Abiogênese versus Geração Espontânea

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Há muitos termos que tomamos por sinônimos, mas que não são. Por exemplo, informação e dado. Qual seria a diferença? Informação é um dado com significado. Esse texto que você está lendo agora, neste exato segundo, é uma série de dados (a sequência de letras) com um significado. Contudo, considere a seguinte sequência, que eu irei criar batendo desvairadamente no meu teclado: “lkjapokjrgfwdycbzçlkvpwojjgwavcxpputyggweif”. Há dados aqui, mas que não significam coisa alguma. Um outro exemplo bem mais interessante e útil é pôr o dial do seu rádio entre uma estação e outra, captando apenas chiados (o termo técnico para esses chiados é ruído). Grave esses chiados em um arquivo digital e salve-o no seu HD. Digamos que você tenha, ao final do processo, um arquivo MP3 com 100MB de tamanho. Você tem 100MB de dados, mas não 100MB de informações.

Há vários outros termos que tomamos por sinônimos, mas que não são. É o caso de Abiogênese e Geração Espontânea. Trata-se de dois termos que, de maneira quase ubíqua, são tratados como sinônimos (no Brasil, pelo menos, pois até onde pude observar, na língua inglesa, eles têm significados diferentes). Eu mesmo, desde quando comecei a dar aulas, há mais de 20 anos, sempre os usei como sinônimos perfeitamente intercambiáveis — até descobrir que não são.

Mas, afinal, qual a diferença?

A primeira delas é que a abiogênese é um fato científico, real, que ocorreu nesse planeta, enquanto que a geração espontânea é um conceito místico equivocado e plenamente desacreditado há mais de 150 anos. Vamos às explicações.

A abiogênese, também chamada de biopoiese, é o processo pelo qual sistemas vivos surgem a partir de sistemas não vivos, pela modificação e evolução dos compostos (orgânicos, em sua maioria) presentes naquele sistema. Em outras palavras, abiogênese é o termo que usamos para designar a origem da vida em um planeta ou satélite planetário, a partir de uma situação prévia onde não houvesse vida. É um processo natural que, pelo que sabemos, ocorreu com certeza em pelo menos 1 planeta (o nosso, há aproximadamente 4 bilhões de anos). A hipótese de Oparin-Haldane, o experimento de Miller, o “mundo do RNA”, entre outras, são hipóteses e experimentos bem conhecidos dos estudantes e professores do Ensino Médio, e que tentam explicar em maiores ou menores detalhes como se deu essa abiogênese.

Por outro lado, a geração espontânea, que já foi a opinião ortodoxa na Roma e Grécia clássica, é vista hoje em dia como uma curiosa crendice do passado, não fazendo mais sentido algum. Segundo a geração espontânea, organismos vivos podem surgir, espontaneamente, a partir do meio (como sapos que surgem da lama de um rio, pulgas que surgem da poeira ou larvas que surgem da carne podre) ou a partir de outros seres vivos (como árvores que produziam carneiros). Nesse último caso, o termo mais correto seria geração equívoca, apesar de muitos historiadores das ciências tratarem os termos geração espontânea e geração equívoca como sinônimos.

O algodoeiro, como imaginado por John Mandeville, em seu “As viagens de Sir John Mandeville”, aprox. 1357: “Na Índia, havia uma maravilhosa árvore que produzia pequenos carneiros nas extremidades de seus galhos”. Um bom exemplo de geração espontânea, ou melhor, de geração equívoca (Fonte: Wikipedia).

O algodoeiro, como imaginado por John Mandeville, em seu “As viagens de Sir John Mandeville”, aprox. 1357: “Na Índia, havia uma maravilhosa árvore que produzia pequenos carneiros nas extremidades de seus galhos”. Um bom exemplo de geração espontânea, ou melhor, de geração equívoca (Fonte: Wikipedia).

Apesar de ser uma possível explicação para a origem da vida, os defensores da geração espontânea, de Aristóteles a Pouchet, não a relegavam ao passado. Pelo contrário, eles alegavam que ela ocorria continuamente, ainda nos dias de hoje. Bem, o resto da história já é bastante conhecido por todos, e eu não preciso me alongar muito aqui: o conceito de geração espontânea foi sofrendo sucessivos golpes desde o Renascimento, até receber sua pá de cal das mãos de Pasteur, em 1859.

E, afinal de contas, como resolver esse imbróglio? Em minha opinião, ele não será resolvido: uma vez que os termos estão bem consolidados (no Brasil, convém repetir) como sinônimos, vai ser muito difícil ir contra a corrente — em termos evolutivos, poderia dizer que o professor que tentasse ensiná-los corretamente estaria indo contra uma Estratégia Evolutivamente Estável. É mais ou menos como o termo vídeo-cassete, que apesar de se referir à fita onde era gravado o filme, acabou sendo usado para se referir ao aparelho onde você inseria a fita. E, depois que a coisa se consolida, não muda mais.

1 comentário

  1. Interessante o assunto e me veio na mente dois assuntos que converso com o pessoal de vez em quando.

    Um que a ciência já chegou as mesmas conclusões que eu tinha a tempos, no caso quanto ao cérebro, que antigamente pensávamos que utilizávamos somente 10% do dele (ou coisa parecida). E agora sabemos que nosso ‘excedente’ é fundamental para poder funcionar os tais 10%(ou coisa parecida) e ainda tb que eles não funcionam ao mesmo tempo.

    Outra é sobre o DNA, quanto ao chamado dna lixo, creio que seja a mesma lógica e mais inclusive
    que ele seja uma forma de cópia de si mesmo de forma fractal, de forma que as informações dele podem servir para reconstituição de partes de informação que a principio teriam sido perdidas.
    Esta é a explicação de que porque a Rapamicina,conseguiu reconstituir partes perdidas dos telômeros..

    E outra forma de pensar numa lógica similar é o próprio universo..
    ele precisa ser imenso assim para dar condições de nós existirmos..

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