Demonstração do Teorema de Pitágoras

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“O universo (…) não pode ser compreendido a menos que primeiro aprendamos  a linguagem na qual ele está escrito. Ele está escrito na linguagem matemática…”

Esta é uma famosa frase de Galileu Galilei.

Eugene Wigner (Nobel da Física) escreveu um artigo cujo título é o seguinte: “A eficácia irrazoável da Matemática nas Ciências Naturais”.

A primeira frase é indubitável, dados os sucessos que a Matemática tem tido na Física e mais recentemente em outras Ciências. Podemos, porém, questionar como Wigner: porquê que assim é? Do meu ponto de vista, o argumento mais natural é que apesar de na sua essência a Matemática ser abstracta, terá emergido em consequência de uma inspiração e motivação dadas pela natureza, pelo que não é assim tão estranho que ela seja adequada para explanar fenómenos do mundo natural. A lógica intrínseca a toda a Matemática não terá partido de um “mundo abstracto”, porque a abstracção é uma criação humana e todas as criações humanas têm que ter necessariamente origem em algo exterior à nossa imaginação (não fossemos nós uma mera criação da natureza).

Esta argumentação satisfaz o leitor? É possível que não, porque de facto não existe realmente uma boa razão para que a natureza se “desconstrua” e se projecte num plano abstracto. De qualquer forma, a verdade é que tal acontece. Consequentemente, podemos aprender coisas sobre a natureza, não analisando a natureza, mas sim esta abstracção. Quando comparamos o resultado final com o mundo natural, é no mínimo fascinante verificar que “bate certo”! Esta é a beleza de se fazer investigação teórica: descobrir o mundo que nos rodeia sem que o tenhamos que sondar. (Obviamente, nem todas as teorias correspondem à natureza, pelo que a experimentação é sempre necessária para confirmar ou refutar a abstracção.)

Creio que um dos primeiros fascínios que a Matemática faculta aos estudantes é o Teorema de Pitágoras. Para quem não o conhece, ou já não se recorda bem do teorema, passo a expô-lo. Considerem a seguinte figura:

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O triângulo amarelo é um triângulo rectângulo, o que significa que um dos ângulos internos é de 90º (ou seja, duas arestas são perpendiculares). A cada aresta do triângulo está associado um quadrado de igual aresta. O Teorema de Pitágoras diz-nos que a soma das áreas dos quadrados adjacentes às arestas perpendiculares do triângulo (que são chamadas de catetos) é igual à área do outro quadrado maior. Ou seja, nesta figura: a área do quadrado azul mais a área do quadrado verde é igual à área do quadrado vermelho. Como o triângulo tem arestas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ e a área do quadrado é igual à sua aresta ao quadrado (ou seja, a multiplicar por si próprio), então tem-se que:

eq1

Quem diria, olhando apenas para  a figura, que tal relação se verificava? Normalmente as crianças na escola são desafiadas a fazer o desenho de cima numa folha, cortá-la e depois verificar que realmente as áreas são iguais, independentemente das proporções que escolherem para os lados do triângulo rectângulo (que é o que define o tamanho dos quadrados).

Aproveito também para recordar que a fórmula fundamental da trigonometria se obtém facilmente do Teorema de Pitágoras. A fórmula relaciona o seno (sin) e o cosseno (cos) de um ângulo (x):

eq2

Para demonstrar este resultado, basta partir do Teorema de Pitágoras e passar o ‘c’ ao quadrado para o lado esquerdo a dividir:

eq3

Este equação é equivalente à de cima, porque ‘a’ a dividir por ‘c’ e ‘b’ a dividir por ‘c’ correspondem à definição de seno e cosseno respectivamente do ângulo ‘x’, que na figura do triângulo é o ângulo que a aresta ‘b’ faz com a aresta ‘c’ (também chamada de hipotenusa, que é sempre a maior aresta de um triângulo rectângulo).

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Uma demonstração física do teorema, onde a “espessura” é igual para todos os recipientes, de modo a que a relação dos volumes se possa reduzir à relação das áreas. (A plataforma parece na verdade ficar um pouco de lado, o que talvez seja consequência de um problema na sua construção. O triângulo amarelo está convenientemente pintado de forma opaca, pelo que pode deixar dúvidas que a construção seja perfeitamente desenhada.)

