Massa da Via Láctea Determinada com Precisão sem Precedentes

A Via Láctea é uma grande galáxia espiral barrada. Os braços espirais, locais onde a formação de novas estrelas é mais vigorosa, têm origem na região central da galáxia e prolongam-se até se esvanecerem no espaço inter-galáctico, a uma distância de 50 mil anos-luz do núcleo. A região central, mais volumosa e brilhante, e com a forma aproximada de uma bola de râguebi, contém a maior concentração de estrelas da galáxia e a maior parte da sua massa. Todos os 100 mil milhões de estrelas da Via Láctea orbitam em torno do centro. O Sol, deslocado cerca de 27 mil anos-luz para a periferia, demora uns espantosos 250 milhões anos a completar uma órbita; desde a sua formação, há 4.5 mil milhões de anos, completou apenas 18 voltas à galáxia.

Este é o aspecto que a Via Láctea poderia ter observada a dezenas de milhares de anos-luz de distância acima (ou abaixo) do plano dos braços espirais. Crédito: Nick Risinger. Fonte: http://cdn.phys.org/newman/gfx/news/hires/2015/whatwashereb.jpg

Este é o aspecto que a Via Láctea poderia ter observada a dezenas de milhares de anos-luz de distância acima (ou abaixo) do plano dos braços espirais. Crédito: Nick Risinger. Fonte: http://cdn.phys.org/newman/gfx/news/hires/2015/whatwashereb.jpg

A determinação da massa da Via Láctea, um dos seus parâmetros mais fundamentais, é dificultada pelo facto do Sol, e portanto o Sistema Solar, se encontrar imerso no plano dos braços espirais. As estimativas existentes, baseadas em métodos indirectos, têm margens de erro enormes. Neste contexto, uma equipa de astrónomos da Universidade de Columbia publicou um artigo na revista Astrophysical Journal descrevendo uma nova técnica que permite a determinação com boa precisão da dita massa. O método baseia-se na observação das características de filamentos de estrelas arrancados pela Via Láctea a enxames globulares que a orbitam. Este cenário de canibalismo galáctico é, sabemos hoje, muito vulgar, mas só passou a ser reconhecido como tal com o advento dos grandes censos da esfera celeste, como o SDSS (Sloan Digital Sky Survey) ou o 2MASS (Two Micron All-Sky Survey), na última década do século XX e início do século XXI.

O hemisfério norte observado pelo Sloan Digital Sky Survey. Vários filamentos de estrelas resultantes da canibalização de enxames globulares e de pequenas galáxias satélites da Via Láctea são visíveis e identificadas na imagem. O filamento devido à desagregação do enxame globular Palomar 5, estudado pelos astrónomos da Universidade de Columbia, é visível em baixo à esquerda. Crédito: Ana Bonaca. Fonte: http://cdn.phys.org/newman/gfx/news/hires/2015/556dfd42c13c1.png

O hemisfério norte observado pelo Sloan Digital Sky Survey. Vários filamentos de estrelas resultantes da canibalização de enxames globulares e de pequenas galáxias satélites da Via Láctea são visíveis e identificadas na imagem. O filamento devido à desagregação do enxame globular Palomar 5, estudado pelos astrónomos da Universidade de Columbia, é visível em baixo à esquerda. Crédito: Ana Bonaca. Fonte: http://cdn.phys.org/newman/gfx/news/hires/2015/556dfd42c13c1.png

Os enxames globulares são grupos extremamente compactos de centenas de milhares de estrelas, nascidas juntas aquando da formação da Via Láctea, em circunstâncias ainda alvo de aceso debate. Orbitam o centro da galáxia há milhares de milhões de anos e, em alguns casos, as intensas forças de maré exercidas pela enorme massa da Via Láctea provocam a sua desagregação gradual. Quando tal acontece, os enxames deixam ao longo da sua órbita filamentos formados por estrelas a eles arrancadas que são mais facilmente identificadas em censos como o SDSS ou o 2MASS.

Os autores, em particular, estudaram um enxame globular denominado Palomar 5, cujos filamentos de estrelas eram já conhecidos desde 2001. Descoberto pelo astrónomo americano Walter Baade em 1950 e situado a 61 mil anos-luz do centro da Via Láctea, o Palomar 5 é um enxame globular anormalmente pequeno e pouco luminoso. Grande parte das suas estrelas já lhe foram arrancadas pela Via Láctea, formando agora dois filamentos, um que precede e outro que sucede o enxame, na sua órbita. A extensão total destes filamentos é de uns notáveis 30 mil anos-luz.

