Uma estrela vive sempre no fio da navalha. Por um lado, o peso do gás ionizado (plasma) que a constitui tenta constantemente esmagá-la, pois as estrelas não são corpos rígidos. Por outro lado, a radiação libertada pelas reacções de fusão no seu âmago, em que átomos mais complexos são sintetizados a partir de outros mais simples, exerce uma pressão no plasma, forçando a sua expansão. O delicado equilíbrio entre estas duas forças antagónicas — designado por equilíbrio hidrostático — tem de ser mantido ao longo da vida da estrela. Algumas estrelas, no entanto, são tão maciças e tão luminosas que a pressão da radiação está próxima do valor máximo teórico a partir do qual a estrela se dispersaria completamente para o espaço. Este valor é designado por “Limite de Eddington”.
A mais famosa destas estrelas é Eta (η) Carinae, situada na constelação austral de Carina, a Quilha. Trata-se de um sistema binário em que ambas as componentes são estrelas supergigantes azuis, muito maciças e quentes. A maior das duas estrelas tem mais de 100 massas solares e uma luminosidade de 5 milhões de sóis em todos os comprimentos de onda do espectro electromagnético. É uma das estrelas mais luminosas da Via Láctea e vive perigosamente perto do limite de Eddington. Da outra estrela do sistema pouco se sabe. Estima-se que seja uma supergigante azul normal, ainda assim um colosso com 30 massas solares e uma luminosidade mais de 100 mil vezes superior à solar.
Estrelas como a componente principal de Eta Carinae são muito instáveis e perdem massa a um ritmo prodigioso, numa tentativa desesperada de manter o seu equilíbrio interno. De facto, os astrónomos estimam que a estrela terá iniciado a sua vida com 150 massas solares e, nos poucos milhões de anos que tem de vida, terá já ejectado pelo menos 30 para o espaço. No início do século XIX, os astrónomos tiveram o privilégio de assistir a uma destas “crises existenciais”. Normalmente no limite de visibilidade a olho nu, Eta Carinae apresentou um aumento de brilho gradual ao longo de vários anos, até atingir um pico de luminosidade em 1843. Entre 1837 e 1845, foi a segunda estrela mais brilhante do céu, ultrapassada apenas por Sirius, na constelação do Cão Maior.
Por detrás desta erupção, sabe-se hoje, esteve um episódio particularmente violento de perda de massa por parte da estrela: Eta Carinae ejectou para o espaço entre 10 a 20 massas solares de material, que formaram gradualmente uma nebulosa bipolar em torno do sistema binário. À medida que ia arrefecendo, esta bolha de material tornou a estrela mais brilhante no espectro visível, absorvendo a intensa radiação ultravioleta das supergigantes e re-emitindo essa energia em comprimentos de onda mais longos. Na altura, o material à volta do sistema era tão denso que Eta Carinae pareceu, durante muitos anos, ter-se transformado numa supergigante amarela, muito mais fria do que era na realidade. Não obstante esta mudança no aspecto exterior, a luminosidade total do sistema, em todos os comprimentos de onda, manteve-se essencialmente constante.
Imaginem só: 10 massas solares atiradas para o espaço em apenas alguns anos! Para estrelas como Eta Carinae, a luta pela sobrevivência pode ter consequências espectaculares.
2 comentários
1 ping
Gostei do artigo e das ilustrações. O título está bem escolhido e (para mim) é bastante “expressivo”…
Aliás, toda a nossa biosfera é tão “fina” e frágil, que me lembra uma (simples?) bolha de sabão…
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bolha_de_sab%C3%A3o
http://en.wikipedia.org/wiki/Soap_bubble
http://pt.wikipedia.org/wiki/Biosfera
http://pt.wikipedia.org/wiki/Biosfera_artificial
Uma outra ilustração duma ideia semelhante:
http://sploid.gizmodo.com/the-fine-line-separating-safety-from-disaster-in-one-si-1677231268
It seems that, every time the heavy rain season comes, some Austrians live in a permanent situation of impending disaster. Just look at these homes right next to a flood protection wall that seems about to burst and destroy everything.
The fact is that we all live on the edge between normality and total obliteration no matter where we are. A car crash, a random kitchen accident, a misstep in the bathroom, a bad infection, cancer—a million things can go wrong and change our lives forever.
Não diria que elas vivem no limite.
Diria que elas tem uma compensação dinâmica das forças instáveis, de forma muito eficiente e .. natural ..
[…] Estrelas tão maciças e luminosas são instáveis pois a pressão da radiação que produzem é próxima do valor máximo teórico a partir do qual a estrela se dispersa completamente para o espaço — o Limite de Eddington. Eta Carinae luta desesperadamente por manter a sua estabilidade e para isso tem de “fazer dieta”, perdendo massa em erupções gigantescas. [Nota: podem ler mais sobre Eta Carinae e a sua erupção no século XIX neste artigo.] […]