Porque é que as Galáxias Deixam de Fazer Bébés?

Cientistas da Universidade de Cambridge e do Observatório Real em Edimburgo descobriram que a maioria das galáxias que deixaram de produzir estrelas têm uma abundância anormalmente elevada de metais (elementos mais pesados do que o hidrogénio e hélio). Esta observação constitui uma pista importante para identificar o mecanismo que impede algumas galáxias de produzir novas estrelas.

No Universo actual as galáxias podem ser divididas em 2 tipos: (1) as que ainda formam estrelas (e.g., a Via Láctea), ricas em nuvens de hidrogénio molecular e poeiras, a matéria prima de que são feitas as estrelas; (2) as que já não formam estrelas e parecem estar desprovidas dessa matéria prima.

Esta imagem do Hubble mostra a galáxia ESO 137–001 no enxame Abell 3627. À medida que se move a alta velocidade no centro do enxame, a galáxia atravessa nuvens de gás intergaláctico (invisíveis nesta imagem) que provocam fricção nas suas nuvens de gás e poeira, arrastando-as para fora dos braços espirais. Os filamentos azuis que se estendem para a direita e para baixo são feitos de estrelas jovens formadas a partir de nuvens moleculares deixadas para trás pela galáxia, que se move para a esquerda e para cima na imagem. A galáxia ficará desprovida de matéria prima para a formação de novas estrelas. Crédito: NASA, ESA, Ming Sun (UAH) e Serge Meunier.

Esta imagem do Hubble mostra a galáxia ESO 137–001 no enxame Abell 3627. À medida que se move a alta velocidade no centro do enxame, a galáxia atravessa nuvens de gás intergaláctico (invisíveis nesta imagem) que provocam fricção nas suas nuvens de gás e poeira, arrastando-as para fora dos braços espirais. Os filamentos azuis que se estendem para a direita e para baixo são feitos de estrelas jovens formadas a partir de nuvens moleculares deixadas para trás pela galáxia, que se move para a esquerda e para cima na imagem. A galáxia ficará desprovida de matéria prima para a formação de novas estrelas. Crédito: NASA, ESA, Ming Sun (UAH) e Serge Meunier.

Porquê esta dicotomia? Porque é que algumas galáxias deixam de fazer estrelas e outras continuam a formá-las com mais ou menos vigor? Os astrónomos vêm estudando esta questão desde há décadas mas só recentemente foi possível progredir para uma solução. Uma coisa é certa: sem matéria prima — nuvens ultra frias e escuras de hidrogénio molecular e poeiras — não é possível formar novas estrelas. Este material é abundante em galáxias que continuam a formar estrelas e muito escasso ou inexistente nas que cessaram a sua actividade. Mas porque será que algumas galáxias têm grandes reservas gás molecular ao passo que outras têm uma deficiência extrema?

A observação de um grande número de galáxias sugere que podem estar em acção dois mecanismos: (1) alguma força interna (e.g., o vento de partículas e a radiação de um quasar no centro da galáxia que dispersam as nuvens moleculares) ou externa (e.g., a fricção com gás no meio intergaláctico que retira o gás à galáxia); (2) as galáxias formam as suas nuvens de hidrogénio molecular a partir de material proveniente de nuvens intergalácticas de hidrogénio que caem no campo seu gravitacional. Quando este material intergaláctico se esgota a galáxia forma estrelas até não ter mais matéria prima.

A galáxia espiral NGC6946, na constelação de Cefeu, tem uma formação estelar vigorosa. A comprová-lo estão o tom azul intenso dos seus braços — devido ao brilho de incontáveis estrelas jovens muito maciças — e as manchas rosa que salpicam os braços espirais — maternidades estelares fluorescentes devido à luz ultravioleta de estrelas jovens. Esta galáxia, e provavelmente muitas outras, tem um segredo para a sua vitalidade. Fonte: http://apod.nasa.gov/apod/ap120109.html.

A galáxia espiral NGC6946, na constelação de Cefeu, tem uma formação estelar vigorosa. A comprová-lo estão o tom azul intenso dos seus braços — devido ao brilho de incontáveis estrelas jovens muito maciças — e as manchas rosa que salpicam os braços espirais — maternidades estelares fluorescentes devido à luz ultravioleta de estrelas jovens. Esta galáxia, e provavelmente muitas outras, tem um segredo para a sua vitalidade. Fonte: http://apod.nasa.gov/apod/ap120109.html.

E o segredo da NGC 6946 é este. A galáxia da foto anterior pode ser vista no centro desta imagem (amarelo mais intenso) obtida em ondas de rádio. A enorme mancha vermelha que a rodeia é uma nuvem de hidrogénio no espaço intergaláctico. O gás flui continuamente para a galáxia por acção da gravidade, renovando o seu stock de matéria prima para a formação de estrelas — uma espécie de fonte da juventude. Crédito: D. J. Pisano (WVU), B. Saxton (NRAO/AUI/NSF), Palomar Observatory & Space Telescope Science Institute 2nd Digital Sky Survey (Caltech), Westerbork Synthesis Radio Telescope.

