Gravidade zero

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O que é a “gravidade zero” que os astronautas dentro da Estação Espacial Internacional (ISS) sentem? É importante começar por frisar que o nome induz em erro: a gravidade não é zero! A noção errada que muitos têm é que, como a gravidade resulta da atracção do planeta sobre nós e tendo em conta que a força gravítica diminui com a distância, então a uma distância razoável do planeta deixamos de sentir a sua atracção. Não, não é nada disso. Gravidade zero é o mesmo que queda livre!

Em gravidade zero, ou queda livre, o vosso peso é zero. Primeiro temos que concordar com uma definição de “peso”: o peso é a força que exercemos sobre uma balança, quando nos pesamos. Como nos pesamos sempre nas mesmas condições (junto à superfície da Terra, e parados), o nosso peso é sempre o mesmo, contando que a nossa massa corporal se mantenha constante. Como talvez o leitor tenha aprendido na escola, o peso é dado pela nossa massa a multiplicar pela aceleração gravítica terrestre. Isto significa que se nos pesarmos na Lua, o nosso peso é diferente (cerca de 6 vezes inferior ao que temos na Terra). Em termos práticos, sentir-nos-íamos muito leves, porque os nossos músculos não teriam que suportar todo o peso a que estavam habituados. Consequentemente, na Lua conseguiríamos saltar muito alto.

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Como pode então o nosso peso ser zero em queda livre? A nossa massa não varia enquanto caímos, e a gravidade também não (em boa aproximação, veja este artigo). A diferença está no movimento! Quando estão em repouso sobre a balança, a balança exerce sobre vós uma força igual ao vosso peso (terceira Lei de Newton): empurra-vos para cima. Considerem agora que estão num elevador: quando o elevador sobe, ele tem que exercer sobre vós uma força (nos vossos pés) para vos levar para cima com ele. (De forma semelhante, quando aceleram o vosso carro na autoestrada, sentem o vosso corpo a ser “empurrado” para trás.) Isto significa que se levarem a vossa balança para o elevador, e se se colocarem em cima dela, vão ver que o vosso peso aumenta quando o elevador começa a subir. (Há vários problemas com esta experiência, a começar pelo facto de a maioria das balanças ter um tempo de resposta bastante lento, pelo que o que vocês iriam ver era o peso a mudar, mas provavelmente não conseguiriam fazer uma leitura clara dos números. Notem que mesmo que fizessem a experiência num prédio com muitos andares, isso não garantia resultados mais animadores, porque o que conta é a aceleração do elevador. Quando este se move a velocidade constante, o vosso peso volta ao “normal”. Tal como na autoestrada, quando o carro atinge uma velocidade constante, deixamos de nos sentir empurrados contra o banco.) Por outro lado, para o elevador parar, tem que desacelerar: isto faz com que o vosso peso diminua. De igual modo, quando o elevador começa a  descer, o vosso peso diminui. Se o cabo do elevador se partir, o elevador cai em “queda livre”, e o vosso peso é zero durante a queda! Porquê? Porque quer o elevador, quer a balança, quer o vosso corpo, sentem todos apenas a força gravítica. Caem em “paralelo” e por isso as forças de contacto são nulas. Podem recordar a suposta experiência do Galileu na Torre de Pisa (alegadamente inventada pelo seu biógrafo): se tudo cai com a mesma aceleração, então dois objectos que caiam da mesma posição com a mesma velocidade, deverão cair sempre paralelamente (com igual velocidade, ainda que esta não seja uma constante). Naturalmente, no momento do embate a aceleração é contrária à gravidade, e por isso o vosso peso aumenta muito, podendo ter as consequências que imaginam. Em contraste, os astronautas que estão dentro da estação espacial, em condições de “gravidade zero”, a “flutuar”, não têm este problema, porque nunca chegam a sofrer a colisão. Dá-se o nome de imponderabilidade a este estado em que não se sente a “compressão de apoio”. (Recordemos que um objecto em órbita está sempre a “cair” mas numa direcção que o mantém sempre aproximadamente à mesma distância da Terra; ver o artigo “porque é que a Lua não cai?”).

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Como deve ser claro neste momento, não precisamos de estar em órbita para experienciarmos “gravidade zero”. Poderíamos saltar do topo de um prédio, mas… Não só o embate com o chão seria um problema, como também sentiríamos a resistência do ar, que é efectivamente uma força que se opõe à queda livre, e que por isso faz com que tenhamos peso não nulo. Isto significa que a “queda livre” a que me tenho referido não corresponde ao que um pára-quedista sente antes de abrir o pára-quedas (nem depois, claro). Como remover a resistência do ar? Temos que subir até uma altitude onde esta seja desprezável. É isso que se faz num “voo de gravidade zero” (num avião). Talvez alguns de vós se lembrem da Kate Upton a “promover a ciência” em 2014:

O avião descreve uma trajectória em forma de parábola:

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Como a figura indica, o avião sobe até cerca de 7.3 km, e começa a subir com um ângulo de 45º (o ângulo em causa não é relevante, é escolhido de forma a ser conveniente para as pessoas que vão dentro do avião). Na figura é indicado 1.8G, o que significa que o peso das pessoas aumenta nesta fase por um factor de 1.8, como é natural, visto o avião estar a acelerar para cima (como no caso do elevador). De seguida, os motores do avião são desligados, pelo que a dada altura o avião sente apenas a força gravítica e está portanto em queda livre (coluna azul na figura). Passado alguns segundos, os motores têm que ser novamente ligados, pois caso contrário o avião atingiria uma velocidade demasiado perigosa… Nesta altura, o peso volta a aumentar. Isto significa que quem for dentro do avião tem que ter bastante cuidado: num momento o seu peso era zero, e por isso sentia-se flutuar; no momento seguinte o peso aumenta para quase o dobro do “normal”, o que implica que se estiver de cabeça para baixo arrisca-se a um acidente grave. O ciclo completo demora aproximadamente um minuto e meio, sendo apenas cerca de 25 segundos de “gravidade zero”. Como é natural, repete-se o ciclo muitas vezes. (É por isto que o vídeo de cima é uma colagem de vários momentos.) Este tipo de voos tem sido usado principalmente para estudar o enjoo que os astronautas sentem devido às mudanças de peso que sofrem (duas em cada três pessoas sente-se enjoada nestes voos).

Já agora, e uma vez que em cima referi a “experiência” de nos sentirmos empurrados contra o banco quando aceleramos o carro, acrescento aqui mais uma curiosidade. Se tiverem dentro do carro um balão cheio com hélio (que é menos denso que o ar), ao acelerarem o balão não vai para trás, mas sim para a frente! Vejam o vídeo seguinte:

Como explicado no vídeo, o balão vai para a frente porque o ar em redor do balão é mais pesado, sendo que ao acelerar-se, o ar vai para “trás” e com isso empurra o balão para a frente. Isto não tem nada de estranho, porque acelerar em frente é similar a criar uma força “gravitacional” que empurra para trás. Assim, do mesmo modo que o balão com hélio voa para cima, contrariando aparentemente a força gravítica, também no carro o mesmo sucede.

Spaceman waiter losing all his wine in the zero gravity

Para bebermos em “gravidade zero” não podemos simplesmente inclinar o copo sobre a boca, pois o líquido não nos irá “cair” na boca. (Tem-se que usar sucção.)

 

2 comentários

  1. Kate Upton deve promover mais a ciência.

  2. Um vídeo que acho fantástico:
    https://www.youtube.com/watch?v=LWGJA9i18Co
    😀 Abraço

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