Teoria do Caos

Creio que todos já devem ter ouvido falar do “efeito borboleta”, e da célebre frase que diz que um bater de asas de uma borboleta aqui, pode provocar um tufão do outro lado do mundo.

Digamos que tudo começou quando Edward Lorenz, em 1961, estudava um modelo simples de convecção de um fluído (parte de um estudo sobre previsibilidade meteorológica). Ele descobriu algo que à primeira vista poderia indicar falta de engenho de si próprio para conseguir chegar a uma resposta mais satisfatória, que não esta: era impossível prever o comportamento deste sistema!

(Quem desconhecer cálculo diferencial, passe à frente desta parte a vermelho.)

O Modelo de Lorenz (agora conhecido por este nome, por razões óbvias) pode-se resumir ao seguinte sistema não linear de 1ª ordem:

(x, y e z são variáveis que não possuem significado físico directo; r é proporcional ao gradiente de temperatura aplicado.)

Proponho-vos que não tentem resolver à mão, mas se dispuserem de um programa de simulação matemática (Matlab, ou Mathematica, por exemplo), poderão representar graficamente a dependência entre estas variáveis:

borboleta

(Com σ=10, b=8/3 e r=60.)

Foi a partir de uma imagem semelhante a esta, que Lorenz “conheceu” pela primeira vez a “borboleta”.

Mas porquê que Lorenz afirmou que este sistema era impossível de prever? Como se pode confirmar facilmente a partir de meios computacionais, uma ínfima alteração nas condições iniciais do sistema, significam uma alteração total nas soluções deste a médio/ longo prazo. Ou seja, para se conseguir ter uma previsão com 100% de certeza, seria necessário uma precisão infinita na medição das grandezas implicadas, algo, que como sabem é impossível, visto que todos os aparelhos de medição têm sempre um erro associado, (para não falar que o Principio da Incerteza de Heisenberg também não o permite).

Daqui surgiu o conceito de caos.

Para não pensarem que por causa deste último argumento, a teoria se torna totalmente inútil:

“Em 19 de Fevereiro de 1998, computadores do sistema de previsão de tempestades tropicais dos Estados Unidos diagnosticaram a formação de uma tempestade tropical sobre Louisiana em três dias. Sobre o Oceano Pacífico um meteorologista daquela agência descobriu que havia uma pequena diferença nas medições executadas, e que estas poderiam prever uma pequena diferença no deslocamento das massas de ar. A diferença foi detectada através de uma movimentação do ar em maior velocidade na região do Alasca. Em função das diferenças, houve uma realimentação de dados nos computadores, estes refazendo os cálculos previram que a formação da tempestade tropical em Lousiana não ocorreria, mas haveria sim a formação de um tornado de proporções gigantescas em Orlando, na Flórida, o que realmente ocorreu em 22 de Fevereiro de 1998.”

Recapitulemos, portanto, de que se trata a Teoria do Caos – esta teoria tenta explicar fenómenos que “naturalmente” classificaríamos de casuais, mas que na verdade podem ser testados, verificados e simulados, apesar da sua previsão ser um pouco fortuita por si própria (como o caso descrito em cima). Os casos mais conhecidos da sua aplicação são em fenómenos meteorológicos, como já referido, variações na bolsa, crescimento de populações (tendo um habitat limitado), sismologia – movimento das placas tectónicas, entre outros. Em todos eles o “aleatório” é feito de uma multiplicidade de possíveis acontecimentos, estando estes constantemente a mudar e, por isso, podendo provocar efeitos diversos. (Matematicamente são sistemas dinâmicos não-lineares).

Talvez de um modo paradoxal, ou lógico, dependendo da perspectiva, estes sistemas caóticos, como o descrito pelas equações de Lorenz, tendem para uma “trajectória” fixa, quando observamos em simultâneo todas as variáveis (três, no caso do sistema de Lorenz). A isto se chama um atractor estranho, pois as “trajectórias” das variáveis são atraídas para uma só, mas de um modo “estranho”, porque se se observar apenas o comportamento de uma variável ao longo do tempo, parece que esta se comporta de forma aleatória.

O que é um atractor?