O que, infelizmente, raramente é ensinado aos alunos é como demonstrar o Teorema de Pitágoras. Alguns talvez fiquem a pensar que a demonstração exige conhecimentos que ainda não dispõe, porém tal não é verdade. Pior, outros poderão nem se questionar sobre isso. O teorema não caiu do céu, nem é “magia”. Por outras palavras, existem razões para que ele “funcione” e essas razões estão obviamente contidas na demonstração. Neste artigo vou dar duas demonstrações diferentes, ambas bastante acessíveis.

Começo pela demonstração encontrada no livro chinês  Zhoubi Saunjing, por ser talvez mais simples e rápida que a euclidiana, que apresentarei depois. A título de curiosidade, o teorema já era na verdade conhecido antes do período pitagórico: os babilónios já o teriam descoberto pelo menos 1800 ou 1600 anos A.C., e os chineses cerca de 600 A.C..

Considerem a seguinte ilustração:

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Este desenho usa como números específicos 3, 4 e 5 (cuja importância neste contexto era talvez já conhecida dos egípcios):

eq4

Mas os números não interessam. Em geral podem considerar que os quatro triângulos dentro do quadrado têm de lados ‘a’, ‘b’ e ‘c’ (notar que os quatro triângulos rectângulos são iguais, pois constroem-se exactamente da mesma forma, como podem reparar). Assim, tem-se que a área do quadrado (maior) é igual à soma das áreas dos triângulos e do pequeno quadrado interno. Note-se que o quadrado interno tem de lado ‘a-b’ (considerando que ‘a’ é o cateto maior do triângulo e ‘c’ é a hipotenusa, ou seja, o lado que coincide com o exterior do quadrado; assim, no exemplo, a=4, b=3 e c=5). (Se não estiverem a compreender porquê que o quadrado menor tem esse comprimento, podem primeiro fazer as “contas” com os números, o que poderá dar alguma intuição; depois, podem constatar que qualquer aresta de comprimento ‘a’ de um triângulo é adjacente a uma aresta de comprimento ‘b’ de outro triângulo e em simultâneo à aresta do quadrado, o que implica que a aresta do quadrado somada à aresta ‘b’ é igual a ‘a’). Em linguagem Matemática:

eq5Usei aqui a “fórmula” da área do triângulo: lado ‘a’ a multiplicar pelo lado ‘b’ a dividir por 2 (o sinal de multiplicar foi omitido, que, recordo, é outra forma de representar a multiplicação). Coloquei a palavra fórmula entre aspas, porque é evidente que é essa a expressão, visto que um triângulo rectângulo é metade de um rectângulo de lados ‘a’ e ‘b’ (cuja área seria ‘ab’). (Relembro que em geral a área de um triângulo qualquer é igual à base a multiplicar pela altura, o que é fácil de verificar/ demonstrar se “desmontarem” o triângulo em triângulos rectângulos mais pequenos; no caso do triângulo obtuso, basta subtraírem um triângulo rectângulo.) Na resolução de cima usei ainda um caso notável da multiplicação.

Como vêem, a demonstração de cima é muito fácil e não exige qualquer conhecimento avançado de Matemática (ainda que uma demonstração mais completa exigisse uma mais detalhada explicação sobre a construção geométrica de que se partiu).

Passo à demonstração euclidiana. Esta demonstração usa o seguinte esquema:

310px-Teorema_de_Pitágoras.Euclides.svg

Primeiro têm que traçar as linhas AG e CI, o que vos dá os triângulos verdes: CBI e ABG. Depois, obtenham os triângulos castanhos (DAB e ACK) traçando as linhas DB e CK. Uma vez tendo estes triângulos, o objectivo será demonstrar que as áreas castanha e verde são iguais no desenho mais pequeno do lado direito (o que é equivalente a demonstrar o Teorema de Pitágoras, porque se essa relação se verificar, implica que a área do quadrado maior é efectivamente igual à soma das áreas dos quadrados menores).

