 3 km). Como podem supor, a experiência foi um sucesso, confirmando esta fantástica teoria e dando a Einstein a popularidade que conhecemos. (Na verdade a experiência teve que ser várias vezes repetida: da primeira vez o tempo, nuvens, e a 1ª Guerra Mundial foram um impedimento, da segunda vez não se confiou plenamente nos dados do Eddington, pois ele tinha motivos pacifistas para comprovar a teoria de Einstein, pelo que só à terceira foi de vez! Por outro lado, a precisão dos aparelhos de medida da altura era de qualidade bastante discutível, pelo que já só depois de Einstein morrer é que a teoria foi verificada sem margens para dúvidas.)

3 comentários

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  1. Boa noite.

    Depois de ler este brilhante artigo sobre relatividade, fiquei a pensar seriamente numa ou duas questões, sendo uma delas a que mais me levanta o cabelo e que, claro, gostaria que me fosse respondida.

    “Se a pessoa comparar intervalos de tempo medidos pelo seu relógio enquanto viaja agarrado à corda, com um outro relógio que tenha estado em repouso, como já se prevê, irá verificar que o seu relógio mediu menos tempo.”

    A minha dúvida nesta alínea é: Se tivéssemos a capacidade de viajar a uma velocidade igual ao superior à da luz, isso quereria dizer que então, de certa forma, iríamos conseguir viajar no tempo? Por ex: Se fizéssemos uma viagem de 10 anos pelo espaço numa nave espacial a uma velocidade constante de 300.000. km/s, o tempo decorrido em repouso na terra seria muito maior!? Quando voltássemos à terra já teria passado muito mais que 10 anos do que o que era descrito na nave enquanto viajava?
    Desculpem a minha ignorância,

    Aguardo uma resposta
    Atenciosamente

    Nuno Nebel

    1. Penso que este artigo poderá responder às suas dúvidas, já que penso que estará a perguntar pelo fenómeno conhecido como Dilatação do Tempo 😉
      http://www.astropt.org/2009/01/31/teoria-da-relatividade-dilatacao-do-tempo/

      abraços

        • Nuno Nebel on 26/03/2014 at 14:15

        Obrigado Carlos.

        Li cuidadosamente o artigo e tudo bate certo.

        Abraços e continuação do excelente trabalho.

  1. […] Fontes: ScienceNews, Presentation, artigo científico, Relatividade Geral […]

  2. […] os nossos sentidos naturais: na escala do muito grande surge-nos a Relatividade Restrita e Geral de Albert Einstein que descreve distorções no próprio “tecido” do espaço-tempo; […]

  3. […] nuclear. (Eddington é mais conhecido pela sua famosa experiência de verificação da Teoria da Relatividade Geral de […]

  4. […] Bohr. Cassini. Maxwell. Horrocks. Curie. Feynman. Ibata. Manning. História da Ciência. Einstein: Relatividade Geral, Relatividade Restrita, vídeo, velocidade da luz, Efeito Fotoeléctrico, Equação, café. […]

  5. […] menos o “potencial” da teoria. Em primeira instância é uma tentativa de unificar: Teoria da Relatividade Geral com Mecânica Quântica, como alternativa ao “Modelo Padrão” (ver O Mundo das […]

  6. […] Geral, em que a gravidade não era mais que uma consequência do curvar do espaço-tempo, ver Relatividade Geral. Neste caso, a dimensão extra servia exactamente para incorporar “à força” a carga […]

  7. […] actua sobre tudo! Até mesmo sobre a luz que não tem massa (de repouso), como se viu no artigo da Relatividade Geral. (A fórmula indicada em cima vem da teoria clássica, a qual ainda não previa este facto. Não […]

  8. […] Segundo Einstein e a sua Teoria Geral da Relatividade, existe uma certa geometria que caracteriza o espaço-tempo do universo. Uma das grandes previsões desta teoria é que a gravidade e a forma da geometria estão intimamente relacionadas. A deformação que uma estrela pode provocar nesta geometria pode ser visualizada de um modo prático do seguinte modo: imaginem um lençol (estrutura do espaço-tempo), em seguida coloquem uma esfera de chumbo sobre o lençol (representa a estrela), a deformação do lençol representa a nova geometria do espaço-tempo devido à presença da estrela (ver artigo sobre a Relatividade Geral). […]

  9. […] complementar os dois artigos sobre a Teoria da Relatividade de Einstein: Relatividade Restrita e Relatividade Geral, vou agora discutir uma questão que talvez seja do vosso conhecimento: Einstein não gostou que a […]

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