Receita Rápida para um Buraco Negro Supermaciço

Nas últimas décadas os astrónomos descobriram que quase todas as galáxias têm buracos negros supermaciços, por vezes milhares de milhões de vezes mais maciços do que o Sol, nas suas regiões centrais. A investigação mostra ainda que existe uma relação muito íntima entre a dinâmica dos buracos negros centrais e a evolução das galáxias hospedeiras. Esta intimidade manifesta-se, por exemplo, na relação directa existente entre a massa do buraco negro e a massa total da zona nuclear da galáxia, ou no papel de regulação que o buraco negro exerce no processo de formação de novas gerações de estrelas.

Os buracos negros crescem por captura de material do espaço interestelar, fazendo uso do seu poderoso campo gravitacional. Nos exemplos que observamos, no centro de galáxias activas ou nos quasares, a captura envolve a formação de um disco de material num plano sensivelmente perpendicular ao eixo de rotação do buraco negro, rodeando o seu horizonte de eventos. O gás na parte mais interior do disco cai gradualmente através do horizonte aumentando a massa do buraco negro. Esse disco de material, gás e poeiras, designa-se por “disco de acreção”. A fricção e as colisões a alta velocidade elevam a temperatura do gás no disco fazendo-o emitir uma quantidade copiosa de radiação em todos os comprimentos de onda: raios gama e raios X no interior, passando sucessivamente para ultravioletas, visível e infravermelhos à medida que a distância ao horizonte de eventos aumenta. Este mecanismo torna as galáxias activas e os quasares visíveis a distâncias cosmológicas.

supermassive
[Uma representação artística de um buraco negro supermaciço rodeado do seu disco de acreção. O horizonte de eventos do buraco negro é a superfície da esfera negra no centro da imagem. É a superfície de não retorno para o gás no disco de acreção. Crédito: NASA/JPL-Caltech]

No entanto, os mesmos discos que permitem ao buraco negro aumentar a sua massa, limitam também o seu ritmo de crescimento. De facto, a certo ponto, a radiação emitida pelo disco de acreção pode ser tão intensa que o gás e poeiras que de normalmente cairiam no campo gravitacional do buraco negro, juntando-se ao material no disco, são empurrados, pela pressão exercida pela radiação, para longe do mesmo. Este limite imposto pela luminosidade do disco é designado por “Limite de Eddington”, em memória do astrofísico inglês Sir Arthur Eddington, que estudou o mecanismo pela primeira vez. E é aqui que surge um paradoxo. Um buraco negro com uma massa na ordem dos milhares de milhões de vezes a do Sol necessita de vários milhares de milhões de anos para atingir esta massa. E no entanto, os astrónomos observam-nos no centro dos quasares mais distantes, apenas mil milhões de anos após o Big Bang. Como é que tal é possível?

ULAS J1120+0641 - z=7.1
[O quasar ULAS-J1120+0641 (ponto vermelho no centro), descoberto em dados recolhidos pelo UKIRT Infrared Deep Sky Survey, tem um “desvio para o vermelho” cosmológico de z=7.1, o que quer dizer que o observamos nesta imagem tal como era apenas 870 milhões de anos após o Big Bang. O seu buraco negro central tem uma massa estimada, com base na luminosidade aparente, de mil milhões de vezes a massa do Sol. Crédito: ESO]

Num artigo publicado na revista Science, os astrofísicos Tal Alexander (Weizmann Institute of Science) e Priyamvada Natarajn (Yale University) sugerem uma solução interessante e muito plausível para este mistério. Dado que a presença de um disco de acreção impõe uma limitação fundamental no ritmo de crescimento de um buraco negro, os autores tentaram encontrar cenários plausíveis, no contexto de galáxias primordiais, em que tal disco não se formaria. O cenário que propõem é o seguinte: imaginem um enxame com milhares de estrelas jovens num ambiente muito rico em gás interestelar. Tudo indica que as primeiras gerações de estrelas se formaram desta forma, em episódios rápidos e muito produtivos de formação estelar – vejam por exemplo os enxames globulares actuais, relíquias dessa época. Uma dessas estrela maciças explode numa supernova deixando para trás um buraco negro, resultado do colapso gravitacional do seu núcleo. Um tal buraco negro tem apenas algumas vezes a massa do Sol mas move-se num meio com milhares ou mesmo milhões de massas solares sob a forma de gás e poeiras que ele captura gradualmente. Neste cenário, a pequena massa inicial do buraco negro faz com que este seja perturbado gravitacionalmente pelas restantes estrelas do enxame, tornando a sua trajectória aleatória. O interessante neste cenário é que este movimento aleatório do buraco negro por entre o enxame poderia, na intuição dos autores, impedir a formação de um disco de acreção e permitir que o buraco negro capturasse material vindo de qualquer direcção, de forma muito mais eficiente.

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[Nesta imagem o pequeno buraco negro move-se por entre as estrelas do enxame numa trajectória aleatória, devido às constantes interacções gravitacionais, capturando gás e ganhando massa. O gás denso de baixa temperatura (setas verdes) é atraído para o centro do enxame (cruz vermelha no círculo azul). Algumas das estrelas do enxame são representadas na imagem (a amarelo). Crédito: T. Alexander, P. Natarajan, Science, 7 August 2014]

Para validar este cenário a equipa realizou simulações em que começava com um pequeno buraco negro de massa estelar, em movimento num enxame de milhares de estrelas imerso num ambiente rico em gás. A evolução de um tal sistema é muito interessante pois existe um fluxo contínuo de gás denso e de baixa velocidade do meio interestelar para o horizonte de eventos do buraco negro. Este fluxo existe sem nunca se formar um disco de acreção, permitindo ao buraco negro crescer fora do controlo do mecanismo de Eddington. É o constante puxão gravitacional das estrelas do enxame, tornando a trajectória do buraco negro aleatória dentro do enxame, que impede a formação de disco de acreção. O gás cai directamente no buraco negro a partir de qualquer direcção. As simulações sugerem que, neste cenário, um buraco negro de 10 massas solares pode crescer até mais de 10 mil milhões de massas solares em apenas mil milhões de anos, permitindo assim explicar a existência de buracos negros com tais massas em quasares distantes (ou equivalentemente – jovens), como o ULAS-J1120+0641.

O artigo publicado na revista Science está disponível aqui.

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