Uma vez tendo a figura desenhada, o procedimento torna-se fácil de “adivinhar”. Basicamente, tem-se que demonstrar que os triângulos castanhos são iguais. (A demonstração para os triângulos verdes é equivalente.) Reparem que os lados AD e AB do triângulo DAB são iguais aos lados AC e AK do triângulo ACK, respectivamente, porque fazem parte dos mesmos quadrados. Para que os triângulos sejam iguais, basta então que o ângulo no vértice A seja igual para ambos os triângulos. Conseguem constatar isso só olhando para a figura: o ângulo em A do triângulo DAB é igual ao ângulo em A do triângulo ACB mais o ângulo de 90º do quadrado DACE. Por outro lado, o ângulo em A do triângulo ACK é também igual à soma do ângulo em A do triângulo ACB com o ângulo de 90º do quadrado ABIK. Assim, os ângulos em A dos triângulos ACK e DAB são iguais, pelo que os próprios triângulos são iguais.

Isto implica então que a área do quadrado castanho seja igual à área do rectângulo castanho, porque, como disse antes, a área de um triângulo é igual à base vezes a altura a dividir por 2. No caso do triângulo DAB, a base coincide com uma aresta do quadrado, DA, e a altura coincide com a outra aresta, DE (notar que a altura é sempre perpendicular à base). Por outras palavras, a área do triângulo DAB é metade da área do quadrado DACE. De modo semelhante, o triângulo ACK tem a base AK a coincidir com uma aresta do rectângulo AHJK, e a altura AH coincide com outra aresta do rectângulo, de tal modo que a área do triângulo é metade da área do rectângulo.

Finalmente, como os triângulos são iguais, isso implica que a área do quadrado DACE seja igual à área do rectângulo AHJK.

Como disse, igual raciocínio é válido para demonstrar que as áreas verdes são iguais.

Assim, de constatações geométricas simples chegámos ao Teorema de Pitágoras. Não tem magia, é apenas a consequência de algumas observações lógicas. Toda a Matemática em última instância se “desmonta” em pequenas peças lógicas e evidentes para todos.

Sinto-me tentado a deixar a todos os eventuais professores de Matemática que leiam este artigo o desafio de tentarem mostrar aos vossos alunos a beleza da Matemática, para lá da sua importância, que nem sempre suscita interesse em mentes menos pragmáticas (ou, infelizmente, já demasiado habituadas a considerar as tecnologias como “caixas negras”).

Deixo um desafio para quem seguiu atentamente as demonstrações de cima e também quer fazer uma:

Considerem um quadrado de lado ‘a+b’. Denotem nas arestas os comprimentos ‘a’ e ‘b’ (sem perda de generalidade), e criem dentro do quadrado quatro triângulos rectângulos de hipotenusa ‘c’. A partir desta construção geométrica demonstrem o Teorema de Pitágoras.

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Tradução: “Sim, isto ser-te-á útil na tua vida futura.”

2 comentários

2 pings

    • Antonio Maria Borda Cardoso on 06/09/2014 at 21:10
    • Responder

    considerando num triângulo rectângulo uma perpendicular da hipotenusa em direcção ao ângulo recto a hipotenusa ( c ) fica dividida em 2 segmentos ( e ) e (d ) e ficamos com 2 triângulos semelhantes tal que a/c=e/a ….. b/c=d/b ; logo a^2=c*e tb b^2=c*d ; somando a^2+b^2=c*(e+d) ; como e+d=c fica a^2+b^2=c^2 .

    1. Também é uma demonstração simples e interessante, ainda que fique a faltar a demonstração da semelhança dos triângulos, que está apenas implícita (e da qual se aproveita só o resultado).

      Cumprimentos,
      Marinho

  1. […] Jeffreys (1891-1989), a Lei de Bayes “está para a Teoria de Probabilidades assim como o Teorema de Pitágoras está para a […]

  2. […] (e consequentemente os teoremas) pudessem ser consideradas verdadeiras (veja o artigo sobre a Demonstração do Teorema de Pitágoras para compreender a quê que me refiro como demonstração matemática). Naturalmente, o leitor, […]

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