Superfície de Vénus poderá ter sido banhada por oceanos de dióxido de carbono

Venus_Mariner10_050274_Malmer01O planeta Vénus, numa composição de imagens obtidas pela sonda Mariner 10, a 05 de fevereiro de 1974.
Crédito: NASA/JPL/Mattias Malmer.

Vénus é um planeta estranho. Na superfície, a temperatura atinge valores suficientemente elevados para derreter chumbo, estanho e zinco, e a pressão atmosférica é equivalente a cerca de 92 vezes a pressão da atmosfera terrestre ao nível do mar. As montanhas mais elevadas estão cobertas por substâncias com elevada refletividade no radar, o que sugere que nestas regiões nevam compostos metálicos semicondutores – provavelmente, sulfuretos de chumbo e bismuto.

Um novo trabalho recentemente publicado na revista Journal of Physical Chemistry Letters vem agora adicionar um outro fenómeno extremo ao pecúlio de excentricidades que caracterizam o segundo planeta a contar do Sol: a presença de antigos oceanos de dióxido de carbono supercrítico na sua superfície.

Atualmente, a atmosfera venusiana é composta quase na sua totalidade por dióxido de carbono; no entanto, no passado, deverá ter albergado uma grande quantidade de água – suficiente para cobrir a superfície do planeta até uma altura de 24 metros. Vénus foi sempre muito quente, pelo que toda essa água deverá ter permanecido na atmosfera sob a forma de densas nuvens. Sem um campo magnético que o protegesse do vento solar, o planeta acabou por deixar escapar quase toda a sua água para o espaço.

Uma equipa de investigadores liderada por Dima Bolmatov da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, vem agora sugerir que, em vez de oceanos de água, Vénus poderá ter tido no passado estranhos oceanos de dióxido de carbono supercrítico. “Presentemente, a atmosfera de Vénus é maioritariamente [composta por] dióxido de carbono, 96,5% por volume”, afirmou Bolmatov ao site Space.com.

Embora possa existir sob a forma sólida, líquida e gasosa, quando ultrapassa um ponto crítico de temperatura e pressão, o dióxido de carbono transforma-se num fluído supercrítico – um bizarro estado da matéria, em que um composto adquire, simultaneamente, as propriedades de líquido e de gasoso. O dióxido de carbono supercrítico é usado na produção de produtos farmacêuticos e de café descafeinado. No entanto, pouco se sabe acerca do seu comportamento em diferentes condições ambientais.

Sedna_Planitia_Venus_RDRS_MagellanCanal invulgarmente longo, com cerca de 2 km de diâmetro, situado na região leste de Sedna Planitia, em Vénus. Imagem de radar captada pela sonda Magellan.
Crédito: NASA.

Para compreenderem os efeitos que estes fluídos poderiam ter tido na paisagem venusiana, a equipa liderada por Bolmatov simulou em computador a atividade molecular de um fluído supercrítico. Para sua surpresa, as propriedades físicas destas substâncias não mudam gradualmente com a pressão e a temperatura, como se pensava. Em vez disso, a matéria supercrítica passa subitamente de um comportamento típico de um gás para um comportamento típico de um líquido.

Dados obtidos pela sonda europeia Venus Express sugerem que, no passado, a pressão atmosférica na superfície de Vénus teria sido dezenas de vezes superior à atual. Estas condições ter-se-iam mantido por um período relativamente longo de 100 a 200 milhões de anos, e teriam gerado condições ideais para a formação de oceanos de dióxido de carbono supercrítico na superfície do planeta.

“Isto, por sua vez, torna plausível a possibilidade de que estruturas geológicas em Vénus, como vales de rifte e formações semelhantes a leitos fluviais e a planícies aluviais, sejam vestígios da atividade superficial de dióxido de carbono supercrítico semelhante a líquido”, disse Bolmatov.

Os investigadores descobriram ainda que, dependendo da temperatura e da pressão, teria sido possível ocorrerem bolsas de dióxido de carbono supercrítico com propriedades de gás, com um aspeto semelhante ao de bolhas de sabão – “uma bolha de gás que se encontra coberta por uma espessa camada de líquido”, explicou Bolmatov. Estas bolhas poderiam ter fluído pela paisagem, deixando marcas que se assemelhariam a linhas de água.

A equipa pretende agora realizar experiências laboratoriais que permitam detetar as súbitas mudanças observadas nas simulações. Podem encontrar mais detalhes sobre este trabalho aqui.

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