Uma voltinha pelos planetas

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A NASA fez muito bem em criar no princípio deste ano três cartazes turísticos para os hipotéticos interessados em visitar exoplanetas. É bastante provável que daqui a alguns milhares de anos venhamos a precisar deles.

Vamos de certeza querer visitar o (provavelmente rochoso) Kepler-186f e deslumbrar-nos com um ambiente de penumbras avermelhadas devido à luz da estrela anã vermelha que o planeta orbita. Deve ser maravilhoso ir lá e dar uma vista de olhos às estranhas (e hipotéticas) plantas de um amarelo escuro – devem ser desta cor porque assim absorvem com mais eficiência a luz ténue da estrela.

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Só precisamos que Kepler-186f seja mais parecido com a Terra do que com Vénus. De muito longe, Terra e Vénus são igualmente prometedores mas no nosso Sistema Solar já sabemos no que resultaram essas promessas. São primos desavindos – e isto é uma maneira simpática de descrever a situação. Ninguém gosta de cozinhar durante as férias, mas ser cozinhado também não parece ser uma boa alternativa. Para já, a viagem fica adiada até que novas observações confirmem Kepler-186f como um destino agradável.

Nestas viagens siderais a longas distâncias em direção a corpos astrais desconhecidos – Kepler 186f fica a uns 500 anos-luz – há sempre a possibilidade de uma drástica mudança de planos. Que tal uma visita a um planeta de alta definição, o HD 40307g?

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Este fica muito mais perto de nós: uns míseros 42 anos-luz. É uma Super-Terra, ou seja, um planeta (provavelmente rochoso) com o dobro do tamanho e uma massa, no mínimo, sete vezes maior do que a do nosso. Como não sabemos nada ainda sobre o clima e a composição do planeta (será uma Terra gigantesca ou um Neptuno em ponto pequeno, sem superfície sólida?), também não conseguimos dizer se é capaz de suportar água líquida.

Mas parece claro que um planeta rochoso tão grande e massivo não faz bem à moral de quem está a fazer dieta porque ali a gravidade deve ser tão forte que até um guru do fitness sentiria problemas de auto-estima. O cartaz da NASA parece querer dizer-nos que experimentar esta «super-gravidade» é uma coisa divertida, mas para já prefiro esperar mais uns milhares de anos antes de decidir.

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Já o planeta Kepler-16b, a 196 anos-luz da Terra, é um excelente destino turístico para a malta que daqui a uns milhares de anos ainda defenda que «A Guerra das Estrelas» é o melhor filme de ficção científica jamais realizado. Tem dois sóis, como o planeta natal de Luke Skywlaker, Tatooine, mas desconfio que este cartaz da NASA foi feito por um ilustrador excecionalmente otimista.

Neste Tatooine da vida real provavelmente não poderemos sentar-nos com a namorada a ver dois românticos sóis no céu porque não existe uma superfície sólida onde apoiar os pés. Sim, o Kepler-16b deve ser um grandalhão gasoso do tipo Saturno e a temperatura (entre 100 e 70 graus celsius negativos) arruinaria qualquer clima romântico entre os nossos pombinhos espaciais, mesmo que fosse possível superar a ausência de um sítio sólido onde pousar o rabo.

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Milhares de milhões de exoplanetas habitáveis? Ena pá.

Cautela e caldos de galinha antes de tirar conclusões – eis um método científico saboroso e que faz bastante bem à saúde. Por exemplo, sítios e jornais em todo o mundo foram inundados esta semana com a notícia de que deverão existir milhares de milhões de estrelas com planetas orbitando a chamada Zona Habitável – e isto só na nossa Via Láctea.

Milhares de milhões! Se for verdade, o orçamento da NASA esgotar-se-á só por causa da quantidade de cartazes que terá de encomendar.

Quem tem o hábito de ler apenas as gordas poderá ter registado a notícia como um facto indubitável, mas na verdade trata-se de uma previsão meramente estatística baseada na matemática controversa da Lei de Titius-Bode.

Sim, a lei de Titius-Bode é exatamente como soa: o primeiro nome sugere um cônsul romano, o outro sugere alguém pouco familiarizado com a Astrofísica. Poucos a conhecem e na parte em que a podemos avaliar – a correção das suas previsões – o «bode» nem sempre marra no sítio certo.

A lei estipula que deve existir sempre um planeta a determinadas distâncias dos respetivos sóis. No nosso Sistema Solar, por exemplo, a lei previu corretamente a existência de Úrano no «sítio» onde acabou por ser descoberto, mas deu barraca para a órbita de Neptuno.

Se deu barraca com Neptuno, pode dar em qualquer outro planeta da galáxia – não sei se esta conclusão se enquadra bem no espírito da lei de Titius-Bode, mas vocês percebem a ideia.

E o que aconteceu afinal para os jornais andarem a noticiar uma galáxia inteira fervilhante de vida extraterrestre?

Uma equipa internacional de astrónomos resolveu aplicar a matemática Titius-Bode em 151 sistemas planetários na nossa galáxia. E concluiu que nesses sistemas devem existir 228 planetas. Em cada sistema planetário, previram a existência de um a três planetas na Zona Habitável (como acontece no nosso sistema solar).

E em 31 desses sistemas, Titius-Bode diz-nos que devem existir planetas rochosos e com água líquida à superfície.

A previsão estatística de Titius-Bode implica assim a existência de milhares de milhões de planetas potencialmente habitáveis só na Via Láctea – daí o título das notícias. É uma extrapolação interessante e prometedora, mas especulativa a ponto de colocar água líquida na superfície de planetas que ainda ninguém tem a certeza se existem.

Um bocadinho puxado, mesmo para um caçador de planetas imaginários como eu.

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