Terá Arsia Mons albergado no passado ambientes potencialmente habitáveis?

Arsia_Mons_Scanlon_et_al2014Vestígios de canais fluviais no flanco noroeste de Arsia Mons.
Crédito: NASA/Goddard Space Flight Center/Arizona State University/Brown University.

Erupções num gigantesco vulcão marciano poderão ter criado grandes lagos subglaciais num passado relativamente recente, sugere um novo trabalho realizado por uma equipa de cientistas liderada por geólogos da Universidade de Brown, nos Estados Unidos. Recorrendo a imagens de alta-resolução obtidas pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter (MRO) e a dados topográficos reunidos pelas missões Mars Express e Mars Global Surveyor, a equipa de investigadores analisou numerosas formações geológicas criadas por erupções vulcânicas subglaciais no flanco noroeste de Arsia Mons.

Estas estruturas terão sido formadas numa altura em que a região se encontrava coberta por vastos lençóis de gelo, há aproximadamente 210 milhões de anos. O calor gerado por estas erupções teria sido suficiente para derreter grandes porções de gelo e criar extensos lagos subglaciais. Estas massas de água líquida poderiam ter providenciado ambientes potencialmente habitáveis numa altura em que as condições na superfície de Marte eram muito semelhante às que hoje conhecemos. “Isto é interessante porque é uma forma de termos uma grande quantidade de água líquida em Marte, há relativamente pouco tempo”, afirmou Kathleen Scanlon, investigadora da Universidade de Brown e primeira autora deste trabalho.

Arsia Mons é o terceiro maior vulcão do planeta vermelho e o mais meridional dos três vulcões conhecidos coletivamente por Tharsis Montes. Com uma altitude de 17,7 quilómetros e um diâmetro de 435 quilómetros, é também o segundo vulcão mais volumoso do Sistema Solar. A edificação da sua estrutura principal terá ficado concluída há cerca de 3,54 mil milhões de anos; no entanto, os seus flancos exibem fluxos de lava que terão estado associados a grandes episódios de vulcanismo, ocorridos entre o Hesperiano Médio e o Amazoniano Tardio. O último destes episódios terá cessado há cerca de 100 a 200 milhões de anos.

Desde os anos 1970 que os cientistas especulam a possibilidade do flanco noroeste de Arsia Mons ter estado coberto por glaciares. Esta visão ganhou consistência em 2003, quando James Head e David Marchant, ambos coautores neste trabalho, demonstraram que o terreno em redor do vulcão apresenta formações geológicas com uma morfologia semelhante a estruturas tipicamente encontradas em glaciares em recessão. Recentemente, modelos climáticos deram um novo suporte a esta ideia ao sugerirem que uma inclinação excessiva do eixo de rotação de Marte levaria à ocorrência de períodos em que os lençóis de gelo dos polos se estenderiam até regiões próximas do equador. Estas condições tornariam os três vulcões de Tharsis locais extremamente favoráveis à formação de mantos de gelo, há aproximadamente 210 milhões de anos.

Tharsis_Montes_Olympus_Mons_mapa_NASAOs três grande vulcões de Tharsis numa imagem construída com dados topográficos obtidos pela sonda Mars Global Surveyor.
Crédito: NASA.

Usando imagens obtidas pela câmara HiRISE da sonda MRO, a equipa liderada por Scanlon identificou uma série de formações semelhantes a lavas em almofada no flanco noroeste de Arsia Mons – estruturas que no nosso planeta se formam em erupções vulcânicas no fundo dos oceanos. Os investigadores observaram ainda cristas e colinas com vertentes íngremes e topos planos. Na Terra, estas estruturas são constituídas por amontoados de fragmentos de vidro vulcânico criados no interior de glaciares pela interação da lava com água resultante da fusão do gelo.

A análise da morfologia e topografia desta região permitiu também a descoberta de vestígios de um rio formado por um jökulhlaup – uma violenta inundação que ocorre quando massas de água aprisionadas no interior de um glaciar são libertadas pelo colapso de barreiras de gelo.

Baseados no tamanho destas formações, os investigadores puderam estimar a quantidade de lava que interagiu com o glaciar. Os resultados sugerem que estiveram envolvidos nestas erupções centenas de quilómetros cúbicos de lava, o suficiente para produzir uma quantidade semelhante de água líquida a partir da fusão do gelo.

De acordo com os investigadores, dois dos depósitos analisados terão criado dois lagos com 40 quilómetros cúbicos de água cada um – um valor correspondente a aproximadamente 10 vezes a capacidade total da albufeira de Alqueva, no Alentejo. Mesmo nas temperaturas frígidas da superfície de Marte, estes volumes teriam sido suficientemente grandes para manterem a água em estado líquido por períodos substanciais. Os autores do trabalho estimam que os lagos terão persistido por centenas a alguns milhares de anos, o que os coloca entre os mais recentes ambientes potencialmente habitáveis até agora identificados no planeta vermelho.

“Tem havido muito trabalho na Terra – embora não tanto quanto gostaríamos – relativo ao tipo de micróbios que habitam estes lagos subglaciais”, disse Scanlon. “Têm sido estudados principalmente como um análogo de Europa, onde temos um planeta inteiro que é um lago coberto por gelo.”

Head sugere que parte do gelo que formava os antigos glaciares de Arsia Mons poderá estar ainda presente em camadas subsuperficiais. “Vestígios de crateras e cristas sugerem vivamente que o gelo dos glaciares permanece enterrado debaixo de fragmentos rochosos” afirma Head. “Isso é interessante do ponto de vista científico porque [o gelo] poderá ter preservado em minúsculas bolhas um registo da atmosfera marciana com centenas de milhões de anos. Mas os depósitos de gelo ainda existentes poderão também tornar-se uma fonte de água explorável para a futura exploração humana.”

Podem encontrar mais pormenores acerca deste trabalho neste artigo recentemente publicado na revista Icarus.

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