Glaciares em Valles Marineris?

Valles_Marineris_HRSC_MarsExpress_2004Perspectiva sobre a região central de Valles Marineris, construída com imagens obtidas pela sonda Mars Express, a 24 de Abril e a 2 de Maio de 2004.
Crédito: ESA/DLR/FU Berlin (G. Neukum).

Desde há algumas décadas que os cientistas suspeitam que vastos glaciares possam ter deslizado no passado pelos profundos vales de Valles Marineris, uma gigantesca cicatriz tectónica que se estende ao longo do equador marciano, a leste da região de Tharsis. Imagens obtidas a partir da órbita marciana permitiram a identificação de diferentes formações geológicas, aparentemente, esculpidas no seu interior pelo fluxo de grandes massas de gelo; contudo, tais interpretações permaneceram até hoje altamente controversas. Um novo trabalho recentemente publicado na revista Geology vem agora revelar o que poderá ser a primeira evidência mineralógica da presença de antigos glaciares no interior do gigantesco sistema de canhões.

Usando dados espetrais obtidos pelo instrumento CRISM e imagens obtidas pela câmara HiRISE da sonda Mars Reconnaissance Orbiter, uma equipa de investigadores liderada por Selby Cull do Departamento de Geologia do Bryn Mawr College identificou um conjunto de depósitos de jarosite nas paredes meridionais de Ius Chasma, no extremo ocidental de Valles Marineris. A jarosite (KFe3(SO4)2(OH)6) é um mineral secundário geralmente formado em ambientes acídicos, pela oxidação de compostos sulfídricos, ou pela exposição de rochas vulcânicas a fluídos ricos em sulfatos.

Em Marte, os cientistas tinham já detetado este mineral em evaporitos precipitados pela evaporação de massas de água superficiais, ou a partir de lençóis freáticos. Localizados a meio caminho do topo de Ius Chasma, os depósitos agora descobertos apresentam uma morfologia e um contexto geológico difíceis de explicar pelos mesmos mecanismos. Em vez disso, Cull e colegas sugerem que o calor proveniente das paredes do canhão terá fundido parcialmente o gelo dos glaciares, formando bolsas de água líquida que, por sua vez, terão reagido com compostos de enxofre presentes na antiga atmosfera do planeta. O mecanismo é semelhante ao observado nos glaciares do arquipélago norueguês de Svalbard, no Oceano Ártico, onde a água fundida pelo calor do Sol interage com o enxofre atmosférico aprisionado no gelo, produzindo minerais de sulfato como a jarosite nas margens dos glaciares.

Podem ler mais sobre este trabalho aqui.

6 comentários

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    • Ricardo André on 09/10/2014 at 21:05
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    Valles Marineris ficam numa zona equatorial do planeta vermelho, certo?
    Logo seria de espantar vermos glaciares a essas latitudes!

    Estariam eles presentes numa altura em q a atmosfera já não teria pressão suficiente para manter a água liquida à superficie e ela congelaria?

    1. Olá Ricardo,

      Tal como a Terra, Marte passa por períodos de glaciação provocados por variações quase periódicas na excentricidade da sua órbita e na inclinação do seu eixo de rotação. No entanto, ao contrário do nosso planeta, Marte tem apenas duas pequenas luas, que não conseguem estabilizar o seu eixo de rotação da mesma forma que a nossa Lua faz com o eixo de rotação da Terra.

      Nos últimos 10 milhões de anos, a inclinação do eixo de rotação do nosso planeta variou entre 22º e 24,5º, enquanto que em Marte a variação foi de 14º a 48º. Estas enormes oscilações produzem um aumento significativo na insolação das latitudes mais elevadas, nos períodos de maior inclinação, o que por sua vez conduz a um aumento das temperaturas das regiões polares, e a mudanças dramáticas nos ciclos sazonais da água, do dióxido de carbono e da poeira (um fator decisivo num planeta sem oceanos). Estas profundas alterações criam períodos em que o clima é mais húmido, o que favorece o avanço dos glaciares até latitudes muito próximas do equador. 😉

        • Ricardo André on 12/10/2014 at 11:08

        Correcto 😉

        E com uma variação de 48° Valles Marineris encontrava-se então muito perto da “zona polar”, designemos assim.

        Obrigado Sérgio.

        PS: Já agora, no próximo dia 16, sabes se os rovers conseguirão ver bem o cometa Siding Spring? Sei que utilizarão as câmaras de navegação para o fazer, e as naves estão a posicionar-se atrás do planeta para não apanharem com a poeira proveniente da cauda, certo?

        • Ricardo André on 12/10/2014 at 11:09

        (Esqueci-me de por a notificação de comentários adicionais)

      1. Olá Ricardo,

        Estão planeadas observações para os dois rovers. O Curiosity irá observar o cometa algumas horas após a passagem pelo ponto de maior aproximação a Marte. Nessa altura, o cometa estará a 600 mil quilómetros de distância e será um alvo potencialmente acessível junto ao horizonte, logo após o pôr-do-sol.

        Para o Opportunity, a situação é mais precária. Para além dos recentes problemas com a memória flash do seu computador, que ainda não estão totalmente resolvidos, o rover terá condições mais favoráveis na madrugada antes da passagem do cometa pelo ponto de maior aproximação a Marte. Alimentado por painéis solares, o Opportunity não terá energia suficiente para aquecer os seus motores por muito tempo, pelo que as observações serão certamente muito limitadas.

        As melhores imagens deverão ser obtidas pelas sondas na órbita do planeta. 😉

        • Ricardo André on 13/10/2014 at 05:23

        Sim, foi o que li no site da Nasa.

        Muito obrigado 😉 ficamos a aguardar 😉 eheh

        Abraço

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