Matt Taylor: a ocasião faz a camisa

Todas as grandes missões têm a sua estrela no Twitter. Na missão que levou a sonda Curiosity a Marte tivemos Bobak Ferdowsi e o seu cabelo à índio. Ferdowsi foi uma estrela amarela, luminosa e afável. Todos gostaram dele. As raparigas adoraram-no.

Na missão Roseta – a primeira a aterrar num cometa – temos Matt Taylor e a sua infame camisa de mangas curtas. Matt Taylor fez as vezes de uma estrela vermelha gigante em expansão, capaz de extinguir qualquer réstia de decência em seu redor: para o seu exército de críticos, é um parvo sexista que chamuscou a imagem da Agência Espacial Europeia.

Rad-scientist

Taylor estava tão confiante no sucesso da missão que mandou tatuar uma ilustração da sonda tranquilamente pousada na superfície do cometa. E usou aquela camisa precisamente quando todas as atenções recaíam sobre a missão e a equipa responsável.

O doutor Matt Taylor tem um cargo de grande responsabilidade: é o chefe operacional da missão. Não parece ser muito sensível a questões de Relações Públicas. Obviamente, a objetificação do corpo da mulher também não o preocupa – por ser um machista que gosta de manter um harém à volta da barriga ou por considerar a camisola uma obra de arte dignos de exibição, não se sabe.

Não tem grande jeito para escolher camisas, de facto, embora eu já tenha visto peças ainda mais horrorosas em desfiles de moda. Já o tinham avisado para não usar uma camisa daquelas durante as grandes ocasiões. Cheio de personalidade, não permitiu que as suas rainhas seminuas fossem afastadas do trono. Talvez seja apenas o cientista mais casmurro do mundo.

Ninguém conhece verdadeiramente Taylor, mas já conheceram a infame camisa de mangas curtas.

E o grande problema é mesmo aquela shirt com mulheres seminuas, desenhadas como se fossem ilustrações de Boris Vallejo.

Ah, e o Twitter a pegar fogo: fósforo a fósforo, foi alimentando a fogueira à volta do chefe operacional da missão.

Untitled-122

Matt Taylor não deu mostras de estar muito preocupado. Não sei se ele já deu conta dos tweets. Entrevistado no grande dia, lá se apresentou com a sua inevitável t-shirt.

A propósito da missão, estabeleceu uma associação de ideias que o Twitter considerou «creepy», tão «creepy» que alguém colocou no YouTube apenas esses trinta e três segundos arrepiantes de uma resposta com vários minutos:

«Sempre o disse e volto a repetir: esta missão é a mais sexy que alguma vez existiu. Sempre disse que era sexy, mas nunca disse que seria fácil».

E pronto, está visto que Taylor é um especialista em dizer as coisas mais erradas no momento mais errado. Ou talvez o seu vocabulário seja limitado e a palavra sexy um símbolo absoluto do que ele gosta: objetos inanimados, objetivos científicos ou seres humanos do sexo feminino.

Numa sessão de Perguntas e Respostas organizada há uns tempos pelo Wall Street Journal, alguém lhe perguntou como conseguira ele ser aceite num meio tão respeitável usando tantas tatuagens. Taylor respondeu: «As pessoas com quem eu trabalho não me julgam pelo meu aspeto, mas pelo trabalho que eu já fiz e posso fazer. Simples!»

Simples? Simples para si, doutor Taylor, mas mais complicado para as mulheres – sobretudo na área da Ciência, durante muito tempo um clube de cebolinhas onde menina não entrava.

Sim, o feminismo radical que motiva algumas acusações no Twitter até a mim me deixa irritado, mas talvez possa encarar esta perseguição como uma forma saudável de aprendizagem sobre o que é sentir-se ostracizado ou sumariamente julgado a partir de uma perceção incompleta da sua imagem. Talvez aprenda a gostar de outras camisas. Já agora, aproveite o momento de clarividência para largar de vez as meias roxas, porra que é parolice a mais.

