Bem-vindos ao ano 1000

Terror no ano 1000. Crédito: John Jude Palencar

Terror no ano 1000. Crédito: John Jude Palencar

Estamos no Ano 1.000 após o nascimento de Cristo.
Estamos no final de uma era a que séculos mais tarde, muitos historiadores iriam referir-se como Idade das Trevas.
Esta era foi assim caracterizada porque – fazendo generalizações – na Europa se substituiu a razão pela superstição, se substituiu o conhecimento pelas crenças. O medo psicológico, o pavor das doenças (epidemias mortais), a ignorância sobre o mundo, foram os grandes temas. Os grandes beneficiados foram os “grandes líderes” que obviamente tinham “a carneirada” aos seus pés, a adorá-los, já que a população não tinha qualquer tipo de pensamento crítico. A morte era a raínha deste clima pseudo.

Cerca do ano 350 a.C., ou seja, 13 séculos antes do ano em que estamos (1000), já Aristóteles tinha provado (através de 3 argumentos observacionais) que a Terra é redonda.
No entanto, infelizmente, neste ano (1000), por ignorância e por fundamentalismos religiosos, ainda muita gente (do povo) continua a pensar que a Terra é plana.

Cerca de 250 a.C., ou seja, 12 séculos antes do ano em que estamos (1000), já Aristarco de Samos (através do bom senso e muita matemática) tinha proposto que a Terra girava sobre o seu eixo e orbitava o Sol. 5 séculos mais tarde, Hipátia tentou demonstrar o mesmo, com órbitas elípticas (e não circulares) e com experiências de atirar coisas para o chão a partir do topo de mastros de navios em movimento.
No entanto, infelizmente, neste ano (1000), muita gente continua a acreditar que a Terra está imóvel no Universo devido à crença cega em supostos livros religiosos (que alguns líderes expõem à frente da “carneirada”). A Terra está no centro do Universo, não anda à volta de nada, e claro que está imóvel, porque o terreno e a atmosfera não estão em contacto e o terreno está parado senão perceberíamos que estamos a andar (e cair) sem querer. Também existe a crença que não há mais ninguém na Terra, sobretudo “do outro lado da Terra”, já que seria impossível termos pessoas a viverem nos antípodas (estariam de cabeça para baixo e cairiam na escuridão do cosmos, obviamente!). Neste ano (1000) também se acredita que é impossível viajar pelo reino dos céus, já que essas viagens celestiais só estão destinadas aos deuses (ou a Deus e aos seus empregados).

Felizmente, cerca de 5 séculos após esta Idade das Trevas (na verdade, estas coisas são graduais, mas para efeitos de história vou esquecer esse “pormenor”), a Europa teve uma revolução no pensamento. Com o estudo científico, existiu um enorme avanço no conhecimento e algumas das coisas que se passaram a saber por toda a gente (por ser facilmente demonstrável) é que a Terra gira sobre o seu eixo e orbita a estrela Sol.

Estando nós no ano 1000, obviamente que começamos a imaginar como será o mundo no futuro. Que coisas estranhas existirão? Certamente já se saberá muito mais coisas.
No ano 2000 até poderão existir máquinas que falam sozinhas. Quiçá até se falará para microfones, para podermos projetar a voz para onde quisermos. No ano 2000 até poderão existir imagens e voz transmitidas a milhares de quilómetros de distância (com rádios, televisões e internet). Até poderemos já ter conquistado o chamado reino dos deuses, o céu, e enviarmos máquinas para lá. Quiçá até poderemos viajar nós próprios, humanos, pelos céus (com aviões) e com naves para outras rochas gigantes no Universo, como a Lua.
Esse futuro fantástico será certamente construído devido ao engenho humano. Será por “culpa” da ciência. Não é magia, é mesmo ciência! Os grandes promotores deste futuro idílico serão certamente os cientistas. Só através da ciência, do conhecimento, é que a Humanidade passa a ser feita, não de humanos ignorantes que vivem para somente sobreviverem, mas de deuses que desbravam os céus com o intuito de irem sempre mais além.
Os humanos do ano 2000 e os deuses do ano 1000 são praticamente indistinguíveis…

