Um Pulsar Em Excesso de Velocidade e a Girar como um Pião

Um artigo ontem publicado na revista Astronomy & Astrophysics pela astrofísica Lucia Pavan (Universidade de Genebra) e co-autores dá conta de observações realizadas de um pulsar, uma estrela de neutrões magnetizada e em rotação que emite feixes de radiação electromagnética, muito peculiar.

A pulsar moving at supersonic speeds about 23,000 light years from Earth.
(Imagem do pulsar IGR J1104-6103 e do remanescente de supernova MSH 11-61A, combinado na mesma foto dados obtidos pelo observatório Chandra (raios-X, púrpura), pelo Australia Compact Telescope Array (ondas de rádio, verde), e pelo 2MASS survey (visível, RGB). Crédito: NASA/CXC/ISDC/L.Pavan et al, CSIRO/ATNF/ATCA, Optical, 2MASS/UMass/IPAC-Caltech/NASA/NSF)

O IGR J1104-6103, como é conhecido entre os astrofísicos desde a sua descoberta pelo observatório de raios-gama INTEGRAL, situa-se a cerca de 23 mil anos-luz na direcção da constelação Carina. Próximo dele, a cerca de 60 anos-luz, encontra-se um remanescente de supernova designado de MSH 11-61A. Comparando observações feitas em datas distintas, Pavan e os colegas conseguiram determinar que o pulsar se desloca pelo meio interestelar a uma velocidade estimada entre os 4 e 8 milhões de quilómetros por hora! A sua velocidade é tão elevada que a “Pulsar Wind Nebula” (PWN), uma nuvem de partículas de alta energia que rodeia os pulsares como um casulo, é distorcida até assumir a forma de um cone, aberto no sentido contrário ao seu movimento. Este fenómeno é muito semelhante à onda de choque que se forma em volta de um avião quando este rompe a barreira do som, como se pode ver na figura seguinte.

shock-wave
(Onda de choque provocada por um avião superando a velocidade do som. Crédito: Marcos Vasconcelos )

Este vento de partículas colide e ioniza o gás e poeiras do meio interestelar, aquecendo-o até temperaturas de milhões de Kelvin e provocando a emissão de raios-X. Por outro lado, retrocedendo ao longo da provável direcção de movimento, a equipa de cientistas pôde determinar a origem provável do pulsar – a zona central do remanescente de supernova. Esta conclusão é reforçada pelo facto de o remanescente ter uma estrutura assimétrica, mais alongado ao longo da suposta trajectória do pulsar. É muito provável portanto que o pulsar tenha tido origem no colapso da estrela maciça que deu origem ao remanescente e, para além disso, que esse colapso tenha sido assimétrico, atirando o pulsar a grande velocidade para fora da zona central da supernova.

Para além da velocidade desproporcional com que se desloca, o IGR J1104-6103 emite um poderoso vento de partículas carregadas que emitem raios-X ao deslocarem-se ao longo das linhas do campo magnético do pulsar ou quando chocam com outras partículas. Esta estrutura é visível na figura como uma longa cauda de raios-X cuja dimensão real é de 37 anos-luz! A cauda tem uma forma peculiar, semelhante à rosca de um saca rolhas, o que indica que o pulsar tem um eixo de rotação que varia no tempo, como um pião. Devido a este efeito o feixe de partículas é atirado em direções gradualmente diferentes ao longo do tempo dando origem ao padrão de rosca. Curiosamente, e ao contrário do que acontece noutros exemplos conhecidos, em que estão alinhados, a PWN e a cauda de raios X são quase perpendiculares. Pavan e co-autores especulam que a aparente assimetria da explosão da supernova, fossilizada no remanescente, e uma possível velocidade de rotação muito elevada do núcleo da estrela que viria a originar o pulsar durante o colapso, poderiam explicar este cenário tão peculiar.

Podem ver a notícia original aqui.