(Desculpe, é uma questão de gosto pessoal e não devia julgá-lo por isso. Afinal, Democracia também significa que eu lutarei até à exaustão pelo seu direito de usar essas meias horrorosas.)

shirt

E parabéns pelo feito científico de ontem!

11 comentários

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  1. Gostei do seu artigo. Parabéns pelo trabalho!

    • Betinhofloripa on 24/11/2014 at 10:48
    • Responder

    o hábito não faz o monge, suas ações é que fazem…. abraços

  2. “Critics who attacked comet scientist over shirt should hang their own heads and apologise ”
    http://www.standard.co.uk/news/politics/boris-johnson-condemns-critics-who-attacked-comet-scientist-matt-taylor-for-sexist-shirt-9864637.html

    • Dinis Ribeiro on 17/11/2014 at 09:33
    • Responder

    Quanto á questão da imagem da ESA, (não creio que tenha ficado “chamuscada”) recordo que (de certo modo) se passou dum extremo ao outro:

    Quando vi a camisa muito “descontraída” numa situação tão “tensa” pensei que era alguém do JPL ou do Hawaii… que são locais “diferentes” e onde existe uma outra “cultura organizacional”.

    Por exemplo, ainda em Agosto a situação na ESA era um (pouco?) mais “conservadora” e “tensa” com revoltas, abaixo-assinados, e fugas de informação por parte do CNES:

    Comet mission must not keep space fans in the dark
    http://www.newscientist.com/article/mg22329814.800-comet-mission-must-not-keep-space-fans-in-the-dark.html?full=true#.VGml9md_vXo

    A ESA passou duma postura mais “formal” para algo de ligeiramente insólito, pois (realmente) a camisa é muito “informal”…

    De certo modo, esta camisa funcionou talvez como uma espécie de “flare” http://en.wikipedia.org/wiki/Flare_(countermeasure) que atraiu a atenção para um assunto diferente da falha dos arpões, o que a um nível simbólico (se bem explorado) poderia “dar uma má imagem”…

    As pessoas que tinham farpas para espetar na missão, lançaram-nas contra a camisa, e nesse sentido a situação é irónica e lembra-me algo semelhante a uma hábil tourada.

    Se este cometa fosse a Moby Dick, os “arpões da tecnologia europeia” não poderiam falhar…

    Arpoar um cometa, é algo que tem um inegável significado simbólico.

    Aterrar suavemente e saltitar é mais “pacífico” mas muito menos “possessivo”.

    O que julgo observar é um ambiente doentiamente “hipercrítico” com muita gente a criticar os gastos da Europa no Espaço… Há sondagens sérias sobre alguma evolução relevante na opinião da população europeia por causa desta missão ao cometa? Gostava de as ver…

    hi·per·crí·ti·co
    substantivo masculino
    1. Crítico excessivamente rigoroso, severo.
    adjectivo
    2. Que critica com exagero.
    3. Relativo a crítica exagerada.

    “hipercrítico”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/hipercr%C3%ADtico [consultado em 17-11-2014].

    Artigos sobre as falhas técnicas que estavam a “ensombrar” a missão, já estavam a começar a surgir ignorando totalmente o design da missão e o facto de irem a bordo 2 sistemas diferentes de baterias, com objectivos diferentes…

    Uma missão espacial real não é uma peça de teatro, nem um filme de ficção científica em que se pode obrigar o realizador a filmar um “happy ending” apenas para aumentar (dum modo efémero) as vendas de bilhetes…

    Por outro lado, não há nada como uma boa história verdadeiramente negativa e crítica do tipo “Naufrágio do Titanic” para vender jornais…

    …melhor do que isso, só o “escândalo da camisa” numa situação em que todos passamos a fazer parte da “Fashion Police” numa dinâmica verdadeiramente Orwelliana, que lembra vagamente o que aconteceu a este investigador: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alan_Turing