Nesse futuro utópico, do ano 2000, obviamente:
1 – não existirão guerras estúpidas sobre qual deus é o melhor (ou sobre qual mercedes é maior);
2 – mais ninguém imaginará que as doenças se curarão com mesinhas, água, e olhares com mãos à distância;
3 – mais ninguém acreditará que os planetas são deuses que nos dão a personalidade à nascença;
4 – tendo em conta todo o Universo que nessa altura (ano 2000) se conhecerá, obviamente que ninguém mais pensará que a Terra está no centro do Universo;
5 – e, claro, mais ninguém colocará as suas crenças pessoais à frente do conhecimento, até porque toda a gente terá pensamento crítico e não acreditarão cegamente em livros escritos milhares de anos antes só porque sim.

Desta forma, obviamente no ano 2000, os vendedores de banha-de-cobra já não existem, a homeopatia foi corretamente esquecida como superstição milenar, o Reiki foi corretamente classificado como mais uma crença imbecil New Age, à astrologia é dedicada todos os dias uma coluna em jornais a relembrar os “bons velhos tempos” em que andávamos todos enganados com a Terra ser o centro do Universo (com a advertência de “Perigo, que nunca mais retornemos a esta ignorância”), as conspirações serão inexistentes, a religião tem nesse ano 2000 um papel totalmente secundário (mais ninguém acredita em deuses sentados em poltronas sobre a Terra, e obviamente ninguém se guerreia por essas coisas, tal como não há guerras sobre qual boneca Barbie é a mais bonita ou quantos ovos coloca o Coelhinho da Páscoa – até porque toda a gente sabe que os coelhos são mamíferos, por isso não põem ovos), e claro que toda a gente estuda para ter conhecimento e não acredita em livros antigos através da falácia da autoridade (por isso é que mais ninguém defende, nem tem o descaramento de defender que a Terra é plana ou que está imóvel no Universo).

(no vídeo, o líder religioso da Arábia Saudita, sheikh Bandar al-Khaibari explica numa universidade dos Emirados Árabes Unidos há 2 semanas atrás, que a Terra está imóvel no Universo: não orbita o Sol nem sequer roda sobre o seu próprio eixo. Tem que estar imóvel. Se se movesse, não se conseguia ir de avião para a China, bastaria dar um salto e esperar que a China estivesse nos nossos pés).


No ano 2000, toda a gente entenderá esta mensagem e perceberá que foi o conhecimento científico que permitiu à Humanidade ter a resposta à pergunta mais importante de sempre (o lugar da Terra, e da Humanidade, no Universo):




No ano 2000 existirá, obviamente, uma sociedade científica, racional, e totalmente assente em evidências. Em resumo, todas as pessoas terão conhecimento e pensamento crítico.


P.S.: uma versão melhorada deste texto, está no Bitaites, aqui.

11 comentários

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    • João Carlos Duque on 21/02/2015 at 13:46
    • Responder

    Magnifico artigo, Carlos.

    1. Obrigado 🙂

  1. Isso me lembra a época de ouro da ciência islâmica, onde na minha opinião, o livre exame do Corão foi a causa da decadência do islã. Quando movimentos conservadores tomaram de assalto a civilização árabe, não havia quem fosse uma autoridade central para defender a interpretação que garantisse a liberdade de pensamento e a Onipotência de Allah que não interferisse a produção da filosofia e ciência. Os conservadores como Al-Ghazali pregavam um Deus imanente que penetrava em todos os conhecimentos humanos tornando toda a investigação inútil. Foi o apego às tradições e o desejo de uma sociedade esclerosadamente conservadora que resultaram na decadência do islã. Se nós já sabemos tudo, temos a tradição, para quê avançarmos mais?

