Encélado: uma lua com 101 géiseres

polo_sul_Encelado_NAC_ISS_Cassini_130810Géiseres nas fracturas de Baghdad e Damascus, na região do pólo sul de Encélado. Imagem obtida pela sonda Cassini, a 13 de agosto de 2010.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/SSI.

Cientistas da missão Cassini mapearam e contabilizaram um total de 101 géiseres em atividade na superfície de Encélado. Os resultados baseiam-se em quase 7 anos de monitorização da pequena lua de Saturno, e possibilitaram a descoberta de pistas fundamentais para os mecanismos responsáveis pela sua formação. O trabalho foi apresentado na semana passada, em dois artigos publicados online na revista Astronomical Journal.

Observados pela primeira vez em 2005, os géiseres enceladianos emanam de quatro proeminentes fraturas localizadas na região do pólo sul de Encélado. No total, estas estruturas libertam para o espaço o equivalente a quase mil toneladas de água a cada hora.

Baghdad_Encelado_NAC_ISS_Cassini_211109Pormenor de Baghdad Sulcus, a maior das quatro longas fraturas descobertas na região do pólo sul de Encélado. Imagem obtida pela sonda Cassini, a 21 de Novembro de 2009 (resolução: 12 metros/pixel).
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute.

Após a sua descoberta, os cientistas suspeitaram que o seu comportamento era de alguma forma controlado pela repetida deformação de Encélado, causada pelo efeito de maré resultante da proximidade de Saturno e de uma ressonância orbital 2:1 com a lua Dione. Uma das hipóteses sugeria que os géiseres teriam origem na fusão do gelo provocada pelo calor gerado pela contínua fricção das paredes das fraturas. Uma visão alternativa propunha que o efeito de maré promovia a abertura e fecho cíclicos das fraturas, o que permitiria a ascensão do vapor de água desde o interior de Encélado até à superfície.

Para determinar qual o mecanismo preponderante, os investigadores mapearam com precisão o posicionamento geográfico dos géiseres, e compararam a sua localização com mapas que ilustram a distribuição das emissões térmicas na região. O que descobriram foi que os géiseres se encontram posicionados diretamente sobre pontos quentes na superfície de Encélado, e que a sua atividade é modulada pelas tensões de maré.

geiseres_Encelado_3D_CassiniModelo tridimensional mostrando a localização dos 98 géiseres nos quais foram determinados os respetivos posicionamentos geográficos e inclinações com base no método de triangulação.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/SSI.

Imagens de alta-resolução obtidas pelo instrumento VIMS (Visual and Infrared Mapping Spectrometer) revelaram ainda que os jatos coincidem individualmente com pontos quentes com apenas algumas dezenas de metros de diâmetro. Estes pontos são demasiado pequenos para serem produzidos por fricção do gelo, mas têm o tamanho certo para resultarem da condensação de vapor de água nas paredes das fraturas junto à superfície, o que sugere que os géiseres são um fenómeno com origem nas profundezas de Encélado.

“A partir do momento que tivemos estes resultados na mão, soubemos de imediato que não era o calor que provocava os géiseres, mas sim vice-versa”, afirmou Carolyn Porco, responsável da equipa de imagem da Cassini e principal autora do primeiro artigo. “[Estes resultados] também nos disseram que os géiseres não são um fenómeno próximo da superfície, mas com raízes muito mais profundas.” Os investigadores concluiram que a única fonte plausível para os materiais que formam os géiseres é o oceano subsuperficial recentemente identificado na região do pólo sul, com base na análise de dados gravimétricos obtidos pela Cassini, e que a água salgada do oceano poderá ascender até ao topo das fraturas, podendo mesmo alcançar a superfície.

rep_art_geiseres_EnceladoRepresentação artística mostrando um corte da crusta gelada de Encélado numa das fraturas com géiseres ativos.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/SSI/Ron Miller.

As observações realizadas pela sonda da NASA mostram ainda um aumento periódico do brilho da pluma de vapor formada pelo conjunto de todos os géiseres nas proximidades da apoapside da órbita de Encélado. Os modelos baseados na tensão de maré reproduzem com rigor as variações observadas, mas falham na previsão do momento em que a pluma começa a aumentar o seu brilho, pelo que devem estar presentes outros efeitos importantes.

“É um quebra-cabeças interessante”, disse Francis Nimmo, investigador da missão Cassini e principal autor do segundo artigo. “Possibilidades para esta divergência incluem, entre outros efeitos: um atraso na resposta da crusta de gelo, o que poderia sugerir que as marés estão a aquecer a massa de gelo no pólo sul; ou mudanças subtis no período de rotação de Encélado.” Esta última possibilidade é particularmente interessante, uma vez que poderia indicar a presença de um oceano subsuperficial global, o que tornaria a estrutura interna de Encélado algo semelhante à da lua joviana Europa.

Podem encontrar os dois artigos aqui e aqui.

1 comentário

    • Manel Rosa Martins on 09/08/2014 at 17:28
    • Responder

    E é por este teu magnífico post que irei balizar uma actividade de Astronomia para a público.

    Este conto da realidade de Encélado é fabuloso!

    🙂

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