    • Dinis Ribeiro on 17/11/2014 at 07:51
    • Responder

    Por falar em missões arriscadas no sector aeroespacial, podemos também, pensar que “instintivamente” terá havido uma certa continuação (involuntária?) duma tradição conhecida por “Nose Art”…

    Por exemplo, existe a pintura que fazia parte duma aeronave (famosa?) que era a http://en.wikipedia.org/wiki/Memphis_Belle_(aircraft) pintada por http://en.wikipedia.org/wiki/George_Petty e (sobretudo) sugiro uma vista de olhos a este link: http://en.wikipedia.org/wiki/Nose_art de onde saliento algumas passagens:

    Because of its individual and unofficial nature, it is considered folk art, inseparable from work as well as representative of a group.

    It can also be compared to sophisticated graffiti.

    In both cases, the artist is often anonymous, and the art itself is ephemeral. In addition, it relies on materials immediately available.

    Nose art is largely a military tradition, but civilian airliners operated by the Virgin Group feature “Virgin Girls” on the nose as part of their livery.

    The British MoD banned the use of pin-up women in nose art on Royal Air Force aircraft in 2007, as commanders decided the images (many containing naked women), were inappropriate and potentially offensive to female personnel, although there were no documented complaints.

    In 1993 the United States Air Force Air Mobility Command ordered that all nose art should be gender-neutral.

    Mesmo sem pinturas há este exemplo: Chuck Yeager’s series of aircraft named “Glamorous Glennis”, with bright letter art. http://en.wikipedia.org/wiki/Bell_X-1

    Aliás, a própria “Nose Art” é uma continuação da tradição das “figuras de proa” nos veleiros, tendo tido origem (talvez) na Grécia…

    http://fr.wikipedia.org/wiki/Figure_de_proue

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Proa

    http://en.wikipedia.org/wiki/Argo

    http://fr.wikipedia.org/wiki/Ophthalmoi

    Será que vamos ver (será que já existem?) telescópios “personalizados” com “expressões artísticas” tipo graffitis decorativos ou esculturas semelhantes ao que se pinta na parte da frente em diversas “naves”?

    Penso que se trata duma problemática mais profunda do simples questões de moda.

    Sugestões:

    http://www.amazon.com/From-STEM-STEAM-Brain-Compatible-Strategies/dp/1452258333

    http://stemtosteam.org/

    http://www.pbs.org/wnet/need-to-know/opinion/can-stem-really-succeed-the-answer-is-right-in-front-of-us/16419/

    http://showmelibrarian.blogspot.pt/p/all-things-steam.html

  3. Olha lá, mas tu agora és crítico de moda? 😛 ihihihih 😛

    Este tipo de notícias virais nas redes sociais provocam-me sentimentos contraditórios:

    – por um lado, é excelente que as pessoas se interessem tanto pelos cientistas e pela missão.

    – por outro lado, é triste que prefiram falar de camisas em vez de celebrarem os feitos científicos da missão.

    Da mesma forma, consigo ver os dois lados da moeda:

    – por um lado, uma camisa dessas é capaz de ter ofendido ou no mínimo sentirem-se incomodadas, algumas das cientistas da missão. Já todas as outras pessoas, incluindo mulheres, que viram o show pela net, não entendo qual o problema dessas pessoas. Das pessoas que trabalham com ele, sim, consigo entender.

    – por outro lado, tenho a certeza que a grande maioria dos cientistas (homens ou mulheres) não quis saber da forma como ele ia vestido: como era a camisa, a cor das meias, as tatuagens, os calções, etc. Nas universidades americanas dá-se aulas de calções, com brincos, tatuagens, chinelos, rabo de cavalo e cores berrantes, Ninguém quer saber. O que conta é a competência da pessoa no seu trabalho, não a forma como se veste. Aliás, já tive “problemas” destes com pessoas em Portugal (ex: um reitor de uma universidade) porque me viu de t’shirt e achou que por estar de t’shirt achou que eu não sabia nada… depois de ver a palestra e ter adorado, veio dizer que fez mal em ter julgado pelas aparências. Mas isso é em Portugal. Nos EUA ninguém quer saber. Felizmente conheço diversos cientistas, alguns deles das missões marcianas, e vários deles vi-os quase sempre de calções.