Um atractor é o que normalmente se observa num sistema não caótico: independentemente das condições iniciais do sistema, as finais serão sempre as mesmas, podendo-se portanto prevê-las com 100% de certeza. Consideremos por exemplo um pêndulo: independentemente da altura com que o larguemos, ele tenderá inevitavelmente para a posição de equilíbrio, acabando por parar nela (tende para este ponto de uma forma também bem definida, através de oscilações de amplitude sucessivamente menor, devido à resistência do ar). No caso do sistema caótico, também existe um atractor (estranho), mas este só é visível no chamado “espaço de fase”, que caracteriza o comportamento das variáveis não em função do tempo, mas em função das outras variáveis presentes. (No gráfico de cima, tem-se o ‘x’ em função de ‘z’, que são duas variáveis do sistema, sendo possível observar parte do padrão que é visível quando consideradas as três variáveis em simultâneo num gráfico 3D.)

Agora já devem estar a perceber porquê que falava eu em paradoxo: apesar de o sistema ter uma previsibilidade (quase) nula “ponto a ponto”, quando se analisa o problema no seu número total de dimensões (3, no caso do sistema de Lorenz, sendo que 3 é o número mínimo de dimensões que o sistema tem que ter para ter caos), este parece ser determinístico e não aleatório. Em termos práticos, o problema está muitas vezes em conseguir analisar em simultâneo todas as “dimensões”, além de, como referido, haver a limitação na precisão das medidas.

Associado a tudo isto estão os famosos fractais (mesmo que desconheçam a palavra, certamente que já tiveram oportunidade de os apreciar).

Nos atractores estranhos, no seu detalhe gráfico, pode ser visualizada uma auto-similaridade, ou seja, é um objecto geométrico que sendo dividido em partes, cada uma delas é igual à original, o que não é mais que a definição de fractal.

Os fractais são muito comuns na natureza, como podem comprovar se tiverem em atenção certos padrões em folhas de plantas, flores, certos fungos, etc.. Aliás, até uma floresta é um fractal – ainda que uma pequena parte desta não seja exactamente igual a uma grande porção “visualmente”, a verdade é que tem a mesma característica matemática que define o fractal (dimensão fractal).

Uma planta: Brócoli Fractal

Deixo-vos ainda outros exemplos:

Conjunto de Mandelbrot:

Outros obtidos computacionalmente:

Aplicações da Teoria

Na Matemática, esta teoria abriu um novo campo de estudo de sistemas de equações não-lineares. Veio também revolucionar o estudo estatístico. Os fractais abriram também novos horizontes na Matemática computacional, tendo trazido uma nova forma intuitiva de olhar para o conceito abstracto de infinito. De certo modo, o estudo de fractais deu início à “verdadeira” Matemática computacional, a Matemática que não tem solução analítica.

Na Física, conceitos como entropia (medida da desordem de um universo) puderam ser desenvolvidos, tendo também havido progressos em Mecânica Quântica, nomeadamente no Princípio da Incerteza de Heisenberg. O próprio conceito de Caos tem potencial para ser encontrado em cada vez mais sistemas físicos, pois os sistemas não-lineares são cada vez mais matéria de intenso estudo em Física.

Em Astronomia não faltam sistemas caóticos, sendo o sistema solar um exemplo, contendo dentro dele vários exemplos: porquê que na cintura de asteróides entre Marte e Júpiter nunca se formou ali um planeta com esses asteróides? A teoria do Caos está intimamente relacionada com a resposta. De facto, basta a existência de três corpos a interagirem entre si para que o Caos possa aparecer.

Na Biologia tem-se usado esta teoria para fazer previsões em relação à evolução genética que se verificará na Terra. (Muito provavelmente já viram na televisão programas sobre espécies futuras que habitarão a Terra, pois bem, estas previsões fazem-se com base em Teoria do Caos.)

Na Sismologia, embora a Teoria do Caos, como já referido, não ofereça a possibilidade da previsão de sismos, devido à pouca precisão dos instrumentos que dispomos, tem permitido a cartografia de falhas sísmicas, através do estudo da distribuição caótica da localização e intensidade dos sismos.

Na Medicina, com base nesta teoria descobriu-se que o bater do coração é também um fractal, em que se houver uma pequena fuga ao fractal, o bater deixa de ser perfeitamente periódico, o que deverá significar que o paciente deva estar com insuficiência cardíaca. (Muitos outros exemplos são expectáveis de ser encontrados, bastará certamente que se esteja à procura de Caos.)

Em Ciências Humanas e Ciências Políticas tem-se usado a teoria para tentar prever o comportamento de multidões.