E o segredo da NGC 6946 é este. A galáxia da foto anterior pode ser vista no centro desta imagem (amarelo mais intenso) obtida em ondas de rádio. A enorme mancha vermelha que a rodeia é uma nuvem de hidrogénio no espaço intergaláctico. O gás flui continuamente para a galáxia por acção da gravidade, renovando o seu stock de matéria prima para a formação de estrelas — uma espécie de fonte da juventude. Crédito: D. J. Pisano (WVU), B. Saxton (NRAO/AUI/NSF), Palomar Observatory & Space Telescope Science Institute 2nd Digital Sky Survey (Caltech), Westerbork Synthesis Radio Telescope.

No primeiro cenário, a formação de estrelas termina rapidamente, com a eliminação rápida (em apenas alguns milhões de anos) do gás. No segundo cenário, no entanto, o gás acumulado pela galáxia, apesar de não ser renovado, permite a formação de estrelas, a um ritmo cada vez mais lento, durante milhares de milhões de anos. Estas diferenças na forma como cessa a formação de estrelas traduzem-se também em diferenças na abundância de metais (designada por metalicidade) nas galáxias. Yingjie Peng, o primeiro autor do estudo, explica-nos porquê:

“A abundância de metais é uma ferramenta poderosa para estudar a história da formação estelar: quanto mais estrelas são formadas por uma galáxia, maior será a abundância em metais observada nas suas estrelas. Assim, olhando para as abundâncias de metais em galáxias que já não formam estrelas podemos, em princípio, deduzir qual o mecanismo que as impediu de fazer novas estrelas.”

De facto, se a maioria das galáxias deixam de fazer estrelas devido ao mecanismo (1), então o seu conteúdo em metais deve ser semelhante ao que tinham imediatamente antes de ficarem estéreis, pois o gás necessário à formação de estrelas desaparece rapidamente e a galáxia deixa de fazer estrelas abruptamente. Por outro lado, se o mecanismo dominante for o (2), as galáxias continuam a formar estrelas ainda durante milhares de milhões anos, até o reservatório de gás se esgotar, permitindo a síntese de mais metais. Neste caso as galáxias devem ter uma metalicidade mais elevada.

Este gráfico mostra os dois mecanismos envolvidos na cessação da formação de estrelas numa galáxia. Em cima, à direita, a galáxia renova a matéria prima absorvendo nuvens interestelares. Num determinado instante, o gás é rapidamente removido e a galáxia fica estéril (elipse vermelha). A metalicidade, em cima à esquerda, é semelhante à que a galáxia tinha antes de parar de formar estrelas (círculo vermelho). Em baixo, à direita, a galáxia deixa de poder renovar a matéria prima para formar estrelas. A formação de estrelas continua durante milhares de milhões de anos, até a galáxia ficar estéril. A metalicidade esperada seria muito mais elevada. Crédito: Peng et al.

Este gráfico mostra os dois mecanismos envolvidos na cessação da formação de estrelas numa galáxia. Em cima, à direita, a galáxia renova a matéria prima absorvendo nuvens interestelares. Num determinado instante, o gás é rapidamente removido e a galáxia fica estéril (elipse vermelha). A metalicidade, em cima à esquerda, é semelhante à que a galáxia tinha antes de parar de formar estrelas (círculo vermelho). Em baixo, à direita, a galáxia deixa de poder renovar a matéria prima para formar estrelas. A formação de estrelas continua durante milhares de milhões de anos, até a galáxia ficar estéril. A metalicidade esperada seria muito mais elevada. Crédito: Peng et al.

Não é possível observar qualquer um destes processos para uma galáxia individualmente, pois demoram milhões ou milhares de milhões de anos a produzir efeitos. No entanto, olhando para milhares de galáxias em simultâneo, podemos observá-las em diferentes estágios de evolução e, analisando as suas metalicidades, distinguir qual dos processos é dominante. Os autores deste estudo analisaram o espectro de 3095 galáxias férteis e de 26618 galáxias estéreis, previamente observadas pelo Sloan Digital Sky Survey. Roberto Maiolino, outro dos autores diz-nos o que descobriram:

“Verificámos que, para uma dada massa total de estrelas, o conteúdo em metais de uma galáxia estéril é significativamente maior do que numa galáxia fértil de massa semelhante [para a maioria das galáxias, correspondendo a massas < 10% da Via Láctea]. Não esperávamos ver isto no caso do gás ter sido removido abruptamente [cenário 1], mas os dados são consistentes com o cenário mais gradual [cenário 2].”

Os cientistas confirmaram os resultados de forma independente comparando a idade média das estrelas nas galáxias estéreis e férteis, que é independente da metalicidade. A diferença média observada é de 4 mil milhões de anos, um número consistente com o tempo que levaria uma galáxia a tornar-se estéril no cenário 2. Peng reflete sobre a importância deste resultado:

“Esta é a primeira evidência conclusiva de que as galáxias são estranguladas até à morte [referindo-se ao fim do fluxo de gás intergaláctico]. O que se segue é perceber porque é que estes fluxos de gás terminam. De certo modo, sabemos a causa da morte [esterilidade], mas não sabemos quem é o assassino [o que termina o fluxo de gás], apesar de termos alguns suspeitos.”

É importante notar que este mecanismo, apesar de ser dominante, segundo a tese dos autores, não é o único. De facto, o mecanismo (1) foi já observado em galáxias em enxames (ver imagem de ESO 137–001 acima) e em galáxias maciças com núcleos activos.

O artigo descrevendo a descoberta foi publicado no número de hoje, 14 de Maio, da revista Nature.

(Fonte: phys.org)

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