    A aparência é superficial; a substância está nas competências de cada um.
    (aliás, em Portugal que se dá tanta relevancia à forma de vestir… veja-se quem mais rouba os outros… são os de fato, engravatados e muito bem vestidos)

    Se cada pessoa que criticou o Matt no twitter, utilizasse esse tempo para aprender ciência, talvez um dia conseguisse fazer o que ele fez. Se as pessoas que o criticaram no twitter utilizassem esse tempo para estudar e terem conhecimento, talvez hoje estivessemos não a celebrar a primeira vez que uma sonda aterrou num cometa, mas sim a primeira vez que Humanos aterraram num planeta extrasolar. Isso não aconteceu, porque enquanto o Matt se preocupa com o seu trabalho de alargar os horizontes e conhecimento da Humanidade, grande parte da Humanidade prefere perder tempo a falar dos outros no twitter. Infelizmente…

    P.S.: eu não usaria esta camisa…

      • Miguel Montes on 13/11/2014 at 17:52
      • Responder

      E já começaram os ataques: http://www.theverge.com/2014/11/13/7213819/your-bowling-shirt-is-holding-back-progress

      1. Ataque claramente exagerado. Caíram em cima do homem em todo o lado: Twitter, Facebook, sites.

        O sexismo incomoda-me. Percebo que esta área seja muito sensível a esse respeito, por razões óbvias e tendo em conta o #Gamergate que devia envergonhar muitos machos dos teclados.

        Mas perseguições implacáveis de feministas histéricas também me incomodam.

        Não simpatizo com posições extremadas, mesmo que concorde com o princípio/causa.

        Neste caso, tentei escrever sobre o assunto com a leveza que achei que merecia, mas estou a ver que desde então a perseguição passou das redes sociais para os sites. Daqui a nada estão a exigir a demissão dele.

        O homem é peculiar e tem alguma falta de inteligência social – não sei que melhor nome lhe dar, sinceramente – mas está a ser atacado como se andasse a assediar sexualmente as colegas de trabalho, o que não me parece ser o caso.

        Também acho que tem um sentido de humor tão peculiar como o gosto para as camisas.

        Por exemplo, numa nota no seu perfil do Facebook escreveu o seguinte: «Amo a minha mulher, ela é a mulher mais bonita e inteligente deste planeta, e está a observar-me enquanto escrevo isto».

        Outro dado curioso: a camisola foi desenhada por uma mulher chamada Elly Prizeman e que é amiga dele.

        Acho que acima de tudo ele é um bocadinho imaturo, mas não o vejo como sexista ou maldoso. Mas para os críticos exacerbados, o dr. Matt Taylor é aquela camisa que usou e nada mais do que aquela camisa.

    1. Eu gostava de saber qual seria a resposta “feminista” (entre aspas, porque eu acho que as mulheres neste caso não estão a defender as mulheres), se fosse ao contrário!

      Ou seja, imagine-se que a entrevistada era uma mulher, e essa mulher usava uma fatiota que suscitaria críticas (o que não é difícil, tendo em conta a sociedade machista que existe… ex: pantsuits da Clinton). Assim, teríamos um feito extraordinário da ciência e quer homens quer mulheres no Twitter só sabiam criticar a roupa da mulher que foi entrevistada e não o seu feito extraordinário.

      O que diriam todas essas “feministas” e críticos de twitter nessa altura?
      Provavelmente chamariam, e muito bem, a todas essas críticas, de machistas e sobretudo sexistas.

      Pois bem… mas quando é um homem a ser criticado da mesma forma, já não conseguem perceber que são elas as sexistas… enfim…

      P.S.: se existisse um Hitler nos dias de hoje, os/as pobres de espírito usariam o Twitter para criticar a roupa dele… não as suas ações.

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