Onde se Escondem os Cometas ?

Todos os anos são descobertos dezenas de cometas. Em geral são demasiado débeis para poderem ser vistos a olho nu e só ocasionalmente um deles, pelo seu brilho intrínseco e/ou devido a um percurso orbital que o traz para perto do nosso planeta, se torna suficientemente brilhante para atrair a atenção de um público mais abrangente. Alguns, muito poucos, são mesmo tão brilhantes que são facilmente visíveis pela população em geral que nota a presença do corpo celeste mesmo com uma observação casual do firmamento. Estes “Grandes Cometas”, como são designados, tornam-se parte da memória colectiva da humanidade. Um exemplo relativamente recente e que muitos leitores certamente recordarão foi a aparição do cometa Hale-Bopp, o “Grande Cometa de 1997″.

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{Hale-Bopp, o Grande Cometa de 1997. Crédito: Jerry Lodriguss.}

Tal como os planetas, os cometas orbitam o Sol em órbitas elípticas, com o Sol num dos focos. As órbitas dos cometas ficam completamente definidas através de 5 parâmetros — o “semi-eixo maior”, a “excentricidade”, o “argumento do periélio”, a “longitude do nó ascendente” e a “inclinação orbital”. Não se preocupem com os nomes estranhos. A forma da órbita é definida apenas pela “excentricidade” e pelo “semi-eixo maior”. Os outros três nomes definem a orientação espacial da órbita do cometa.

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{A órbita de um corpo celeste em torno do Sol tem a forma de uma elipse em que o Sol ocupa um dos focos. O periélio e o afélio são, respectivamente, os pontos de menor e maior distância do corpo ao Sol.}

A excentricidade pode ser vista como uma medida do desvio da forma da órbita relativamente a uma circunferência — na realidade, uma circunferência é uma elipse de excentricidade zero. Nesta situação, os dois focos da elipse coincidem com o centro da circunferência. Um hipotético cometa com uma órbita de excentricidade zero manteria sempre a mesma distância ao Sol. À medida que consideramos excentricidades mais elevadas, os focos da elipse afastam-se cada vez mais do centro. Para cometas com estas órbitas — essencialmente todos — a distância ao Sol varia consideravelmente ao longo da órbita. Os pontos da órbita em que o cometa mais se aproxima e mais se afasta do Sol são designados, respectivamente, de periélio e afélio.

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{Elipses com o mesmo semi-eixo maior e diferentes excentricidades.}

Já agora, uma órbita com excentricidade 1 é uma parábola, não uma elipse. Podem imaginar (de forma pouco rigorosa, mas serve) aumentar a excentricidade de uma elipse cada vez mais até valores próximos do 1. A elipse estica, estica, até que, no limite, a órbita que antes era fechada rasga num ponto e assume a forma de uma parábola. Cometas com órbitas parabólicas têm uma energia orbital suficiente que lhes permite manter uma ligação muito débil com o Sol. Uma pequena perda de energia mantem-nos debaixo da influência gravitacional do Sol, baixando a excentricidade para um valor ligeiramente inferior a 1. A sua órbita passa de uma parábola para uma elipse. Por outro lado, um pequeno aumento de energia permite que se libertem indefinidamente da influência gravitacional do Sol e se percam no espaço interestelar. A sua órbita passa de uma parábola para uma hipérbole, com excentricidade superior a 1. De facto, alguns (poucos) cometas observados ao longo da história tinham órbitas hiperbólicas pelo que é possível que sejam visitantes do espaço interestelar! Finalmente, o semi-eixo maior da órbita define o tamanho absoluto da mesma. Cometas cujas órbitas têm um semi-eixo maior elevado, independentemente da excentricidade, afastam-se imenso do Sol e têm períodos orbitais igualmente elevados.

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{Elipses (órbitas fechadas, exemplos para e=0 e e=0.5), parábola (órbita aberta, e=1) e hipérbole (órbita aberta, exemplo para e=2). Fonte: Wikipedia.}

Na década de 50 do século XX, os astrónomos Jan Oort e Ernst Öpik, independentemente, estudaram a forma e orientação das órbitas de dezenas de cometas para os quais esses parâmetros eram conhecidos. Eles tentavam perceber qual a origem dos cometas e qual a região do Sistema Solar que lhes servia de repositório. Oort e Öpik descobriram que a vasta maioria dos cometas tinha excentricidades orbitais muito elevadas, superiores a 0.9 e frequentemente indistinguíveis de 1. A distribuição estatística dos semi-eixos maiores dos cometas mostrava também que a maioria deles se afastava imenso do Sol.

