Sobre Aquelas “Belas” Fotos da Península Ibérica Vista do Espaço

Numa altura em que se assiste à rápida conversão da rede de iluminação pública para a tecnologia LED, seria importante ter em conta outros factores que não apenas o consumo energético, este último obviamente fundamental.
Logo à partida a tecnologia LED, para além permitir variar a intensidade luminosa das luminárias, pode ser casada facilmente com sensores de movimento que poderiam ser utilizados para ligar as luminárias apenas quando são necessárias (ao contrário das luminárias convencionais, os LEDs podem ser ligados e desligados facilmente).

Mais, parte das luminárias podem perfeitamente ser desligadas a partir de uma certa hora. Há uns anos estive uns dias de férias na Suíça e faziam isso em Berna, nos parques públicos, por volta da meia noite. Isto poderia ser feito já, e no caso da iluminação pública o impacto no consumo seria provavelmente importante.

Outro factor essencial, que aparentemente não está a ser levado em conta nesta mudança de paradigma tecnológico, é o impacto na saúde pública devido à exposição à luz branca. Vários estudos na última década apontam como provavelmente cancerígena a exposição prolongada à luz branca durante períodos nocturnos, aparentemente devido à ruptura do ciclo circadiano normal (1,2).

O impacto ambiental da iluminação é também brutal, provocando todos os anos a morte a muitos milhões de aves nos Estados Unidos, por exemplo; outros animais, especialmente os de hábitos nocturnos, e plantas são severamente afectados e colocados em risco de extinção pelo excesso de luz à noite (3).

Os LEDs usados na iluminação pública deveriam por isso ter uma cor mais quente, amarelada, para minimizar a nossa exposição à luz branca. Até hoje, todas as instalações públicas que vi com base em LEDs, e já são muitas, usam luz branca. Por outro lado, o desenho das luminárias deveria garantir que toda a luz por ela produzida é projectada em direcção ao solo e não lateralmente ou, pior, para o céu (4). Infelizmente tenho visto vários exemplos de mau desenho em luminárias LED, um mau presságio.

Crédito: NASA.

Crédito: NASA.

Isto leva-nos a uma outra questão, a da preservação do Céu Nocturno como um património comum da humanidade. A forma descuidada como foi feita a iluminação pública ao longo de décadas resultou numa situação em que, em grandes cidades, e.g., Lisboa ou Porto, os únicos objectos celestes que podem ser facilmente observados à noite são os planetas mais brilhantes, a Lua e uma mão cheia de estrelas mais brilhantes. Este desperdício de energia é fácil de observar nas “belas” fotografias obtidas pelos astronautas na Estação Espacial Internacional. Nelas vemos uma Europa, e Portugal em particular, cobertos de luzes intensas. Essa luz captada pelos astronautas não foi usada para iluminar o solo, e no entanto pagámos por ela, em dinheiro, saúde e (mau) ambiente.

Lembro-me bem do céu nocturno há uns 30–40 anos atrás. Na aldeia natal do meu pai o espectáculo era incrível. Hoje, no mesmo local, o céu é apenas uma sombra das minhas recordações de infância. Não está em causa a instalação da iluminação pública mas sim a sua implementação incorrecta. Nos últimos 10 anos passei muitas noites a observar lá. O céu é sofrível e fica “apenas” a 70km de Vila Nova de Gaia, onde vivo. Se quisesse observar de um céu realmente bom teria de fazer no mínimo uns 200km (400km ida e volta). Trata-se de uma pequena aldeia como muitas em redor. As luzes mantêm-se ligadas toda a noite apesar de, asseguro-vos, não se ver vivalma na rua a partir da meia-noite. Passa apenas o carro ocasional, e mesmo esse raramente. Isto é uma utilização racional da energia?

Pode pensar-se que as luzes têm também o benefício de aumentar a segurança das casas e das pessoas. Trata-se de um falso pressuposto (5). Um estudo recente em Inglaterra, por exemplo, depois de se ter racionalizado a iluminação pública em algumas regiões, demonstrou não ter havido qualquer alteração nos níveis de criminalidade e sinistralidade (6).

Em última análise, a adopção da tecnologia dos LEDs é uma oportunidade para melhorar significativamente a eficiência energética da rede de iluminação pública. No entanto, constitui também um perigo, pois o baixo consumo das luminárias poderá levar a um uso generalizado e irracional (7). Seria bom não repetirmos erros passados neste domínio. Nessa altura tínhamos pelo menos a desculpa de ignorar o impacto dessas medidas para nós humanos e para o ambiente. Hoje sabemos…

1 comentário

    • Paulo Pombinho on 22/12/2015 at 18:43
    • Responder

    Subscrevo a 100%.

    Sempre que vejo uma foto dessas penso: é belo para quem está a olhar lá de cima… porque daqui debaixo a olhar para cima não tem nada de belo!

    Já agora, aproveito para “publicitar” a International Dark-Sky Association, também têm muita informação sobre este tema: http://darksky.org/

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