A trajectória reconstruída do enxame globular Palomar 5 (a vermelho) e a sua posição actual (circunferência anotada Pal 5). São visíveis os filamentos de estrelas deixados pelo enxame na sua trajectória devido às forças de maré da Via Láctea (traços verdes que encontram atrás e à frente do enxame na sua posição actual). A análise da forma como as estrelas se distribuem nestes filamentos permitiu deduzir uma estimativa para a massa da nossa galáxia. Crédito: NASA/STScI. Fonte: http://www2.mpia.de/Public/Aktuelles/PR_2/2002/PR020603/fig2-hr.jpg

A trajectória reconstruída do enxame globular Palomar 5 (a vermelho) e a sua posição actual (circunferência anotada Pal 5). São visíveis os filamentos de estrelas deixados pelo enxame na sua trajectória devido às forças de maré da Via Láctea (traços verdes que encontram atrás e à frente do enxame na sua posição actual). A análise da forma como as estrelas se distribuem nestes filamentos permitiu deduzir uma estimativa para a massa da nossa galáxia. Crédito: NASA/STScI. Fonte: http://www2.mpia.de/Public/Aktuelles/PR_2/2002/PR020603/fig2-hr.jpg

Naturalmente, a existência dos filamentos não constituía novidade. O que os autores descobriram de novo foi que estes exibem oscilações na densidade de estrelas — regiões mais ricas em estrelas alternadas com regiões mais pobres em estrelas — demasiado regulares para poderem ser devidas ao acaso. De facto, as propriedades destas oscilações permitiam deduzir muito acerca das forças de maré que actuam sobre o enxame e, portanto, sobre o campo gravitacional da Via Láctea.

No passo seguinte, os astrónomos recorreram a um supercomputador na Universidade de Columbia para simular a desagregação de um enxame semelhante ao Palomar 5 com diferentes modelos para a Via Láctea, nomeadamente, com diferentes massas totais. A ideia era simples: comparar as oscilações nos filamentos gerados pelas simulações para diferentes modelos da Via Láctea com as observadas no filamento do Palomar 5 nos dados do SDSS.

Os filamentos de estrelas que precedem e sucedem o enxame Palomar 5 na sua órbita, resultado das forças de maré exercidas pela Via Láctea. Crédito: Michael Odenkirchen e Eva Grebel, Max Planck Institute for Astronomy. Fonte: http://www2.mpia.de/Public/Aktuelles/PR_2/2002/PR020603/fig1-hr.jpg

Os filamentos de estrelas que precedem e sucedem o enxame Palomar 5 na sua órbita, resultado das forças de maré exercidas pela Via Láctea. Crédito: Michael Odenkirchen e Eva Grebel, Max Planck Institute for Astronomy. Fonte: http://www2.mpia.de/Public/Aktuelles/PR_2/2002/PR020603/fig1-hr.jpg

Os astrónomos concluíram que o modelo que melhor se ajustava aos dados implicava uma massa total de 210 mil milhões de massas solares para a Via Láctea dentro de um raio de 60 mil anos-luz do centro (o que inclui a totalidade dos braços espirais). A estimativa tem um erro estimado de 20%, uma margem significativa mas muito melhor do que as obtidas com outros métodos. Uma comparação com outras galáxias de tamanho idêntico, para as quais a massa é conhecida, revela que a Via Láctea está “na linha”, nem demasiado gorda, nem demasiado magra.

Note-se que desta estimativa não se pode inferir que a massa média das estrelas da Via Láctea é de 2.1 massas solares (210 mil milhões de massas solares a dividir por 100 mil milhões de estrelas). Em primeiro lugar, os 100 mil milhões de estrelas da nossa galáxia são apenas uma estimativa, provavelmente conservadora. Em segundo lugar, a vasta maioria das estrelas da nossa galáxia são anãs vermelhas cuja massa pode ser tão pequena quanto 8% da massa do Sol. Finalmente, uma parte muito significativa da massa da galáxia existe sob a forma de gás e poeiras inter-estelares, nomeadamente nas nuvens moleculares gigantes que contêm a matéria prima para formar novas estrelas, e sob a forma da matéria negra, que faz sentir a sua presença apenas pela influência gravitacional que exerce na matéria normal. A massa média de uma estrela será assim muito inferior às 2.1 massas solares acima referidas.

(Fonte: Phys.org)

2 comentários

    • Manel Rosa Martins on 04/06/2015 at 20:47
    • Responder

    Luís, que post assombroso, parabéns. 🙂

    1. Obrigado Manel!

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