O Fogo

yulelog-fire_lg

Creio que a informação base que todos sabem sobre o fogo é que para o terem precisam do “triângulo do fogo”: calor, combustível (ou inflamável) e oxigénio. Alguns saberão que em vez de um “triângulo”, trata-se de um “tetraedro”, em que o quarto componente adicional é a reacção em cadeia que tem que acontecer, o que por outras palavras implica que as proporções de oxigénio, combustível e calor não podem ser quaisquer, mas sim aquelas que dêem origem a reacções em cadeia – quem já tentou acender uma fogueira sabe que isto está implícito.

tetraedro.gif

Em algumas imagens poderão ver outros nomes, como “comburente” em vez de “oxigénio”, e/ou “energia de activação” em vez de calor. “Comburente” é a palavra mais geral, sendo o “oxigénio” apenas um caso particular (o mais comum), isto porque o fogo advém normalmente duma reacção de oxidação (reage com o oxigénio), mas não tem que ser necessariamente. A “energia de activação” é talvez uma forma mais correcta de nos referirmos ao calor, pois o próprio conceito já indica que esse calor (energia) tem que ser suficiente para “activar” o fogo (isto é, a reacção em cadeia). Esta fonte de calor deixa de ser necessária após a activação da reacção em cadeia, porque a reacção é exotérmica, isto é, liberta calor, sendo este necessário para que a reacção não pare. De modo semelhante, o retirar de qualquer outro “elemento” ao triângulo impede a reacção em cadeia. Por exemplo, o atirar de um balde de água para cima de uma fogueira tem o efeito de lhe retirar o calor (se o fogo não se apagar significa que este é capaz de produzir calor a uma taxa mais rápida do que aquela com que se lhe tentou retirá-lo com a água). “Sufocar” o fogo, ou retirar-lhe o combustível, são as outras possibilidades.

Mas o que realmente nos fascina não é nada disto, mas sim a beleza da chama. A chama não é mais que uma mistura de gases que estão a reagir entre si e que libertam luz nessa reacção. Nós vemos essa luz. A forma da chama deve-se à forma como os gases são expelidos nas reacções, bem como à forma como sobem (porque, como expliquei no artigo sobre os balões de ar quente, o ar quente sobe). Fora da acção gravítica (aproximadamente, pois até no espaço não existe gravidade zero), o ar quente já não sobe, pelo que a chama tem uma forma esférica neste caso (neste caso o fogo tem que ser movido, pois caso contrário apaga-se devido ao dióxido de carbono que é criado na reacção e que acaba por abafar o fogo). As cores dependem da temperatura da chama. As cores mais comuns são o azul, amarelo, laranja e vermelho. Aparecem por esta ordem na chama de uma simples vela, de baixo para cima, ou seja, do quente para o frio, visto a fonte de calor estar em baixo. Acima do vermelho já não há calor suficiente para se dar combustão, e por isso por aí libertam-se partículas de carbono que não sofreram combustão – o fumo. Podem-se ter diferentes cores para diferentes materiais (é aliás uma técnica laboratorial para identificar elementos numa amostra: ao queimá-la fica-se a saber parte dos elementos contidos por análise da cor da chama). No caso das cores que referi inicialmente, o combustível pode ser basicamente o mesmo (à base de carbono), a diferença estará no facto de a combustão ser completa ou incompleta. Por exemplo, com um bico de Bunsen é possível obter estas cores, pois é possível controlar a entrada de ar na combustão: maior entrada de ar significa que haverá oxigénio suficiente para que a reacção de oxidação da substância combustível seja “completa”, enquanto que na reacção incompleta isso não acontece. A reacção incompleta produz menos energia, daí que a cor seja diferente (mais fria). O leitor poderá estar-se a questionar do porquê de a chama ser normalmente amarela e vermelha na lareira, sendo que esta chama tem disponível todo o ar que quiser – na verdade não tem, porque o ar tem uma baixa percentagem de oxigénio (cerca de 21%), a qual, em cada momento está disponível em concentração insuficiente na reacção (pois por mais oxigénio que exista na atmosfera, o que a reacção “vê” é apenas o oxigénio que está à sua volta, claro). Uma combustão incompleta não consegue queimar todo o combustível, deixando por isso resíduos de carbono (como o fumo e a cinza), ao invés da combustão completa (que normalmente produz apenas dióxido de carbono e água, na combustão de um composto de carbono).

Bico de Bunsen – usado em laboratório para aquecer substâncias. Este instrumento queima gás, sendo possível controlar o fluxo de gás (como num fogão) queimado (controla a intensidade da chama), bem como a quantidade de ar que entra (controlando a temperatura da chama).