    Podemos creditar ao filósofo Al-Ghazali a proeza da destruição de uma civilização que era progressista e com um grau muito bom de tolerância. Al-Ghazali rejeitava todo o conhecimento dos filósofos e dizia que os islâmicos deveriam voltar às origens, ou seja, tornarem-se conservadores e apegados à uma falsa tradição. Ele era do tipo que apontava o dedo para os que julgava inovadores e os denunciava em sua obra.

    Escolhas filosóficas erradas podem ser catastróficas para o destino das civilizações e países. A Europa Medieval soube escapar dessa armadilha pois nunca houve alguém para denunciar a filosofia antiga, e depois no renascimento, apesar da denúncia inútil dos papas, a filosofia seguiu seu caminho sem ser molestada. Os que queriam o progresso sempre foram os vencedores. O desafio agora é saber não cair na armadilha conservadora em termos de filosofia e moral. Se não prestarmos atenção, podemos estar nos condenando a uma sociedade paralisada, cheia de injustiças e com a crença de um Deus que tudo se ocupa, nada restando ao homem fazer.

    1. Excelente análise…

      Eu até comparava com Portugal durante a ditadura… e a China quando ardeu a sua magnífica frota naval (melhor do mundo na altura). É a política do “orgulhosamente sós”, fechados em si próprios…

        • Andrei on 22/02/2015 at 22:36

        E o fato Carlos de que hoje vivemos na era da informação, mas as pessoas preverem viver na desinformação!
        Desinformação esta, que atinge níveis estúpidos no meio religioso, aqui no Brasil então, tenho medo de que este vire futuramente uma teocracia evangélica!

  2. Não precisa imaginar um mundo sem religião, é so ir para koreia do norte que é um paraíso! RS…

    1. Existem várias religiões, como em todos os países, na Coreia do Norte.
      No entanto, a religião dominante é esta:
      http://en.wikipedia.org/wiki/Cheondoism

      Claro que como em vários países, incluindo europeus, tende a existir uma separação legal entre Estado e Religião, daí que o governo é secular… ou diz-se secular, como acontece em muitos países europeus.
      http://pt.wikipedia.org/wiki/Secularismo

      abraços

  3. Fantástico 😀

    1. 😀

  4. Magnifico este artigo sem qualquer dúvida. É igualmente incrível e lamentável como atualmente se permite que certos indivíduos têm e lhes é igualmente facultado o acesso a universidades para expressarem tamanhas barbaridades! Fico incrivelmente desiludido como em 2015 se pode transmitir tamanho desconhecimento em uma universidade e nunca imaginei que acontece-se logo na Arábia Saudita julguei-os muito mais civilizados do que o são na realidade pelo que se vê! Lamentável! E tal como John Lennon manifesta muitíssimo bem na letra de sua musica, Imaginemos um mundo sem religião, sem inferno abaixo de nós só o céu acima de nós e agora digo eu agora sem preceitos sem os infindáveis defeitos tão naturalmente associados à nossa simples humanidade mas, no meio de tanto preconceito sensacionalismo e interesses que igualmente reinam nos dias de hoje eu acredito e creio sim que a humanidade terá futuro sim mas também acredito que esse futuro não será para todos mas sim para aqueles que de melhor possuem que é simplesmente a inteligência e a sua correta aplicação na pratica e sempre aliada à ciência e ao serviço da humanidade. Jamais a utilização de desinformação trará algo de benéfico seja para quem for seja para que sociedade for, Jamais!
    Acho que para resumir ou acrescentar ao título deste artigo “Bem-vindos ao ano 1000” nada melhor que acrescentar já agora, isto:
    Eu vejo televisão todos os dias, telejornais, documentários científicos e históricos mas não acredito na existência da eletricidade!? Que tal? Fantástico não é? Muito bom não haja dúvidas!

    1. Obrigado pelas palavras 🙂

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