O estranho caso das bactérias comedoras de eletricidade

Geobacter_sulfurreducens_Washigton_State_University01Geobacter sulfurreducens crescendo num feltro de grafite. Imagem obtida em microscópio eletrónico de varrimento.
Crédito: Emily Davenport (Washington State University).

Espetem dois elétrodos no solo, e elas aparecerão: células vivas que se alimentam de eletricidade! Nos últimos anos, equipas de biólogos desvendaram um estranho mundo mesmo debaixo dos nossos pés – um mundo onde vivem bactérias que se alimentam de eletrões captados das rochas e metais da crusta terrestre.

“Isso não deveria ser uma completa surpresa”, afirmou à revista New Scientist Kenneth Nealson, investigador da Universidade da Califórnia do Sul, em Los Angeles, nos Estados Unidos. “Comemos açucares que têm um excesso de eletrões, e respiramos oxigénio que facilmente os aceita.”

Quando comemos, consumimos moléculas orgânicas, como a glicose e outros açucares, que são fontes ricas em energia. No interior das células, enzimas especializadas quebram as ligações destas moléculas, libertando eletrões que são encaminhados para uma complexa cascata de reações químicas, antes de serem captados pelo oxigénio. No processo, as células produzem adenosina trifosfato (ATP), uma molécula que age como uma unidade de armazenamento de energia em todos os organismos vivos.

“A vida é inteligente”, disse Nealson. “Descobre formas de extrair eletrões de tudo o que comemos, e de mantê-los sob controlo. Esta é a maneira como produzimos a nossa energia, e é igual para todos os organismos no planeta. É por isso que quando alguém asfixia outra pessoa, ela morre em minutos. Parou o fornecimento de oxigénio, pelo que os eletrões deixam de fluir.”

A descoberta de bactérias que consomem eletrões diretamente da superfície de minerais mostra que algumas formas de vida simples conseguem lidar com energia na sua forma mais pura. Organismos como a Shewanella oneidensis e o Geobacter sulfurreducens, conseguem extrair eletrões das rochas e sedimentos, utilizando filamentos condutores extracelulares conhecidos por nanofios. Estas duas bactérias são conhecidas desde há relativamente poucos anos, mas agora os biólogos estão a descobrir muitas mais espalhadas por uma diversidade de ambientes.

A equipa de Nealson tem cultivado estas bactérias em laboratório, mantendo-as vivas apenas com eletricidade. Para as fazerem crescer, os investigadores recolhem sedimentos marinhos, medem-lhes a voltagem natural, e inserem-lhes um elétrodo. A aplicação de uma voltagem ligeiramente superior resulta num excesso de eletrões, que são consumidos pelas bactérias presentes nos sedimentos. Com uma voltagem ligeiramente inferior, o elétrodo passa a aceitar eletrões descartados pelas bactérias.

Este procedimento assegura que qualquer corrente gerada possa ser detetada como um sinal do tipo de organismo presente nas amostras. “Basicamente, a ideia é colher os sedimentos, espetar-lhes uns elétrodos e depois perguntar-lhes: OK, quem gosta disto?“, explica Nealson.

Até agora, a equipa de Nealson identificou oito tipos diferentes de bactérias – todas elas muito diferentes umas das outras, e nenhuma semelhante às já conhecidas Shewanella e Geobacter. “Isto é extraordinário”, disse Nealson. “Significa que existe uma parte significativa do mundo microbiano que desconhecemos.”

A descoberta destes organismos tem aplicações práticas muito interessantes, desde o desenvolvimento de materiais sintéticos, capazes de otimizar ligações elétricas no interior de circuitos eletrónicos, até à criação de biomáquinas autossustentadas, com a capacidade de limpar esgotos ou descontaminar lençóis de água subterrâneos, enquanto extraem energia do ambiente envolvente. Outra aplicação menos prática seria a de usar estas bactérias para testar questões científicas fundamentais acerca da vida, tais como, qual a energia mínima necessária para manter uma célula viva.

4 comentários

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  1. Uma bactéria dessas com uma mochila cheia de deutério e a interface necessária para recolher os eletrões excedentes da “decadência Beta”, teria uma autonomia para toda a sua existência…

    • Graciete Virgínia Rietsch Monteiro Fernanbdes on 11/08/2014 at 14:28
    • Responder

    Quem diria? Extraordinário!!!!!!

  2. Glicose não é uma molécula complexa. Longe disso. É um monossacarídeo, um dos mais simples carboidratos existentes

    1. Tem razão, André. Já alterei. 🙂

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