Talvez alguns dos leitores tenham achado estranho que eu me tenha referido ao amarelo, laranja e vermelho como cores mais frias que o azul, sendo normalmente o contrário. Pois é exactamente o contrário, pois aqui refiro-me à luz e não à cor pigmento. O vermelho é considerada uma cor (pigmento) quente, porque para vermos um objecto vermelho significa que este absorve toda a luz (mais energética, e por isso mais “quente”), excepto o vermelho (que corresponde a luz mais “fria”), que é reflectido e nos chega aos olhos. No caso da chama, a luz está a ser produzida aqui, logo se vemos vermelho, é porque foi criada luz vermelha na chama, a qual é mais fria que a laranja (a laranja é menos quente que o amarelo e o amarelo menos que o azul). Em incêndios florestais é ainda possível observar a chama branca, a mais quente de todas (para materiais orgânicos), ocorrendo junto ao solo, onde o calor é maior.

Tradução: "Isso não pode ser bom para o aquecimento global."

Tradução: “Isso não pode ser bom para o aquecimento global.”

4 comentários

2 pings

Passar directamente para o formulário dos comentários,

  1. Olá Marinho. Estou com uma dúvida tremenda.

    Sei que as temperaturas de cor são o inverso do senso comum quando falamos em cores quentes e frias. A produção de calor pela chama é um grande exemplo disso, que podemos experimentar no dia a dia, por exemplo observando a chama do fogão.

    Mas observe a experiência de William Herschel:

    http://www.if.ufrgs.br/~riffel/notas_aula/ensino_astro/roteiros/Roteiro_Experimento_Herschel.htm

    Nela a temperatura da luz azul é sempre inferior ao vermelho e ao infra vermelho.
    Como se explica isso?

    Um abraço.

    1. Olá Leonardo.

      Muito boa a sua questão. A resposta é que a temperatura medida depende da interacção da luz com a matéria. O aquecer de um material depende da luz que é absorvida. Eventualmente estará familiarizado com lâmpadas de infra-vermelho que servem para aquecer o ambiente (usado por exemplo por criadores de porcos para aquecer os leitões recém-nascidos). Com uma lâmpada a emitir no visível tal não seria possível, porque a pele do porco absorve muito mais no infra-vermelho do que no visível (o mesmo se passa com a nossa pele). Também na experiência indicada se passa o mesmo. Isto está relacionado com o conhecido problema da radiação do corpo negro:
      http://en.wikipedia.org/wiki/Black_body

      Abraço,
      Marinho

    • Antonio Almeida on 22/05/2014 at 21:25
    • Responder

    Olá Marinho,

    Antes de mais deixa-me dar-te os meus parabéns pelos sucessivos artigos que nos tens oferecido e que têm respondido a muitas das minhas dúvidas, o que não invalida, como é óbvio, que me crias outras tantas, bem hajas por isso. Lamento apenas não ter tempo para te as colocar. De qualquer forma desta vez não é o caso. Sempre tive curiosidade em saber porque a chama do álcool a queimar é verde. Será então pelo calor da chama? É mais quente ou fria que a azul?

    Obrigado por tudo

    Um grande abraço para ti e para a malta do Astropt.

    António

    1. Olá António,

      Obrigado, ainda bem que têm sido do seu agrado. 🙂

      Sim, diferentes materiais queimam a diferentes temperaturas, o que implica que a cor da chama seja diferente. (A queima de um material é por isso uma das formas de o identificar em laboratório, ainda que normalmente existiam outros métodos menos destrutivos a usar.)

      A chama verde é menos quente que a azul (cerca de metade, pois o azul está associado a cerca de 8000 kelvin, enquanto que o verde é cerca de 4000 kelvin).
      Nota: a escala kelvin começa no zero absoluto e uma unidade corresponde a 1ºC. 0 kelvin = -273 ºC.
      http://pt.wikipedia.org/wiki/Kelvin

      Abraço,
      Marinho

  1. […] luz vermelha, o que está simplesmente relacionado com o calor gerado (como discutido no artigo do Fogo), que é inferior ao das lâmpadas (pois a luz branca é mais “quente” que a luz […]

  2. […] dual da luz e da matéria. Porque o céu é azul. Meteorologia. Bússola. Balão de Ar Quente. Fogo. Gerar energia. Holograma (aqui). Criptografia. Lei da Gravitação Universal. Concepções erradas […]

Responder a Marinho Lopes Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Verified by MonsterInsights