Sinais de Vulcanismo Numa Super-Terra?

Uma equipa de astrónomos encabeçada por Brice-Olivier Demory, da Universidade de Cambridge, detectou grandes flutuações na temperatura do lado diurno do exoplaneta 55 Cancri-e, uma super-Terra. Ainda não é clara a causa destas flutuações, mas em cima da mesa está a possibilidade bem real de que sejam devidas a actividade geológica maciça no planeta, possivelmente vulcanismo, numa escala nunca vista no Sistema Solar.

A estrela 55 Cancri, situada a apenas 41 anos-luz, na direcção da constelação do Caranguejo, é muito semelhante ao Sol. É visível a olho nú, ao anoitecer, durante a Primavera, num local sem poluição luminosa. Parece uma estrela como outra qualquer, mas é especial para os astrónomos por várias razões. A estrela faz parte de um sistema binário, com uma companheira anã vermelha distante. O material de que as duas estrelas são feitas é mais enriquecido em “metais” — o nome que os astrónomos chamam aos elementos mais pesados do que o hidrogénio e o hélio — do que o do Sol. Estrelas com esta particularidade parecem formar planetas mais facilmente e, de facto, 55 Cancri é orbitada por, pelo menos, 5 planetas, designados por 55 Cancri-b … 55 Cancri-f, por ordem cronológica da sua descoberta.

O planeta mais próximo da estrela, o 55 Cancri-e, foi descoberto em 2004 e é o objecto desta notícia. Em 2011 descobriu-se que também realizava trânsitos algo que o tornou um alvo preferencial dos astrónomos que estudam as atmosferas de exoplanetas. Trata-se de um planeta espantoso. Orbita a estrela hospedeira em pouco menos de 18 horas, a uma distância de apenas 2 raios estelares! É um tipo de planeta que não existe no Sistema Solar, um meio termo entre a Terra e Neptuno, e que os astrónomos designam por Super-Terra. A observação dos trânsitos permitiu deduzir que tem 8.1 vezes a massa, e 2.1 vezes o raio, da Terra. A sua densidade implica que uma parte significativa da sua massa é formada por rocha e metal.

Representação artística do planeta 55 Cancri-e. Num possível cenário, a superfície tem uma actividade geológica frenética e global (esquerda); durante episódios eruptivos muito intensos a atmosfera torna-se mais opaca e impede a saída de radiação infravermelha proveniente do interior (direita). Crédito: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt.

Representação artística do planeta 55 Cancri-e. Num possível cenário, a superfície tem uma actividade geológica frenética e global (esquerda); durante episódios eruptivos muito intensos a atmosfera torna-se mais opaca e impede a saída de radiação infravermelha proveniente do interior (direita). Crédito: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt.

Para estudar o planeta, Demory e os colegas observaram a 55 Cancri no infravermelho. Existem duas razões para o terem feito. Em primeiro lugar, os planetas emitem radiação principalmente na região do infravermelho. Isto acontece porque têm calor interno acumulado do seu processo de formação e, no caso de planetas muito próximos das respectivas estrelas hospedeiras, porque são fortemente irradiados. Em segundo lugar, é mais fácil detectar a luz de um planeta junto a uma estrela observando no infravermelho. De facto, uma estrela como o Sol emite menos radiação no infravermelho do que no visível. Emite sempre muito mais do que um planeta, mas a razão entre a luminosidade do planeta e a da estrela é maior no infravermelho do que no visível.

Representação artística de um exoplaneta observado no visível (esquerda) e no infravermelho (direita). No infravermelho o contraste entre a estrela e o planeta é mais favorável à detecção do ténue sinal do planeta. Crédito: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt (SSC/Caltech).

Representação artística de um exoplaneta observado no visível (esquerda) e no infravermelho (direita). No infravermelho o contraste entre a estrela e o planeta é mais favorável à detecção do ténue sinal do planeta. Crédito: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt (SSC/Caltech).

Para medir a temperatura do lado diurno do planeta, a equipa não estava tão interessada nos trânsitos do 55 Cancri-e. De facto, durante um trânsito o planeta tem virada para a Terra a sua face nocturna. Para observar o lado diurno do planeta, a equipa observou os eclipses do planeta pela estrela, que ocorrem quando o planeta passa por detrás da estrela visto a partir da Terra — um fenómeno designado por eclipse secundário. Imediatamente antes de desaparecer por detrás da estrela o planeta apresenta a (quase) totalidade da sua face diurna virada para a Terra. Um telescópio de infravermelhos que observe a estrela nessa fase orbital do planeta detecta não só luz proveniente da estrela mas também alguma luz emitida pelo planeta. Algum tempo depois, quando o planeta está por detrás da estrela, o telescópio detecta apenas luz proveniente da estrela. A diferença entre a luminosidade no infravermelho imediatamente antes e durante o eclipse secundário, permite calcular a luminosidade infravermelha do planeta e consequentemente a temperatura do seu lado diurno.

Durante um trânsito o planeta mantém a sua face nocturna virada para a Terra. Imediatamente antes do eclipse secundário, a face diurna está voltada para a Terra. Durante o eclipse a luz emitida pelo planeta não é visível. Fonte:http://astrobiology.gsfc.nasa.gov/images/theme2c.jpg.

Durante um trânsito o planeta mantém a sua face nocturna virada para a Terra. Imediatamente antes do eclipse secundário, a face diurna está voltada para a Terra. Durante o eclipse a luz emitida pelo planeta não é visível. Fonte:http://astrobiology.gsfc.nasa.gov/images/theme2c.jpg.

Demory e os co-autores observaram a 55 Cancri nestas ocasiões por várias vezes entre Janeiro de 2011 e Julho de 2013. As observações foram realizadas com o Telescópio Espacial Spitzer, na banda dos 4.5 micrometros, um dos 4 comprimentos de onda oferecidos pela câmara IRAC (Infrared Array Camera). Durante este período de 2 anos e meio, os cientistas observaram algo verdadeiramente extraordinário — a temperatura do lado diurno do planeta variou por um factor de aproximadamente 3, entre uns amenos 1000 graus Celsius e uns menos confortáveis 2700 graus Celsius. Nunca antes tal detecção havia sido feita para um exoplaneta, muito menos para uma Super-Terra. Os cientistas apontam algumas possíveis explicações para estas enormes variações de temperatura embora seja difícil nesta fase determinar qual delas, se é que alguma, corresponde à realidade. Particularmente intrigante é a hipótese de estarmos a observar o resultado de uma actividade vulcânica maciça no planeta. Demory descreve como este cenário explicaria as variações observadas na temperatura do planeta (tradução livre do autor):

Apesar de não podermos ter a certeza, uma possível explicação para esta variabilidade poderá estar numa superfície geologicamente muito activa a nível global, possivelmente envolvendo vulcanismo. Tal actividade libertaria grande quantidade de gás e poeira para a atmosfera que impediria a saída da radiação infravermelha emitida pelo planeta para o espaço. [Na Terra observaríamos o planeta mais frio durante um tal evento eruptivo, e mais quente quando a atmosfera se tornasse mais transparente.]

(Fonte: Universidade de Cambridge, arxiv.org)

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