A sonda Voyager 1 saiu do sistema solar? Não!

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Em Setembro passado, a NASA publicou um artigo a dizer que a sonda Voyager 1 tinha saído do sistema solar (leiam aqui, aqui e aqui).
A cada 6 meses temos uma notícia similar sobre a Voyager 1. O motivo é sempre o mesmo: marketing.

Infelizmente, a falta de sentido crítico levou à disseminação de informação sensacionalista um pouco por todo o lado, quer na internet quer nos jornais quer na televisão.

Posteriormente, a NASA corrigiu a informação, dizendo que a Voyager 1 saiu do meio interplanetário (entre planetas) para entrar no meio interestelar (entre estrelas), mas ainda dentro do sistema solar. As inúmeras entrevistas dadas por investigadores do JPL (NASA) foram também nesse sentido, de corrigir a informação inicial.
No entanto, nessa altura o “mal” já estava feito, e as agências noticiosas não quiseram saber dessa correcção.

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Deixem-me ser claro: a Voyager 1 não deixou o sistema solar!

No entanto, isto é uma questão de definição, que não é científica, mas é somente uma convenção humana.
A sonda Voyager 1 está num local novo. Pela primeira vez, uma máquina feita por humanos chegou ao meio interestelar, ou seja, um local onde o plasma (gás ionizado) tem uma densidade consistente com a densidade do plasma no meio interestelar. Assim, chegou a uma zona onde não está sob o efeito do vento solar.
No entanto, continua sob a influência gravitacional do Sol.

Notem que não existem barreiras, muros, paredes, ou fronteiras no espaço.
O sistema solar não está delimitado por uma rede e estacas, como se fosse um quintal. Simplesmente, existe um enfraquecimento gradual do campo magnético do Sol, uma diminuição gradual do vento solar e um aumento gradual das partículas energéticas vindas do exterior. Não existe um ponto onde se possa dizer: aqui é o fim. As mudanças são graduais.

Este é um caso semelhante à extensão da atmosfera terrestre.
Oficialmente, por convenção, assume-se que o limite da atmosfera é 100 km acima do nível médio do mar. A Estação Espacial Internacional mantém uma órbita de cerca de 400 km de altitude. Está, assim, no espaço. No entanto, está ainda dentro daquilo que consideramos como termosfera. A atmosfera é demasiado débil, praticamente inexistente, no entanto ainda existem algumas moléculas no ar que fazem com que a estação espacial perca altitude, devido à resistência do ar.
Apesar disto, neste caso, assume-se que a Estação Espacial Internacional está no espaço.

Já no caso da Voyager 1, ela ultrapassou finalmente as fronteiras da heliosfera, deixou de sentir as partículas energéticas vindas do vento solar e passou a sentir um número maior de raios cósmicos provenientes do espaço interestelar. Juntamente com isto, a sonda detectou agora uma mudança na direcção do campo magnético. Este era o terceiro sinal (explicado aqui) que denota a entrada no meio interestelar (entre estrelas). Este é o primeiro objecto humano a deixar para trás os ventos solares e a entrar numa zona diferente do Universo. Pela primeira vez, temos uma sonda a explorar o espaço interestelar.

heliosfera

No entanto, ainda sofre os efeitos da gravidade do Sol. Mais do que isso, a Voyager 1 está mais próxima do Sol que a hipotética Nuvem de Oort e até que o afélio do planeta-anão Sedna. Sendo que quer Sedna quer a teórica Nuvem de Oort fazem parte do Sistema Solar, então é óbvio que a Voyager 1 também está dentro do Sistema Solar.

A Voyager 1 está a mais de 126 U.A. (Unidades Astronómicas) – quase 19.000 milhões de quilómetros – de distância do Sol. Podem ver a distância a aumentar a cada segundo, aqui. A informação que a sonda nos envia (sinal de rádio), demora quase 18 horas para chegar até nós!
Sedna, um dos corpos rochosos do nosso sistema solar – como Plutão, Terra, Lua, etc -, viaja em volta do Sol numa órbita tão elíptica, que por vezes está a somente 76 U.A. do Sol e outras vezes está a 937 U.A. do Sol. Esta sua órbita (o seu ano) em volta do Sol demora cerca de 11.400 anos!
Ou seja, deixem-me realçar isto: a Voyager está a cerca de 126 U.A. de distância do Sol, enquanto o planeta-anão Sedna está grande parte do tempo muito mais longe do que isso e por vezes chega mesmo a estar a uma distância superior a 900 U.A. do Sol. E Sedna faz parte do sistema solar.

Quando Sedna está a mais de 900 U.A. de distância do Sol, continua dentro do sistema solar.
A Voyager 1 precisa de percorrer 7 vezes mais a distância que já fez para poder atingir a distância que Sedna atinge aquando do seu afélio.

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Refiro Sedna, que está tão longe, mas mesmo assim Sedna está ainda muito longe dos limites do sistema solar.
Por convenção, entende-se que a “bolha” do sistema solar tem por fronteira a hipotética Nuvem de Oort. A Nuvem de Oort estende-se desde cerca 2.000 U.A de distância do Sol até cerca de 100.000 U.A. de distância do Sol. O limite externo da Nuvem de Oort está a mais de 1 ano-luz de distância do Sol e os milhares de cometas existentes nesse espaço estão gravitacionalmente “presos” ao Sol (o cometa Hale-Bopp deverá ter vindo da Nuvem de Oort). Esse sim é o limite da influência gravitacional do Sol. E aí sim, é a fronteira do sistema solar.
A Voyager 1 está a cerca de 126 U.A. enquanto o limite exterior da Nuvem de Oort está a 100.000 U.A de distância do Sol. Ou seja, a Voyager 1 está ainda muito longe do limite do sistema solar. Na verdade, a Voyager 1 só irá sair do sistema solar daqui a 30.000 anos!

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Resumindo: a Voyager 1 entrou numa zona nova, no meio interestelar, mas não saiu do sistema solar.

Aliás, sendo realista, se a evolução tecnológica continuar, rapidamente naves tripuladas irão ultrapassar a Voyager 1.
Os humanos chegarão mais depressa do que a Voyager 1 à fronteira do sistema solar… mesmo que demoremos 10.000 anos para sair do sistema solar em naves tripuladas.

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É impressionante que uma pequena máquina feita por humanos continue a funcionar ininterruptamente há 36 anos e tão longe de casa…

Neste momento temos 5 sondas a caminho da saída do sistema solar, mas a Voyager 1 é a que está mais longe. Mesmo em termos cósmicos, estamos a enviar o nosso lixo para o quintal…

oort cloud

Existe mais uma informação que me parece importante reter.
A comunicação social informou que a sonda Voyager 1 irá passar perto da estrela Proxima Centauri dentro de 73.000 anos. No entanto, isto é errado.
A Voyager 1 não está a ir na direcção da constelação de Centaurus, mas sim da constelação de Ofiúco. Na verdade, a Voyager 1 está a viajar na direcção da estrela Rasalhague (Alpha Ophiuchi).
A Voyager 1 não passará perto de nenhuma das 50 estrelas mais próximas da Terra. Nos próximos 2 milhões de anos, a nossa sonda não passará perto de nenhuma estrela.
No entanto, como a estrela Gliese 445 está a vir na direcção do nosso sistema solar, então a Voyager 1 dentro de 40.000 anos irá passar a cerca de 1,6 anos-luz de distância dessa estrela. Mesmo assim, é bastante longe – a distância é maior que o raio do sistema solar.

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