Eu cá também deixava cair o café

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Por esta ninguém esperava. Pensava-se que devia haver uma explicação terrena, é verdade, mas não tão terrena assim. Descobriu-se que o peryton – sinal de origem misteriosa semelhante aos «Fast Radio Bursts» (FRB), explosões rápidas em rádio – é tão real como a criatura mitológica que lhe deu nome.

O peryton mitológico, metade veado, metade pássaro, foi descrito pela primeira vez pelo escritor e ensaísta argentino Jorge Luis Borges no «Manual de zoología fantástica», publicado em 1957.

O peryton dos astrónomos andava a intrigar a comunidade científica desde a década de 90. A que se deviam aquelas breves e intensas explosões rádio captadas pelo telescópio? Um fenómeno atmosférico ainda pouco conhecido como, por exemplo, relâmpagos globulares? Aviões? Algum componente do próprio telescópio?

Os cientistas lançaram-se ao trabalho.

«Se os relâmpagos oculares agirem como cavidades de radiofrequência não estacionárias» – defendeu o professor de Ciências Astrofísicas na Universidade de Princeton Nathaniel J. Fisch e o colega Astrofísico Ilya Dodin – «então as suas frequências de emissão características e escalas de tempo de evolução são consistentes com as observações Peryton».

Nathaniel J. Fisch e Ilya Dodin podem ter entornado a chávena de café quando ficaram a conhecer a origem dos enigmáticos sinais.

Emily Petroff, do Centro de Astrofísica e Supercomputação da Universidade de Tecnologia de Swinburne, desfez o mistério a 9 de abril.

Os misteriosos sinais peryton estavam a ser provocados pelos tipos que aqueciam o café no micro-ondas e o retiravam antes de tempo. Com medo que o líquido sobreaquecesse e queimasse a língua, esses indivíduos desnaturados abriam a porta do forno antes do tempo programado.

Isto não dá origem a um mistério científico se estiveres no sossego da tua casa. O problema de o fazer em instalações científicas onde funcionam telescópios é que o magnetrão – a válvula eletrónica responsável pela transformação da energia elétrica em ondas eletromagnéticas – não tem tempo suficiente para se desligar.

Durante o brevíssimo período de que necessita para se desligar, liberta umas belas de umas ondas rádio, para quem as quiser apanhar. Neste caso, telescópios ultra-sensíveis.

Emily Petroff

Emily Petroff

Um mistério de tirar o sono

E, assim, um anónimo grupo de funcionários conseguiu, de uma assentada, chatear três tipos de pessoas: a malta que ainda tinha esperança de se tratar do sinal de uma civilização extraterrestre avançada, os cientistas que torraram os neurónios a tentar compreender o fenómeno e verdadeiros apreciadores de café como eu.

O que passa pela cabeça desta gente para aquecer uma chávena de precioso café num micro-ondas é coisa que me ultrapassa. Só por isso já mereciam levar umas belinhas na testa. Felizmente, cinco dias depois de se ter resolvido o mistério, o mundo comemorou o Dia Mundial do Café e o precário equilíbrio do Cosmos pôde ser restabelecido.

Como teria reagido o engenheiro Percy Spencer, o homem que em 1945 inventou o forno de micro-ondas, se alguém lhe tivesse dito que a criação haveria de dar origem a grandes confusões envolvendo telescópios, físicos, astrónomos, aviões e relâmpagos globulares? Provavelmente teria aconselhado o interlocutor a não beber tanto café.

Os sinais do magnetrão pertenciam a micro-ondas do Observatório de Parkes, na Austrália. Os cientistas australianos acabaram portanto de inventar o café Peryton, o único capaz de os manter acordados sem precisar de ser bebido. Se fosse o diretor do Observatório, aproveitava a onda para criar a marca e comercializá-la para financiar novas empreitadas científicas.

Vá lá que isto nada tem a ver com os «Fast Radio Bursts» (FRB) que deram origem a muita especulação, incluindo a possibilidade de homenzinhos verdes também terem medo de sobreaquecer o café nos seus próprios micro-ondas do outro lado da galáxia. No caso dos peryton, nunca se pensou em origens cósmicas, sempre se soube tratar-se de um fenómeno local; no caso das misteriosas explosões rápidas em rádio, é quase certo que o sinal vem do espaço exterior, e de muito longe.

O Peryton original

O Peryton original

A versão mítica do Peryton viveu em Atlântida até um terramoto destruir a civilização e o veado ser forçado a usar as suas asas de pássaro para escapar. O Peryton projeta a sombra de um homem até matar um – só então começa a projetar a sua própria sombra. Um pouco como o Peryton dos astrofísicos, quando a descoberta de Emily Petroff matou todas as sombras projetadas pelas hipóteses anteriores e revelou ser apenas a sombra de um corriqueiro micro-ondas.

Mas é assim a Ciência: capaz de se questionar e esquecer orgulhos feridos quando enfrenta a indomável neutralidade dos factos.

3 comentários

    • José Ildefonso on 17/04/2015 at 01:55
    • Responder

    Gostei, o seu texto ficou muito bom, parabéns!

  1. Shit happens!
    Agora vão defender que os ET também cozinham com “micro-ondas”.

    • Manel Rosa Martins on 16/04/2015 at 22:17
    • Responder

    O forno foi mais uma descoberta do que um invenção, e essa descoberta foi detectada quando o engenheiro ao investigar o magnétron verificou que a barra de chocolate dentro da algibeira da bata estava derretida… 🙂

    O magnétron está nos fornos instalado numa pequena blindagem e não deve ser desmontado sem conhecimento técnico, mesmo desligado pode dar choque e pode causar danos na retina.

    Foi considerada a invenção técnica mais importante e decisiva de toda a 2ª guerra Mundial, pois permitiu destruir a ameaça submarina nazi.

    Na wiki há uma excelente entrada sobre este aparato:

    http://en.wikipedia.org/wiki/Cavity_magnetron

    On November 27, 1935, Hans Erich Hollmann applied for a patent for the first multiple cavities magnetron, which he received on July 12, 1938,[1] but the more stable klystron was preferred for most German radars during World war II. The cavity magnetron tube was later improved by John Randall and Harry Boot in 1940 at the University of Birmingham, England.[2] The high power of pulses from their device made centimeter-band radar practical for the Allies of World War II, with shorter wavelength radars allowing detection of smaller objects from smaller antennas. The compact cavity magnetron tube drastically reduced the size of radar sets[3] so that they could be installed in anti-submarine aircraft[4] and escort ships.[3]
    In the post-war era the magnetron became less widely used in the radar role. This was due to the fact that the magnetron’s output changes from pulse to pulse, both in frequency and phase. This makes the signal unsuitable for pulse-to-pulse comparisons, which is widely used for detecting and removing “clutter” from the radar display.[5] The magnetron remains in use in some radars, but has become much more common as a low-cost microwave source for microwave ovens. In this form, approximately one billion magnetrons are in use today.[5][6]

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