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{O pico próximo de zero na distribuição dos valores de 1/a (o inverso do semi-eixo maior) mostra que a maioria dos cometas tem órbitas com semi-eixos maiores enormes.}

Os astrónomos perceberam assim que a maioria dos cometas tinha uma ligação muito ligeira ao Sistema Solar (pois tinham elevadas excentricidades orbitais) e deveriam passar a maior parte do tempo numa região do Sistema Solar muito afastada do Sol (porque tinham semi-eixos maiores muito grandes). De facto os seus períodos orbitais eram frequentemente na ordem das centenas de milhar ou milhões de anos!

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{Jan Oort (esquerda) e Ernst Öpik (direita).}

Oort e Öpik estudaram ainda a orientação das órbitas no espaço tridimensional. Neste caso os dados à sua disposição mostravam claramente que os cometas se aproximavam do Sol sem nenhuma direcção preferencial. Mais ainda, tendo em conta a quantidade de cometas que nos visita regularmente e os milhares de milhões de anos da história do Sistema Solar, o número total de cometas deveria ser literalmente astronómico. A conclusão a que chegaram foi notável: na região mais exterior do Sistema Solar, ocupando uma região entre 20000 e 50000 UA (1 UA = distância da Terra ao Sol ~ 150 milhões de km), encontra-se uma nuvem esférica de núcleos cometários. Este vasto repositório de cometas, que quando perturbados gravitacionalmente iniciam a sua viagem para o interior do Sistema Solar, é designado, como seria de esperar, por Nuvem de Öpik-Oort.

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{A Nuvem de Öpik-Oort, uma nuvem esférica de núcleos cometários que rodeia o Sistema Solar mais familiar e, em última análise, define a sua esfera de influência no espaço interestelar.}

Este cenário, com pequenas correcções e refinamentos, tem vindo a ser corroborado por estudos mais recentes. Apesar disso, note-se, nunca ninguém observou a Nuvem de Öpik-Oort directamente — os núcleos cometários aí existentes são demasiado pequenos e débeis para serem detectados mesmo com os maiores telescópios existentes na Terra ou no Espaço. Os núcleos são compostos por gelos diversos, poeira e diferentes tipos de rocha, formando uma amálgama porosa com uma consistência frágil, coberta por uma superfície escura, tão escura como o asfalto nas nossas estradas, devido à formação de moléculas orgânicas complexas por interacção com raios ultravioletas e raios cósmicos. Trata-se de relíquias da nebulosa protoplanetária que deu origem ao Sistema Solar que nunca chegaram a agregar-se e a formar corpos maiores. Nessa altura ocupavam sensivelmente o mesmo plano orbital dos planetas. Os modelos mais recentes da formação e evolução do Sistema Solar explicam a formação da Nuvem de Öpik-Oort através da interacção gravitacional entre os núcleos cometários e os planetas gigantes Júpiter e Saturno. A intensa gravidade destes planetas terá modificado a excentricidade, o semi-eixo maior e a orientação tridimensional das órbitas de biliões (Brasil: trilhões) de núcleos cometários, atirando-os para longe do Sistema Solar interior, em todas as direcções, formando a Nuvem de Öpik-Oort.

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{O núcleo do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko fotografado pela sonda Rosetta. Crédito: ESA.}

4 comentários

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    • Manuel Fernandes on 24/04/2015 at 16:00
    • Responder

    Porque não respondeu ?

    Sucesso

    1. Já foi respondido…

      Note que todos nós somos profissionais nas nossas áreas, mas respondemos no blog de forma voluntária… por isso pode demorar algumas vezes.

      abraços

    • Manuel Fernandes on 22/04/2015 at 22:32
    • Responder

    Luis, é possível calcular um novo perielio a partir da variação da excentricidade?

    1. Bom dia Manuel,

      Não percebi a sua pergunta. Podia elaborar ? O que quer dizer com a “variação da excentricidade” ?

      Luis

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