9 comentários

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    • António Castanheira on 24/02/2014 at 13:02
    • Responder

    Não estou a ver como poderia uma estrela sozinha se transferir de uma galáxia para outra, só através de uma fusão ou choque de galáxias, mas aí não teríamos uma única estrela ou pulsar deslocando-se a alta velocidade contra um meio estelar (um fundo de estrelas) praticamente fixo.

    • António Castanheira on 21/02/2014 at 13:04
    • Responder

    Xevious, não está em causa o excesso de velocidade de rotação do pulsar mas sim o excesso de velocidade da sua translação pelo espaço.

    1. Ah sim, compreendi.

      É realmente difícil entender essa aceleração.

      Se ocorresse uma ejeção fortíssima e direcionada, dizem .. que poderia provocar uma aceleração
      mas eu duvido, porque não haveria apoio

      é como explicar como que o SuperHomem pode voar..

      O Hulk é bem lógico, ele pula feito um gafanhoto..

      Uma explosão, ejetando meia estrela para um lado e meia estrela para o outro.. pode ser uma explicação mais plausível..

      Mas a minha teoria é que .. nada disso aconteceu.. nada a acelerou..
      E a explicação é que ela não é daqui..

      No universo as velocidades são relativas, se ela viesse de outra galáxia, se deslocando lentamente da sua galáxia nativa, ao chegar na nossa, a velocidade seria somada ao deslocamento referencial das duas galáxias e isso sim, explicaria uma velocidade gigantesca..

  1. Não há algo que acelere uma rotação de uma estrela

    Oq explica esta velocidade de rotação é o mesmo que explica todas rotações de estrelas

    No caso com as estrelas de nêutrons, a rotação pode alcançar uma grande velocidade quando o núcleo é pesadíssimo e mantém a maior parte da massa da estrela, mas numa região muito menor

    • António Castanheira on 20/02/2014 at 13:24
    • Responder

    Sim, penso que o efeito de pião será mais “admissível” e intuitivo, devido a esses possíveis fatores que o Jonatas referiu, agora a “fuga” do pulsar do remanescente (ainda para mais com esta velocidade) continua a causar-me preplexidade, mesmo após o que disse o Luís.

    Sendo uma estrela uma esfera (obviamente), uniforme e simétrica na sua densidade e massa a partir do centro, de onde poderia então surgir essa assimetria no colapso gravitacional?…

    Será que existem estrelas não uniformes e assimetricas, com “nódulos” no seu interior?…

    Será que esses “nódulos” se devem à absorção, pela estrela, de outros corpos celestes durante a fase de gigante vermelha?…

    Sempre nos habituámos a pensar nos pulsares como “faróis” do espaço mas, a partir de agora, parece que não será tanto assim:

    – A imagem mais adequada será a de uma antiga locomotiva a vapor de alta velocidade que foge a toda a pressa do remanescente que lhe deu origem e em que o rasto de raios-X será o vapor da chaminé…

  2. No final… Se o núcleo da estrela original já tinha uma rotação muito rápida, a interação da rotação herdada mais a rotação natural do Pulsar pode ter causado esse efeito confuso, de rotação de pião, seria isso?
    Abr.
    Ótimo artigo

    1. Ou o impulso da própria supernova, cambaleando o sentido da rotação do pulsar….

    • António Castanheira on 20/02/2014 at 00:47
    • Responder

    Uma notícia intrigante: O que poderá ter impulsionado o pulsar para ganhar aceleração desta maneira?!…

    Por definição, o pulsar surge no centro da explosão da supernova, portanto, não seria essa explosão a impulsionar o pulsar pelo espaço, isto é, penso eu…

    1. Olá António,

      Não é caso único. Há vários exemplos de pulsares a mover-se rapidamente para o exterior do remanescente. Uma assimetria no colapso gravitacional poderia por exemplo aplicar mais força segundo uma das direcções colocando o pulsar recém formado numa trajectória de grande velocidade. A novidade neste caso foi a velocidade recorde e a cauda de raios X muito longa.

      Ab.

      Luis

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