A Estrela Nova de 1572

A 11 de Novembro de 1572, ao fim do dia, o astrónomo dinamarquês Tycho Brahe encaminhava-se para sua casa quando se apercebeu de algo estranho no familiar céu nocturno. A constelação de Cassiopeia, facilmente reconhecida pelo asterismo em forma de W formado pelas suas 5 estrelas mais brilhantes, parecia deformada. Uma nova estrela, tão brilhante como o planeta Júpiter, tinha-se imiscuído por entre elas. Uma estrela nunca antes vista.

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O astrónomo dinamarquês Tycho Brahe (1546–1601).

A surpresa de Tycho Brahe é bem patente na sua própria descrição do fenómeno (minha tradução livre):

No décimo primeiro dia de Novembro, ao crepúsculo, contemplava as estrelas no céu limpo quando reparei numa nova e pouco usual estrela. O seu brilho superava o de todas as outras e estava localizada quase directamente por cima da minha cabeça. Como, desde a minha juventude, tenho um conhecimento íntimo das estrelas do firmamento, tornou-se evidente para mim que nunca tinha existido nenhuma estrela naquela parte do céu, muito menos uma tão conspícua e brilhante como esta. Fiquei tão espantado com esta visão que não senti qualquer embaraço em duvidar da fiabilidade dos meus próprios olhos. Mas quando reparei que outros, depois de lhes ter apontado a localização da estrela, viam o mesmo, as minhas dúvidas desapareceram. Trata-se de um milagre, sem dúvida, um que nunca foi visto anteriormente, em qualquer época, desde a criação do mundo.

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Gravura representando Tycho Brahe observando a supernova de 1572. Camille Flammarion, “Astronomie Populaire”, 1881.

Tycho não foi a primeira pessoa a reparar na nova estrela. O astrónomo seu contemporâneo Wolfgang Schüler já a tinha observado no dia 6 de Novembro e o espectáculo não passaria despercebido às multidões que na altura, apesar de pouco letradas, observavam o céu com regularidade. Nos dias seguintes à primeira observação de Tycho, a estrela aumentou de brilho rapidamente, até atingir uma magnitude semelhante à de Vénus, tornando-se visível em pleno dia ao longo de duas semanas. No final de Novembro começou a diminuir de brilho gradualmente até deixar de ser visível a olho nu em Março de 1574!

As observações de Tycho permitiram demonstrar que a estrela estava muito distante da Terra, muito para lá da Lua, do Sol e dos planetas, situando-se no domínio do que se pensava então ser uma esfera imutável de estrelas fixas. A estrela nova de 1572 demonstrou de forma incontornável a falsidade do princípio Aristotélico da imutabilidade do firmamento, doutrina dominante durante quase 1500 anos e patrocinada pela Igreja.

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Representação da estrela nova de 1572 (seta vermelha) numa página do livro “De Stella Nova” da autoria de Tycho Brahe. O asterismo em forma de W constituído pelas estrelas mais brilhantes da constelação Cassiopeia está também representado. Fonte: Danish National Library of Science and Medicine.

Sabe-se hoje que a estrela observada por Tycho Brahe em 1572 corresponde a uma das poucas explosões de estrelas — supernovas — na Via Láctea de que há registos nos últimos 2 mil anos. Trata-se de uma supernova designada tecnicamente por “tipo Ia”, o que quer dizer que resultou da explosão termonuclear de uma anã branca. Podem perceber melhor isto neste artigo. O remanescente desta supernova é visível actualmente junto à posição indicada no desenho de Tycho Brahe. Apesar de ser pouco luminosa em comprimentos de onda do visível, o remanescente contém material aquecido a temperaturas de milhões de Kelvin por ondas de choque e emite por isso predominantemente radiação electromagnética mais energética como raios X. O material da estrela que explodiu continua a sua expansão para o espaço interestelar a uma velocidade de 9000 km/s!

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O remanescente da supernova de 1572 observado em raios X pelo Telescópio Espacial Chandra. Crédito: NASA/CXC/SAO.

A imagem obtida com o Telescópio Espacial Chandra, mostra a emissão de raios X de diferentes energias representados com as três cores primárias — azul, verde e vermelho — por ordem decrescente de energia. A “bolha” azul, que vemos em perfil na imagem, na periferia do remanescente, corresponde a uma região em que o material da estrela interage com o gás e as poeiras do espaço interestelar circundante. A onda de choque resultante acelera electrões e outras partículas elementares nessa região até energias muito elevadas, que emitem posteriormente raios X muito energéticos. O interior da bolha também emite raios X mas de energias inferiores. Isto acontece porque, quando a primeira onda de choque se forma, uma outra, como um ricochete, avança no sentido inverso, para o interior da bolha aquecendo o material aí existente a temperaturas de vários milhões de Kelvin. Estes raios X permitem observar a dinâmica complexa da explosão, a forma como o material se expandiu em filamentos e grumos com diferentes composições elementares. De facto, elementos diferentes emitem raios X com energias características, permitindo aos astrónomos mapear a sua abundância e distribuição — e.g. cálcio, enxofre, silício e ferro — no remanescente.

1 comentário

    • Samuel Junior on 26/11/2014 at 15:46
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    Que linda esta imagem do remanescente desta super nova la. E pensar que vários dos elementos de nosso corpo surgiram por meio de uma destruição colossal desta. Pó de estrelas, como diria Carl Sagan.

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