Na Economia, como já referido anteriormente, a Teoria do Caos permite estudar o evoluir dos valores na bolsa: embora a longo prazo as taxas possam parecer evoluir de um modo totalmente aleatório, tal não é verdade (volto a sublinhar que um processo caótico é estritamente diferente de um processo aleatório); por outro lado, analisando detalhadamente a curto prazo, é possível vislumbrar indícios de fractais na evolução da bolsa. (Em 1997, dois americanos receberam o Prémio Nobel da Economia por terem conseguido desenvolver uma fórmula que permite prever aplicações financeiras, com base, claro está, na Teoria do Caos.)

Na Linguística, a evolução dos dialectos tem sido estudada com base na Teoria do Caos.

Na Arte, as influências estéticas são ainda difíceis de determinar, tal é a ruptura com os padrões clássicos que estas descobertas potenciam. A geometria fractal revolucionou o realismo visual, sendo usada na criação de imagens espectaculares e de mundos bizarros para jogos, animações e filmes, com detalhe variável de acordo com a escala, evitando a pixelização. E é impossível determinar os avanços que os meios computacionais cada vez mais potentes auguram.

No Cinema, a aplicação de uma metodologia que envolve fractais tem revolucionado os filmes de ficção científica, dando-lhes muito mais realismo, uma vez que computacionalmente já é possível desenvolver cenários “do nada”, ou melhor, da Matemática fractal. Um bom exemplo disto está no filme Avatar, em que os cenários, como é óbvio, foram todos criados computacionalmente (ainda que certas partes possam ser composições do real com o “criado”).

 

5 comentários

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  1. Existe um número que é utilizado bastante pela natureza em diversos momentos (a sequência de Fibonacci), como na formação dos caracóis.
    Mas também em flores, cristais e até mesmo no nosso corpo.
    Também é muito utilizado para a formação dos fractais.

    Mas oq queria dizer, é que “ela” esta fortemente relacionada com o funcionamento do nosso universo e nossas dimensões..
    Talvez “num outro universo” com “suas próprias dimensões” outros “números” possam ter essa “funcionalidade”

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    Outra coisa, é que queria agradecer ao Caos, graças a ele que existimos e .. certamente .. que somos diferentes uns dos outros..

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    E agora meu lado poético.

    O efeito é derivado da causa ou o caos?

    1. Suponho que se esteja a referir primeiro ao número de ouro e depois ao número de Feigenbaum. São constantes diferentes. É preciso ter algum cuidado com aquilo que se lê e se vê sobre a razão dourada, porque muitas vezes trata-se de uma visão forçada. É certo que pode ser encontrado na natureza, mas não em tudo aquilo em que é publicitado. (Um dia destes escreverei um artigo sobre isso.)

      Quanto à afirmação de existirmos porque existe caos… Eu diria de outra forma: o facto de a natureza permitir a nossa existência só é possível se a mesma produzir também caos. Pode parecer semelhante, mas é diferente.

      Finalmente, eu discordo um pouco da tua veia poética. 🙂 Caos e causa não são mutuamente exclusivos. O efeito pode ser determinado por uma causa determinística, caótica ou aleatória.

  2. Já vi que é uma constante, mas tem algum significado?

    1. Olá Jorge,

      Não tem significado físico, é apenas um parâmetro do modelo (tal como o ‘b’).

  3. então e a letra sigma? O que significa? Nada é dito sobre o que significa na fórmulas iniciais. Só diz algo sobre x, y e z.

  1. […] canal Nerdologia fala sobre a teoria do Caos na previsão do tempo e não […]

  2. […] pode oscilar entre tantos valores que o sistema se torna caótico. Como expliquei no artigo sobre a Teoria do Caos, um sistema caótico tem a propriedade de ser imprevisível, porque uma pequena alteração nas […]

  3. […] a noção de dimensão fractal (D). (Recordo que já falei de fractais nos seguintes artigos: Teoria do Caos e A Mitologia e a Verdade da Razão de Ouro.) Até Mandelbrot a dimensão de um espaço era […]

  4. […] Como podem constatar, as folhas de um feto são auto-similares, à medida que comparam diferentes escalas. (Ver mais sobre fractais no artigo sobre a Teoria do Caos.) […]

  5. […] a Física Quântica. Aplicações da Física Quântica. Mundo Quântico. Fractais. Teoria do Caos (explicação, documentário, […]

  6. […] químicas). Desenvolveram-se também conceitos importantes que foram mais tarde desenvolvidos na Teoria do Caos. Verificou-se uma relação de correspondência entre o movimento browniano e fenómenos de […]

  7. […] exactos sobre o sistema, é impossível de prever o seu comportamento; ver o meu post sobre a Teoria do Caos). Por fim, pode antes ser estocástico, o que significa simplesmente que é impossível prever com […]

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